(Continuação daqui)
413. Criminoso por uns anos
Neste post vou explicar, para os leitores menos familiarizados com estes assuntos, o teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça noticiado em baixo (cf. aqui, e de que eu próprio, até hoje, só tenho conhecimento através da comunicação social).
Em 2019 fui condenado pelo Tribunal da Relação do Porto pelos crimes de ofensa a pessoa colectiva à sociedade de advogados Cuatrecasas e difamação agravada ao eurodeputado Paulo Rangel, na altura também director do escritório do Porto daquela sociedade, em resultado de um comentário televisivo (cf. aqui).
Apresentei queixa contra o Estado português (isto é, contra a justiça portuguesa) no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por violação do meu direito à liberdade de expressão, argumentando que tinha direito a dizer tudo aquilo que disse no comentário televisivo.
Em Março de 2024, no acórdão Almeida Arroja v. Portugal, o TEDH deu-me razão numa decisão unânime de sete juízes, condenando o Estado português a indemnizar-me em 10 mil euros por danos morais (isto é, por me ter condenado injustamente) e mais cinco mil euros por despesas incorridas junto deste tribunal.
O TEDH, como o próprio nome indica, é um tribunal de direitos, e não um tribunal judicial, por isso ele não tem poder para anular a condenação decidida pelo TRP. Aquilo que fez foi recomendar-me, no parágrafo 97 do seu acórdão, que pedisse a reabertura do processo junto dos tribunais portugueses ao abrigo do artº 449º-(g) e segs. do Código do Processo Penal (cf. aqui). Este artigo permite a um cidadão pedir a reabertura do processo sempre que a decisão de um tribunal internacional entre em conflito com a decisão dos tribunais portugueses, como foi o caso.
E eu assim fiz. Em Setembro apresentei um requerimento ao TRP a solicitar a anulação da sentença condenatória e o ressarcimento de todas as despesas em que incorri junto dos tribunais portugueses: sete mil euros de multa, 10 mil (mais juros) de indemnização ao Paulo Rangel, cinco mil (mais juros) de indemnização à Cuatrecasas, mais custas judiciais e advogados.
Nos termos daqueles artigos do CPP é necessário uma autorização do Supremo para que um tribunal inferior, como o TRP, possa alterar uma sentença. No seguimento do meu requerimento, o TRP terá enviado o processo para o Supremo para que este se pronunciasse. No acórdão ontem conhecido, o Supremo não só autoriza, como manda o TRP rever a sentença condenatória.
O que se segue?
Fico agora à espera do novo acórdão do TRP, que deve dar o dito-por-não dito, absolvendo-me onde antes me condenara e, nos termos do artº 462º do CPP, mande o Estado ressarcir-me das despesas que documentei.
Este ponto é importante. Quem me vai ressarcir das indemnizações que paguei ao Paulo Rangel e à Cuatrecasas é o Estado, não o Paulo Rangel e a Cuatrecasas, que nesse dia permanecem enriquecidos ilegitimamente, não já à minha custa, mas à custa dos contribuintes portugueses.
Como tenho vindo a referir insistentemente neste blogue, o sistema de justiça em Portugal é um antro de criminalidade legalizada.
Como é que eu me sinto?
Já me habituei ao estatuto de criminoso e, na idade em que me encontro, as mudanças causam sempre algum desconforto. Vai-me custar o TRP mandar limpar o meu registo criminal. Tinha ali dois crimezinhos para me entreter, agora que estou na reforma, e vou ficar sem nenhum.
Sinto-me, porém, inspirado pelo juiz Pedro Vaz Patto, o relator do acórdão que me condenou no TRP. O juiz Vaz Patto é um padre laico (cf. aqui) que um dia pode chegar a santo, tal como a sua guru, Chiara Lubich, cujo processo de santificação só foi interrompido porque entretanto se descobriu que no Movimento dos Focolares, aparentemente com o seu conhecimento, havia um patife que abusava crianças (cf. aqui).
Conforta-me a ideia de que mais vale ser criminoso por uns anos do que santinho toda a vida.