(Continuação daqui)
104. Os melhores magistrados do mundo
Todo o meu processo judicial nos tribunais portugueses decorreu tendo a magistrada Francisca van Dunem a ministra da Justiça. Enquanto o governo socialista, a partir do Ministério da Saúde, boicotava a obra do Joãozinho, no Tribunal da Relação do Porto, o meu processo judicial era distribuído a uma secção presidida por um juiz que era colega de profissão da ministra - ela magistrada do MP, ele magistrado judicial - e também colega de partido (cf. aqui).
Todo aquele mantra do ex-primeiro-ministro António Costa segundo o qual "À justiça o que é da justiça, à política o que é da política" era desmentido na sua própria ministra da Justiça. E também no juiz Francisco Marcolino, antigo candidato do PS à Câmara de Bragança.
Francisca van Dunem era procuradora-geral adjunta, o lugar mais alto da magistratura do Ministério Público, e agora desempenhava funções políticas como ministra da Justiça. Esta promiscuidade entre a justiça e a política como que prenunciava aquilo que viria a acontecer ao primeiro-ministro António Costa anos mais tarde - a de ser posto fora do seu lugar político por acção de agentes da justiça, e muito concretamente de procuradores do Ministério Público.
A decisão do TEDH no acórdão Almeida Arroja v. Portugal é arrasadora para a magistratura portuguesa, quer a do Ministério Público, quer a judicial. E também para a advocacia nacional que desencadeou este processo através de um conhecido advogado e de uma grande sociedade de advogados.
Durante estes anos, o que é que a ministra van Dunem teria a dizer sobre os magistrados portugueses?
-Que eles eram os melhores magistrados do mundo.
Ainda a frase ecoava na comunicação social quando o TEDH publicou um acórdão em que arrasou a investigação que, anos antes, o Ministério Público tinha feito ao caso da Praia do Meco, em que morreram vários estudantes universitários (cf. aqui). Na altura, a chefe do Ministério Público para a região de Lisboa era precisamente a ministra van Dunem que, não só louvou o trabalho do magistrado sob a sua hierarquia que conduziu a investigação (Joaquim Moreira da Silva), como consentiu que este pusesse um processo judicial contra os pais de um dos estudantes, que haviam criticado a investigação e que acabaram condenados por difamação .
Pouco tempo antes, na abertura do ano judicial, essa cerimónia corporativa e medieval onde se junta a nova classe de padres laicos fardados de toga - juízes, magistrados do Ministério Público e advogados - a ministra van Dunem viria a produzir a célebre afirmação de que Portugal tem os melhores magistrados do mundo (e advogados também) (cf. aqui).
E tem. Por isso merecem ganhar muito, os mais altos vencimentos da função pública. Numa série de posts com o título "Ou talvez não" (cf. aqui), mostrei como a ministra da Justiça procurou fazer justiça à sua corporação, empenhando-se em aumentar substancialmente os vencimentos dos magistrados, sobretudo os do topo da carreira, onde ela própria se encontrava.
O processo decorreu assim. Logo depois de ser nomeada ministra, o CSM promoveu-a a juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça, cargo que nunca viria a desempenhar. Em troca, a ministra mexeu os cordelinhos no governo para aumentar os vencimentos dos magistrados, com ênfase nos juízes conselheiros, uma classe que incluía os membros do CSM e ela também. Quando abandonou o lugar de ministra, nunca pôs o pé no Supremo, porque o CSM deferiu-lhe imediatamente o pedido de aposentação. Nunca chegou a fazer um julgamento, mas reformou-se com a categoria e o vencimento de juíza conselheira.
Nada que não seja merecido pelos melhores magistrados do mundo. Como o TEDH veio agora comprovar.
(Continua acolá)
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