22 abril 2024

A Decisão do TEDH (120)

(Continuação daqui)




120. Presidente Pinto da Costa


O comentário que me levou ao banco dos réus, e agora ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (cf. aqui), foi produzido no Porto Canal (cf. aqui).

O Porto Canal é um canal regional, propriedade do F. C. Porto e, portanto, em última instância, o seu patrão é o Presidente Pinto da Costa. 

Conforme consta do meu cadastro criminal (cf. aqui), eu sou nascido em Lisboa, muito perto dos estádios dos dois grandes rivais do F. C. Porto. Aos cinco anos, o meu pai inscreveu-me como sócio do Benfica (que, desde há muitos anos, já não sou) e, ainda hoje, o meu grande ídolo desportivo é o Eusébio, a cuja estreia assisti no Estádio da Luz.

Quem me convidou para comentar semanalmente no Porto Canal foi o seu director na altura, Júlio Magalhães, que eu já conhecia da RTP-Porto no final dos anos 80. 

Nunca exigi nenhum pagamento, apenas que pudesse apelar, através do Porto Canal, à sociedade portuense e ao país em geral para que ajudassem a Obra do Joãozinho relativa à construção, por via mecenática, da ala pediátrica do Hospital de S. João do Porto.

Mais tarde, apelei directamente ao presidente Pinto da Costa. Acabámos a organizar um Grande Jantar de Gala no Pavilhão do Estádio do Dragão em favor da Obra do Joãozinho, transmitido em directo pelo Porto Canal e com a presença graciosa do Paulo Gonzo e do Rui Reininho.

Em Portugal, nunca tive grandes manifestações de apreço (no estrangeiro, tive algumas), mas também não as procuro, na realidade, acabei um criminoso. Uma das raras que tive em Portugal foi do Presidente Pinto da Costa. Não foram mais que duas linhas.

Porém, é uma grande ironia que um lisboeta de gema, um benfiquista de nascença, e um futuro criminoso, recebesse tão gratas palavras de apreço por parte da figura maior da história do F.C. Porto: cf. aqui.

É prova de que ele é um grande cavalheiro.

A Decisão do TEDH (119)

 (Continuação daqui)




119. A voar


Os acontecimentos na Justiça, que tem a reputação de ser muito lenta, processam-se agora a um ritmo bastante rápido.

Hoje, o jornal ECO dá uma grande notícia: "Juízes têm novo código de conduta" (cf. aqui).

Vale a pena reproduzir uma das normas: 

“Os juízes dos Tribunais Judiciais abstêm-se de participar em atividades extrajudiciais que possam ser considerados, por uma pessoa razoável, bem informada, objetiva e de boa-fé, como suscetíveis de afetar a confiança dos cidadãos na imparcialidade das suas análises e decisões”.


Quer dizer, finalmente, lá vamos ver o juiz Pedro Vaz Patto a voar de todos o lugares que ocupa na Igreja Católica (cf. aqui).


(Continua acolá)

E logo a seguir

 



Aquilo que se está a passar agora em Portugal com a Justiça e com o Ministério Público, em particular, é bem representativo de uma das características da cultura portuguesa - o seu carácter anti-reformista.

A Reforma foi o movimento religioso do século XVI contra os abusos da Igreja Católica e que deu origem ao protestantismo. O reformismo é uma característica da cultura protestante - a capacidade para de forma contínua ir gradualmente ajustando as instituições à realidade em mutação.

Portugal e Espanha, do lado da Igreja, lideraram o movimento da Contra-Reforma de tal maneira que ainda hoje portugueses e espanhóis são especialistas mas é em boicotar reformas, não em fazê-las.

Mas, então, se os países católicos, como Portugal, não mudam pelo processo gradual e reformista, como acontece com os países protestantes, se passam o tempo a falar de reformas (como a da Justiça), mas nunca as fazem, então como é que eles mudam?

Mudam de supetão, de forma brusca, por revoluções, revoltas, manifestações coléricas de massa.

Durante décadas, o Ministério Público abusou os portugueses - escutas telefónicas, acusações de inocentes, arrestos indevidos, buscas espectaculares, violações do segredo de justiça, a lista não tem fim - e os portugueses aguentaram, voltaram a aguentar e continuaram a aguentar sem protesto.

Até que parece que chegou o momento da revolta e agora não há quem os pare.

A primeira a saltar do lugar - a coisa parece estar iminente -, é a Procuradora-Geral da República. E logo a seguir há o risco de que salte o Presidente da República.

No fim de contas, foram eles os dois que aparentemente se entenderam sobre o célebre parágrafo que deitou abaixo um governo de maioria absoluta.

21 abril 2024

sob escuta

 



Pinto da Costa: "Acho que o 25 de Abril não foi feito para acabar com a PIDE e pôr toda a gente sob escuta" (cf. aqui)

20 abril 2024

A Decisão do TEDH (118)

(Continuação daqui)
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118. José Sócrates


Para mim, o grande momento mediático dos últimos tempos em Portugal foi a entrevista de José Sócrates ontem à CNN: cf. aqui.

Três dias depois de José Sócrates ter sido preso no aeroporto de Lisboa em Novembro de 2014 eu fiz um comentário arrasador em sua defesa no Porto Canal (cf. aqui), e voltei ao tema repetida e semanalmente nos meus comentários seguintes.

Meses depois, era eu que tinha o Ministério Público atrás de mim no processo que agora culminou na decisão do TEDH (cf. aqui).

Nunca tive apreço político por José Sócrates, como é fácil de imaginar. Ele era o português típico vindo directamente da província para Lisboa com a ideia de mudar o país e, se lhe dessem oportunidade, também o mundo: boa figura, bem falante, mal preparado.

Fiz pela justiça e também por ele,  aquilo que nem o seu próprio partido arriscou fazer, como ele próprio agora admite. Fi-lo não apenas no Porto Canal, mas também na imprensa e neste blogue numa altura em que o Ministério Público estava em alta.

Este artigo, escrito no jornal Vida Económica poucos dias após a sua prisão, e reproduzido neste blogue, é hoje para mim um grande orgulho: cf. aqui.

Depois disso, escrevi imenso sobre o seu caso neste blogue. Ele é o exemplo paradigmático da justiça inquisitorial a funcionar em Portugal em pleno século XXI.

Hoje seria fácil fazê-lo porque o Ministério Público caiu em desgraça tal como, exactamente há 50 anos, eu vi a PIDE cair em desgraça.

Resta-me acrescentar que entre mim e o José Sócrates, existe uma diferença considerável. Ele nunca foi condenado, na realidade, nem sequer foi julgado. Pelo contrário, eu fui julgado e condenado, sou um cadastrado (cf. aqui). 

Em breve, irei pedir ao Estado se faz o favor de me descondenar.

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (117)

 (Continuação daqui)




117. D. Manuel III

No decreto de nomeação dos membros da Comissão Diocesana para a Protecção de Menores, D. Manuel Clemente, então Cardeal Patriarca de Lisboa, introduz-se assim (cf. aqui):

DOM MANUEL III, CARDEAL-PRESBÍTERO DA SANTA IGREJA ROMANA, DO TÍTULO DE SANTO ANTÓNIO DOS PORTUGUESES NO CAMPO DE MARTE, POR MERCÊ DE DEUS E DA SÉ APOSTÓLICA, PATRIARCA DE LISBOA.

Na Comissão estão vários agentes da justiça portuguesa, para além do juiz Vaz Patto. O mais destacado de todos é mesmo o seu coordenador, José Souto Moura, que já foi Procurador-Geral da República, isto é, chefe do Ministério Público. Não surpreende que o padre Mário Rui Pedras tenha sido tratado segundo os princípios de "justiça" próprios da Inquisição, um dos quais é precisamente o da presunção de culpabilidade (cf. aqui)

Em 2015 o Grupo de Estados Contra a Corrupção (GRECO) do Conselho da Europa, de que Portugal faz parte, adoptou um conjunto de recomendações para prevenir a corrupção entre juízes, magistrados do MP e deputados.

Passados nove anos, nenhuma das seis medidas recomendadas para os juízes está completamente implementada em Portugal. A mais importante de todas seria a adopção de um código de conduta dos juízes - algo que hoje até já os jogadores de futebol são obrigados a assinar - que, entre outras coisas, impeça as situações de conflito de interesses (cf. aqui).

Por isto mesmo protestei junto do novo Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Rui Valério (cf. aqui), e do presidente da Comissão Episcopal Portuguesa, D. José Ornelas (cf. aqui), mas ainda não obtive resposta. A Igreja Católica é cúmplice da corrupção da justiça em Portugal ao chamar magistrados que servem o Estado português para a servir também. 

O caso do juiz Vaz Patto desafia toda a imaginação. Sendo juiz de um alto tribunal do país - o Tribunal da Relação do Porto -, o juiz Vaz Patto serve a Igreja Católica nas seguintes capacidades: presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, um órgão da Conferência Episcopal Portuguesa; juiz do Tribunal Patriarcal de Lisboa; membro da Comissão Diocesana para a Protecção de Menores; presidente da Assembleia Geral da Associação "O Ninho"; editor da revista "Cidade Nova" do Movimento dos Focolares.

E qual é o mal?

O seguinte: enquanto juiz, ele presta lealdade ao Estado português e à Constituição e, enquanto membro das diferentes organizações católicas, ele presta lealdade à Igreja e ao Catecismo. Ora, em muitos aspectos, existe uma oposição radical entre a Constituição do Estado português e o Catecismo da Igreja Católica. 

A principal resulta de o Estado português ser uma República Democrática ao passo que a Igreja Católica é uma Monarquia Absoluta, na realidade, a única Monarquia Absoluta actualmente existente na Civilização Ocidental, com sede no Vaticano, e representada até há pouco tempo em Portugal por D. Manuel III.

Mas existem outras diferenças, que decorrem da anterior. A Constituição põe a liberdade acima da autoridade, ao passo que o Catecismo põe a autoridade acima da liberdade. É que no protestantismo cristão, que deu origem à democracia, é pela liberdade (de interpretação das Escrituras) que se chega a Deus, ao passo que no catolicismo chega-se a Deus pela autoridade (da Igreja na interpretação das Escrituras).

Quando tem de julgar um caso judicial em que estejam envolvidos estes dois valores, como é que o juiz Vaz Patto decide, pela doutrina do Estado democrático, que põe a liberdade acima da autoridade, ou pela doutrina da Igreja Católica, que põe a autoridade acima da liberdade?

Devia decidir pela doutrina do Estado democrático, que é quem lhe paga para ser juiz. Mas não. Ele decidiu pela doutrina da Igreja Católica, em que não se pode criticar a autoridade (no caso, de um político e distinto advogado, ainda por cima, Professor disto e daquilo: cf. aqui). Quem decidiu pela doutrina do Estado democrático foi o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (cf. aqui).

(Continua acolá)

50.000

 


A Decisão do TEDH (116)

 (Continuação daqui)





116. A justiça eclesiástica

O padre Mário Rui Pedras da paróquia de S. Nicolau em Lisboa, por sinal também confessor do presidente do Chega, André Ventura, foi indiciado pela Comissão Independente (CI) que investigou os abusos sexuais na Igreja como sendo pedófilo.

A Comissão Diocesana ordenou imediatamente a suspensão do padre e que se fizesse uma investigação.

A investigação está agora terminada, nada se encontrou de impróprio acerca do comportamento do padre Mário Rui Pedras, e ele pode agora retomar plenamente as suas funções.

Naturalmente, uma calúnia destas afecta a reputação de qualquer pessoa, mas afectará ainda mais a reputação de um padre. O padre Mário Rui Pedras está compreensivelmente indignado e num artigo publicado hoje no jornal i, desabafa toda a sua indignação.

Acerca da Comissão Diocesana diz o seguinte:

Quanto à Comissão Diocesana, o sacerdote não deixa nada por dizer, acusando-a de ter abdicado «do que lhe seria exigido perante uma denúncia sem qualquer verosimilhança e recomendou, de forma grave e negligente, que se fizesse uma investigação com o concomitante e ilegítimo afastamento do exercício público do ministério». E acrescenta: «A CD, porventura mais preocupada com a pressão mediática e a opinião pública do que com a justiça e a verdade, converteu a presunção de inocência na suspeição da culpa alegada»

Fonte: cf. aqui

A composição da Comissão Diocesana é a seguinte (ênfase meu):

José Adriano Machado Souto de Moura (coordenador)

Francisca Padez Vieira

Francisco Maria Correia de Oliveira Pereira

José Alberto Campos Braz

José António dos Santos

Margarida Maria Sancho da Silva Gonçalves Neto

Pedro Maria Godinho Vaz Patto

Rute Sandra Guerreiro Agulhas

Teresa Isabel de Almeida Figueiredo Canotilho

Vítor Viegas Cotovio

Assistente Espiritual: P. José Manuel Pereira de Almeida

Fonte: cf. aqui


Conclusão. No espaço de um só mês, o juiz Pedro Vaz Patto vê-se envolvido publicamente em dois casos consumados de calúnia sobre um inocente e ninguém o tira de lá. 

Aos meus protestos, o Patriarcado nem responde (cf. aqui).

A justiça eclesiástica está como a justiça civil. Não admira. Os protagonistas são os mesmos. 

(Continua acolá)

19 abril 2024

A Decisão do TEDH (115)

(Continuação daqui)



115. Ordem dos Advogados


Este é o email que recebi hoje da Bastonária da Ordem dos Advogados, através da sua secretária, em resposta ao email que lhe enviei recentemente (cf. aqui).


Exmo. Senhor
Prof. Dr. Pedro Arroja,

Incumbe-me a Senhora Bastonária da Ordem dos Advogados, Dra. Fernanda de Almeida Pinheiro, de assinalar e agradecer o email infra e de informar V. Exa. que a Ordem dos Advogados não presta aconselhamento jurídico porque esse é um ato próprio de advogado, pelo que, caso queira obter informações sobre reação judicial ou disciplinar deverá consultar um advogado para o efeito.

Com os melhores cumprimentos,
(...)

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (114)

 (Continuação daqui)

Composição do Tribunal Constitucional em Abril de 2023 (Fonte: cf. aqui)


114. A descredibilização da justiça

Se não estivesse em vigor aquela "jurisprudência de cordel" do Tribunal Constitucional (cf. aqui), segundo a qual só eram recorríveis para o Supremo as condenações inovadoras na Relação que implicassem penas de prisão iguais ou superiores a um ano - que não era o meu caso, que estava condenado em pena de multa -, é praticamente certo que o caso tinha morrido no Supremo, com este Tribunal a revogar o acórdão da Relação do Porto.

A razão é que, por essa altura (2020-21), o Supremo já tinha produzido vários acórdãos seguindo a jurisprudência do TEDH, afirmando que os tribunais portugueses estavam vinculados a segui-la e recomendando aos tribunais inferiores para a seguir (cf. aqui e aqui).

Na realidade, eu comecei por submeter o recurso ao Supremo, o qual me respondeu que não o podia apreciar por virtude da jurisprudência em vigor, emanada do Tribunal Constitucional.

E este é o ponto a que pretendia chegar - a sujeição do Supremo Tribunal de Justiça ao Tribunal Constitucional. O supremo tribunal do país deixou de ser o Supremo para passar a ser o Constitucional. E isso é uma tragédia para a justiça e para a democracia no país.

É que a maioria dos juízes do TC (sete em treze) não são juízes nenhuns, mas mandatários dos partidos, sobretudo do PS e do PSD. Quando estes partidos governam com o apoio de partidos mais pequenos, toleram que estes indiquem um "juiz" para o Constitucional. Assim, Fátima Mata-Mouros, representando o CDS, foi para o TC quando este partido apoiou o PSD de Passos Coelhos. No governo da geringonça, Clara Sottomayor (que, entretanto se demitiu) foi para o TC em representação do BE e Mariana Canotilho ainda lá está em representação do PCP.

Mariana Canotilho (cf. aqui) é aliás, representativa da maioria dos seus colegas, que não são juízes nenhuns, e que se tornam "juízes" do mais alto tribunal do país sem nunca terem feito um julgamento. São mandatários dos partidos. E, mesmo entre os seis membros do TC que são juízes, são raros aqueles que são juízes do Supremo.

Quer dizer, no Tribunal que está no vértice do sistema judicial português, que faz jurisprudência a que todos os tribunais abaixo dele têm de obedecer, incluindo o Supremo, estão, em maioria, políticos disfarçados de juízes, e mesmo aqueles que são juízes são nomeados pelo poder político.

Esta é a receita certa para a politização da justiça. A politização do Tribunal Constitucional contamina todo o edifício judicial do país. Em breve, todos os tribunais estão a decidir com base em critérios políticos e não judiciais (como o meu caso é um exemplo claro). Os dois principais atributos de uma justiça democrática - a independência e a imparcialidade dos tribunais - desaparecem e, com elas, desaparece também a confiança dos cidadãos na justiça.

Não será preciso acrescentar que este é o estado - o da descredibilização da justiça - a que já chegámos no país.    

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (113)

 (Continuação daqui)



113. O prazer


Faz hoje um mês que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos publicou o acórdão

Almeida Arroja v. Portugal

Foi um dos meses mais felizes da minha vida.

O prazer de ter batido todos esses juristas de vão-de-escada (advogados, magistrados do MP, juízes), alguns deles politiqueiros da democracia, no seu próprio terreno - o do Direito, ainda por cima sobre o direito fundacional da democracia, como é o direito à liberdade de expressão - não tem descrição.

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (112)

 (Continuação daqui)

Composição do TC que aprovou o acórdão que restringia o direito constitucional ao recurso (a juíza Fátima Mata-Mouros, indicada pelo CDS, é a primeira à esquerda, sentada; e a juíza Maria José Rangel de Mesquita, indicada pelo PSD, a quem foi distribuído o meu processo, é a primeira em pé, à direita)


112. Marçanos da Judicatura


A seguir ao Ministério Público, o maior cancro institucional da democracia portuguesa é o Tribunal Constitucional.

É um tribunal político, a maioria dos seus "juízes" não são juízes nenhuns, mas representantes dos partidos, eleitos pela Assembleia da República por maioria de dois terços dos deputados. Como, ao longo da história da democracia portuguesa só o PS e o PSD fizeram esta maioria, é através do TC que estes dois partidos mantêm o sistema na mão.

Eu nunca tinha tido contacto directo com o Tribunal Constitucional. O primeiro contacto ocorreu no final de 2020, prolongou-se por 2021, e deixou-me de olhos esbugalhados, que era assim que eu ficava agora sempre que tinha contacto com uma nova instituição da justiça.

Eu fora absolvido do crime de difamação agravada ao Paulo Rangel na primeira instância, mas condenado no Tribunal da Relação do Porto. Usei, então, o direito ao recurso previsto na Constituição, para recorrer desta condenação para o Supremo afim de obter (ou não) a chamada dupla-conforme.

O Supremo respondeu-me que não podia atender o meu recurso, em virtude de uma jurisprudência que estava em vigor emanada do Tribunal Constitucional.   Segundo essa jurisprudência, só eram recorríveis para o Supremo as decisões que, tendo condenado inovadoramente o arguido na Relação, implicassem penas de prisão efectiva superiores a um ano. Como a minha condenação era em pena de multa, o meu caso não estava abrangido, e terminei condenado sem dupla-conforme.

Acabei a pagar 4794 euros ao Tribunal Constitucional (cf. aqui) por uma decisão sumária e dois acórdãos que me negaram o direito ao recurso. Este tipo de receita constitui receita própria do TC, em cima da dotação orçamental que o TC recebe do Estado, e serve para pagar despesas discricionárias deste Tribunal, como os célebres popós dos juízes (cf. aqui).  Escusado será dizer que existe um interesse económico em o TC complicar a interpretação da Constituição afim de produzir acórdãos que vende depois aos cidadãos a dois mil euros a peça.

Um Tribunal que fora criado para garantir os direitos constitucionais dos cidadãos acabava, afinal, a restringi-los. A Constituição diz que todos temos o direito ao recurso, sem qualquer restrição. O Tribunal Constitucional veio reescrever a Constituição e impôr restrições - esse direito só vale para condenações inovadoras na Relação que impliquem penas de prisão efectiva superiores a um ano.

Esta jurisprudência - chamemos-lhe assim - foi estabelecida no acórdão 595/2018 de que foi relatora a juíza Fátima Mata-Mouros, que é uma juíza de verdade. Acontece que a juíza Mata-Mouros até aí andava a despachar burlões para a prisão no Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, e agora via-se na posição de fazer jurisprudência sobre direitos constitucionais. Não podia dar bom resultado. 

Neste blogue, eu escrevi então uma longa série de posts com o título "Marçanos da Judicatura" (cf. aqui).

Julgo que tiveram alguma influência porque no final de 2021 uma Lei da Assembleia da República veio repôr o direito constitucional ao recurso na sua plenitude e acabar com a jurisprudência de cordel do Tribunal Constitucional (cf. aqui). 

(Continua acolá)

18 abril 2024

A Decisão do TEDH (111)

 (Continuação daqui)

O Papá Encarnação e o filho, o Encarnaçãozinho, durante o julgamento, na visão do cartoonista Fernando Arroja


111. O advogado que melhor fala calado


Do Papá Encarnação eu guardei na memória três atributos principais.

O primeiro era a generosidade com que a sua sociedade de advogados, que ostenta o nome de um falecido barão do PSD na sua designação social - a Miguel Veiga, Neiva Santos e Associados - facturava horas de assessoria jurídica à Câmara Municipal do Porto (cf. aqui).  Mas neste ponto, ele não era inovador, porque o seu cliente Paulo Rangel, à frente da multinacional Cuatrecasas, quando o  colega de ambos de partido, Rui Rio, era presidente da Câmara, facturava, de certeza, muito mais (cf. aqui).

O segundo eram os salamaleques com que ele se dirigia ao juiz,  Vossa Excelência para aqui, Meritíssimo Juiz para acolá,  a tal ponto que o juiz João Manuel Teixeira se devia sentir como uma donzela a quem um mancebo acaba de pedir namoro.

Estes dois atributos sempre me fizeram recordar um advogado que eu conheci, por acaso também de nome Adriano, no dia em que facturou Josefa Pistolas, a cunhada do célebre pistoleiro JPS, pelos seus serviços de assessoria jurídica - mas qualquer semelhança com o Papá Encarnação é pura coincidência (cf. aqui).

Finalmente, gosto de o recordar a fazer bolinhas no papel, no sentido inverso ao dos ponteiros do relógio, nos momentos mortos do julgamento (cf. aqui).

Já quanto ao filho, o advogado Ricardo Encarnação, também conhecido por Encarnaçãozinho, aquilo que eu mais apreciei nele foi a sua contenção.

Os advogados, e mais geralmente os juristas, são conhecidos por sofrerem de uma doença, que eles próprios já hoje reconhecem ter (cf. aqui), que é uma variante das doenças mentais, conhecida por verborreia ou diarreia mental.  

Pois o Encarnaçãozinho é uma excepção.

Durante o julgamento, que durou seis sessões  e se estendeu por quatro meses, sentado ao lado do pai, o Encarnaçãozinho nunca pronunciou palavra. Enquanto o pai fazia bolinhas mas só nos momentos mortos do julgamento, ele fez bonecos no papel durante todo o julgamento.

Logo na altura, ele tornou-se, para mim, um herói. É o advogado que melhor fala calado (cf. aqui). 

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (110)

 (Continuação daqui)



110. O Encarnaçãozinho


Na cultura protestante, como já referi, a liberdade é um valor sagrado porque é através da liberdade (de pensamento e de expressão) que se chega à Verdade. Ora, a Verdade implica por vezes desmascarar farsantes, pessoas que gostam de aumentar a sua própria importância, fazendo-se passar por aquilo que não são.

Um dos episódios mais interessantes a este respeito, durante o meu processo judicial, teve precisamente no centro o nosso actual Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, e começou logo na sessão de abertura de instrução.

A juíza de instrução Catarina Ribeiro de Almeida parecia mais interessada em cumprir algum compromisso que tinha (provavelmente no cabeleireiro) do que em fazer o seu trabalho, e logo que terminou a minha sessão e ia começar a seguinte, ela ralhou com o pessoal do tribunal que lhe tinha marcado tanto trabalho para aquela manhã. 

A verdade é que a minha sessão tinha demorado mais do que o previsto. A meio da sessão foi a altura de falar o jovem advogado Ricardo Encarnação, que eu conhecera momentos antes, à entrada para a sala de audiências, e que mais tarde, depois de conhecer o pai, eu viria a baptizar com o carinhoso nome de Encarnaçãozinho.

Pois o Encarnaçãozinho começou para ali a falar do Professor Paulo Rangel para aqui e para acolá, Professor nesta Universidade e mais naquela, que escrevia livros e artigos em revistas muitos conceituadas, ao passo que o Dr. Pedro Arroja escrevia em jornais e em blogues...

Comecei a ver onde é que o Encarnaçãozinho queria chegar.

Nem lhe dei mais tempo. Sem pedir licença a ninguém, interrompi-o e - ao ponto de mais tarde a minha advogada me repreender - desanquei-o, a ele e ao "Professor" Paulo Rangel, que não era Professor coisa nenhuma, mas um mero licenciado. Doutorado, um verdadeiro Professor, era eu! (cf. aqui).

Julgo que ele terá ido fazer queixas ao pai e o Papá Encarnação nunca mais me perdoou ter ido aos fagotes do filho. Certo é que, mais tarde, durante todo o julgamento, que durou quatro meses, o Encarnaçãozinho nunca mais abriu a boca. Terá compreendido que isto era para homens e não para miúdos.

Durante o julgamento foi o Papá Encarnação que voltou ao tema, que o Professor Paulo Rangel dava aulas na Universidade Católica e na Oporto Business School, escrevia coisas muito importantes aqui e acolá, ao passo que, quando se referia ao Dr. Pedro Arroja, ...

A partir daqui do blogue, e quando já toda a gente no julgamento lia o blogue, eu comecei literalmente a gozar com o Papá Encarnação e com o "Professor" Paulo Rangel, que ele não era Professor coisa nenhuma, mas um simples licenciado, um mero assistente universitário. Professor era eu!

Engraçado é que, depois, o Papá Encarnação conversava as testemunhas para irem para o tribunal responder àquilo que eu escrevia no blogue. E foi ver testemunhas, umas atrás das outras, a desfilar no sentido de convencerem o juiz que o "Professor" Paulo Rangel era um verdadeiro Professor universitário, e não um farsante.

O resultado foi este: cf. aqui.

Quer dizer, resumindo a história, o Professor Paulo Rangel não se tinha doutorado por um triz, ele não era um verdadeiro Professor por uma unha negra.

E, como se isso não bastasse, no fim veio o Paulo Mota Pinto que, sem se aperceber da farsa, estragou tudo: cf. aqui aqui.

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (109)

 (Continuação daqui)


Se há lema enganoso nas instituições portuguesas é o do Ministério Público. Ele não está lá para defender a democracia, está lá para acabar com ela. O lema é uma impostura



109. O choque de culturas

Este processo judicial serviu-me para cimentar algumas conclusões que já tinha acerca do nosso sistema de justiça e para chegar a outras. Gostaria aqui de aflorar duas delas, talvez as mais importantes.

A primeira é que o principal problema da democracia portuguesa está na Justiça, uma certeza que eu já tinha há muito e em que tenho sido acompanhado pelo Joaquim neste blogue (cf. aqui) e também pelo António Barreto nos seus artigos do Público (cf. aqui). 

De uma maneira geral, este problema pode descrever-se como um problema de cultura. Nós continuamos a fazer justiça segundo a nossa tradição autoritária, acusatória e inquisitorial, a qual choca de frente com as exigências de uma justiça democrática. A democracia em Portugal vai fazer 50 anos, mas a justiça - refiro-me aqui sobretudo à justiça penal - ainda vive na Idade Média ou nos alvores da Modernidade.

Dentre os problemas institucionais da justiça portuguesa, o grande cancro é o Ministério Público, e não ajuda nada à própria judicatura que muitos juízes venham da carreira do Ministério Público com uma cultura acusatória e inquisitorial.

O Ministério Público sucedeu  em 1832 à Inquisição que tinha sido extinta em 1821, depois da Revolução Liberal. Foi o Marquês de Pombal, umas décadas antes, que tinha posto a Inquisição ao serviço do Estado, tirando-a do domínio da Igreja, onde ela nascera e onde durante séculos permaneceu. 

A Inquisição foi criada pela Igreja para perseguir os hereges, aqueles que divergiam da autoridade eclesiástica, isto é, a Inquisição foi criada para perseguir a liberdade de expressão. No seu auge, a partir do século XVI, acabaria sobretudo a lutar contra o protestantismo e o judaísmo, e contra a democracia nascente na cultura protestante do norte da Europa.

A decisão do TEDH no acórdão Almeida Arroja v. Portugal  em comparação com a decisão dos tribunais portugueses ilustra na perfeição este choque de culturas judiciais, entre a cultura democrática e a cultura inquisitorial.

No processo que conduziu à minha condenação nos tribunais nacionais estiveram envolvidos pelo menos dez magistrados, cinco do MP e outros tantos juízes. Todos eles, com uma única excepção - a juíza Paula Guerreiro do TRP - quiseram calar o herege. No TEDH, pelo contrário, sete juízes em unanimidade acharam que o herege não devia ser calado.

Durante todo este tempo, escrevi muitas vezes neste blogue que o Ministério Público iria destruir a democracia em Portugal, e cheguei mesmo a escrever uma série de posts com o título "Como morre uma democracia?", descrevendo o processo que a esse resultado conduz (cf. aqui).

O processo está em marcha como revelam conclusivamente as mais recentes notícias acerca da acção do Ministério Público na Operação Influencer (cf. aqui), que deitou abaixo um governo democrático de maioria absoluta e que, pouco tempo depois, deitaria abaixo também o governo regional da Madeira.  

Não estou nada certo que ainda estejamos a tempo de parar este processo. Estou muito mais convencido que um dia apareça por aí um líder autocrático e forte que, entre outras coisas, ponha o Ministério Público na ordem. Quase metade dos portugueses já suspiram por ele (cf. aqui).

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (108)

 (Continuação daqui)



108. Um grande bando de ladrões


"Um Estado que não se reja pela justiça converte-se num grande bando de ladrões".

Esta frase de S. Agostinho, retirada do seu livro "A Cidade de Deus" e que o teólogo Joseph Ratzinger recuperou para a actualidade (cf. aqui), tem um imenso significado no processo judicial que me envolve e que foi objecto da decisão do TEDH.

Trata-se de uma conversa entre um pirata e o imperador em que o pirata faz sentir ao imperador que só existe uma diferença entre eles. O pirata rouba, sob a ameaça da força, ao comando de um bando de ladrões. O imperador também tem em seu poder a ameaça da força (do Estado). Aquilo que o impede de roubar é a justiça. No dia em que a justiça desaparecer do Estado, o imperador passa a ser igual ao pirata, passa a comandar um grande bando de ladrões.

Vai fazer nove anos que fiz o comentário no Porto Canal que deu origem a este processo. Estou agora a contratar o terceiro advogado para, nos termos da decisão do TEDH, reabrir o processo junto do tribunal que me condenou - o Tribunal da Relação do Porto - para pedir a minha absolvição de crimes que não cometi e ser ressarcido de tudo o que indevidamente paguei.

E não foi nada pouco. Para além dos advogados, paguei sete mil euros de multa ao Estado, dez mil mais juros ao Paulo Rangel, cinco mil mais juros à Cuatrecasas, milhares de euros em custas judiciais, dos quais quase cinco mil ao Tribunal Constitucional para me negar um direito constitucional.

O TEDH veio agora dizer que nada disto era devido, que eu não cometi crime nenhum, apenas fiz uso do direito democrático à liberdade de expressão, que tudo isto é uma injustiça, que toda esta gente enriqueceu à minha custa, que eu fui extorquido.

O pirata tinha razão: "Um Estado que não se reja pela justiça converte-se num grande bando de ladrões".   

Existe uma curiosidade. Nenhum deles é pirata, são todos juristas.

(Continua acolá)

16 abril 2024

A Decisão do TEDH (107)

 (Continuação daqui)

Universidade Católica do Porto, a alma mater do Gangue da Católica


107. O Gangue da Católica


Ao longo da minha vida eu fui convidado para dar palestras e conferências praticamente em todas as universidades do país. Eu era tido como um economista liberal, uma espécie que não existia em Portugal. 

Na Católica do Porto havia um colega universitário que, às vezes, me convidava para ir dar palestras às suas turmas de Direito. Uma das vezes,  acrescentou: "Como deve saber, tem uma grande adversidade por aqui".

Nunca dei importância a isso porque não há quem goste mais de um debate intelectual do que eu. Mas, durante o meu julgamento no Tribunal de Matosinhos, a certa altura dei-me conta que, entre os membros da Armada (cf. aqui), a grande maioria vinham de Direito da Universidade Católica do Porto.

E foi com um certo entusiasmo, que era tudo aquilo que eu tinha para me defender na altura, que neste blogue escrevi uma série de posts com o título "O Gangue da Católica" (cf. aqui).

Nas alegações finais, o magistrado X começou por fazer uma "declaração de interesses", dizendo que, quando era estudante de Direito, era um assíduo leitor meu nos jornais onde escrevia (comecei por escrever nos jornais Vida Económica e JN, ambos do Porto) (cf. aqui).

Seria ele também membro do Gangue da Católica?

Ainda hoje não sei, mas desconfio seriamente que sim.

Estou menos convicto acerca do juiz de primeira instância, João Manuel Teixeira, mas desconfio igualmente que sim.  

Mas, a maior surpresa ainda estava para vir. Quando o processo subiu ao Tribunal da Relação do Porto, não só a condenação de primeira instância foi confirmada, como foi mesmo agravada.  

O juiz relator da decisão final foi o juiz Pedro Vaz Patto que - imagine-se -, por acaso também é membro do Gangue da Católica (cf. aqui).

Tantos juristas eminentes pertencentes ao Gangue da Católica, a lutarem contra mim no seu próprio terreno - o Direito. Mas, no fim, quem ganhou o processo fui eu, que nem sequer sou jurista. 

Que humilhação!  


(Continua acolá)

15 abril 2024

A Decisão do TEDH (106)

 (Continuação daqui)



106. Paz à sua alma


O acórdão Almeida Arroja v. Portugal do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos jaz agora no Cemitério dos Acórdãos do Ministério Público (cf. aqui).

Paz à sua alma.

Em lugar de servir para o Ministério Público divulgar activamente o seu conteúdo (começando por o traduzir para português (*)), fazer mea culpa e penalizar os magistrados que criminosamente acusaram um inocente (os principais são: António Prado e Castro, António Vasco Guimarães e José Manuel Ferreira da Rocha), não, vai ficar ali a jazer à espera que de vez em quando alguma alma caridosa lá vá colocar flores. 

(*) Nem sequer uma tradução, mesmo sabendo que a cultura jurídica do país, sendo uma cultura provinciana, a maior parte dos juristas em Portugal não fala uma segunda língua. E, depois, seria uma vergonha, como é que uns tantos distintíssimos magistrados do Ministério Público e mais uns quantos meritíssimos  juízes, apontam um criminoso que, afinal, não cometeu crime nenhum?


(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (105)

 (Continuação daqui)

Casa de Saúde da Boavista, Porto


105. A Cuatrecasas tinha o MP na mão


Na madrugada de 15 de Março de 2019 quando, na sala de recobro da Casa de Saúde da Boavista, no Porto, acordei depois de quase 24 horas anestesiado para uma cirurgia às coronárias, a decisão de me condenar no Tribunal da Relação do Porto já tinha sido tomada no dia 13, mas eu só a conheceria a 27, quando foi tornada pública.

Lembro-me que a minha preocupação quando acordei era a mesma com que tinha adormecido - se, no caso de morrer, tinha deixado alguma coisa por fazer.

Dias depois, quando tive acesso ao computador e ao blogue, exprimi num post que só teria deixado uma coisa por fazer, na realidade, uma coisa por dizer. O post tinha o sugestivo título  "Só uma" (cf. aqui.)

Na altura, exprimi-me  de forma suave, não só porque as forças não abundavam em mim, mas também porque ainda tinha fortes esperanças de que se fizesse justiça no TRP. Hoje, posso exprimir-me de forma mais crua. 

Se tivesse morrido durante a cirurgia, aquilo que eu tinha deixado por dizer era a convicção de que:

A Cuatrecasas tinha o Ministério Público na mão


(Continua acolá)

 

A Decisão do TEDH (104)

 (Continuação daqui)



104. Os melhores magistrados do mundo

Todo o meu processo judicial nos tribunais portugueses decorreu tendo a magistrada Francisca van Dunem a ministra da Justiça. Enquanto o governo socialista, a partir do Ministério da Saúde, boicotava a obra do Joãozinho, no Tribunal da Relação do Porto, o meu processo judicial era distribuído a uma secção presidida por um juiz que era colega de profissão da ministra - ela magistrada do MP, ele magistrado judicial - e também colega de partido (cf. aqui).

Todo aquele mantra do ex-primeiro-ministro António Costa segundo o qual "À justiça o que é da justiça, à política o que é da política" era desmentido na sua própria ministra da Justiça. E também no juiz Francisco Marcolino, antigo candidato do PS à Câmara de Bragança.

Francisca van Dunem era  procuradora-geral adjunta, o lugar mais alto da magistratura do Ministério Público, e agora agora desempenhava funções políticas como ministra da Justiça. Esta promiscuidade entre a justiça e a política como que prenunciava aquilo que viria a acontecer ao primeiro-ministro António Costa anos mais tarde - a de ser posto fora do seu lugar político por acção de agentes da justiça, e muito concretamente de procuradores do Ministério Público.

A decisão do TEDH no acórdão Almeida Arroja v. Portugal é arrasadora para a magistratura portuguesa, quer a do Ministério Público, quer a judicial. E também para a advocacia nacional que desencadeou este processo através de um conhecido advogado e de uma grande sociedade de advogados.

Durante estes anos, o que é que a ministra van Dunem teria a dizer sobre os magistrados portugueses?

-Que eles eram os melhores magistrados do mundo.

Ainda a frase ecoava na comunicação social quando o TEDH publicou um acórdão em que arrasou a investigação que, anos antes, o Ministério Público tinha feito ao caso da Praia do Meco, em que morreram vários estudantes universitários (cf. aqui). Na altura, a chefe do Ministério Público para a região de Lisboa era precisamente a ministra van Dunem que, não só louvou o trabalho do magistrado sob a sua hierarquia que conduziu a investigação  (Joaquim Moreira da Silva), como consentiu que este pusesse um processo judicial contra os pais de um dos estudantes, que haviam criticado a investigação e que acabaram condenados por difamação .  

Pouco tempo antes, na abertura do ano judicial, essa cerimónia corporativa e medieval onde se junta a nova classe de padres laicos fardados de toga - juízes, magistrados do Ministério Público e advogados - a ministra van Dunem viria a produzir a célebre afirmação de que Portugal tem os melhores magistrados do mundo (e advogados também) (cf. aqui).

E tem. Por isso merecem ganhar muito, os mais altos vencimentos da função pública. Numa série de posts com o título "Ou talvez não" (cf. aqui), mostrei como a ministra da Justiça procurou fazer justiça à sua corporação, empenhando-se em aumentar substancialmente os vencimentos dos magistrados, sobretudo os do topo da carreira, onde ela própria se encontrava.

O processo decorreu assim. Logo depois de ser nomeada ministra, o CSM promoveu-a a juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça, cargo que nunca viria a desempenhar. Em troca, a ministra mexeu os cordelinhos no governo para aumentar os vencimentos dos magistrados, com ênfase nos juízes conselheiros, uma classe que incluía os membros do CSM e ela também. Quando abandonou o lugar de ministra, nunca pôs o pé no Supremo, porque o CSM deferiu-lhe imediatamente o pedido de aposentação. Nunca chegou a fazer um julgamento, mas reformou-se com a categoria e o vencimento de juíza conselheira. 

Nada que não seja merecido pelos melhores magistrados do mundo. Como o TEDH veio agora comprovar.

(Continua acolá)