(Continuação daqui)
393. Os incompetentes e os criminosos
Como referi no post anterior, o caso da jornalista Tânia Laranjo e da CMTV (cf. aqui) é o caso típico ou padrão submetido ao TEDH ao abrigo do artº 10º da CEDH, relativo à liberdade de expressão, o caso envolvendo um jornalismo particularmente agressivo ou intrusivo. Estes casos são resolvidos rotineiramente por um Comité de três juízes.
O que é que terá levado o TEDH a considerar o caso Almeida Arroja v. Portugal um caso especial ou caso de impacto de modo a ser decidido por uma Câmara de sete juízes?
Naturalmente, só posso especular acerca da resposta. Na minha opinião, foram os seguintes quatro factores por ordem crescente da sua importância.
1) Comentador televisivo. O autor das declarações alegadamente ofensivas não era um jornalista, mas um universitário e comentador televisivo que se aproveitou desta condição para trazer a público uma situação de corrupção sobre uma obra mecenática de interesse público que ele próprio dirigia.
2) Cuatrecasas. É estranho que um dos queixosos no processo-crime fosse uma grande sociedade de advogados que há-de levar ao TEDH muitos casos em nome dos seus clientes, que há-de conhecer perfeitamente a jurisprudência do TEDH e que devia saber que, em última instância, o TEDH nunca daria razão à sua causa, como veio a acontecer.
A razão para esta estranheza, para quem conhece a realidade jurídica portuguesa, é fácil de explicar. As sociedades de advogados em Portugal possuem um estatuto que lhes permite também actuar como verdadeiras corporações de criminosos, e a Cuatrecasas actuou neste caso nesta segunda condição.
Quem quiser destruir a reputação ou arruinar a vida de uma pessoa, em lugar de contratar um bando de jagunços, deve empregar a Cuatrecasas porque ela faz o mesmo trabalho mas de forma legal - como o meu caso e o do Guardião do Tejo (cf. aqui) exemplificam na perfeição. Quem quiser fugir aos impostos, branquear dinheiro, financiar ilicitamente um partido, ou qualquer outra coisa do género, deve procurar a Cuatrecasas porque ela faz tudo isso chave-na-mão, já com os juízes e os magistrados do MP devidamente falados (cf. aqui).
Quando o magistrado espanhol José Grinda perguntou numa reunião internacional de magistrados por que é que a Cuatrecasas aparecia sempre a defender a máfia russa (cf. aqui), nunca ninguém lhe respondeu, mas eu vou dar a resposta. É que a Cuatrecasas é uma instituição irmã da máfia, com a única diferença que faz tudo de forma legal. Nasceu num país católico ou latino como a máfia, está sujeita a um estrito código de silêncio ou omertà como a máfia (cf. aqui), é uma organização multinacional como a máfia, infiltra-se em todas as instituições da sociedade como a máfia (cf. aqui).
E, tal como a máfia, é ávida por dinheiro. Depois de tudo o que fez, cometendo sobre um cidadão inocente os crimes de calúnia e extorsão, a Cuatrecasas ainda enriqueceu com a indemnização que ele lhe pagou e da qual será o Estado a ressarcir-lo. A Cuatrecasas é mais um exemplo que confirma a tese que tenho vindo a defender neste blogue (cf. aqui), a saber, que o sector da justiça é o único sector da vida pública portuguesa em que os incompetentes e os criminosos, em lugar de serem punidos, são promovidos (neste caso, economicamente)
3) Voto de vencida. É muito estranho que apesar do assertivo voto de vencida da juíza Paula Guerreiro alertando os seus colegas Vaz Patto e Francisco Marcolino para o facto de Portugal já ter sido condenado muitas vezes por casos como este no TEDH - como, na realidade, voltou a acontecer -, eles tenham ido para a frente com a condenação no Tribunal da Relação do Porto.
A explicação para esta estranheza é simples. Estavam falados, a troco de quê não sei ao certo, talvez uma promoção, como já aconteceu com um deles (cf. aqui), ou de mais uns dinheiros do Governo da geringonça para a Associação de que o outro é presidente da Assembleia Geral (cf. aqui).
4) Perseguição pessoal e política. Chegamos ao factor principal. Os juízes do TEDH intuíram perfeitamente que este era um caso de utilização da justiça penal para efeitos de perseguição pessoal e política. Manifestam essa convicção em dois momentos cruciais do acórdão:
(i) Quando dizem que os queixosos tinham ao seu dispôr o processo cível para se ressarcirem dos danos que eventualmente tivessem sido causados à sua reputação, não se compreendendo por que é que recorreram ao processo penal.
(ii) Quando invocam as resoluções da ONU e do Conselho da Europa a recomendar aos Estados membros a descriminalização da difamação porque é por esta via que os governos anti-democráticos perseguem as pessoas de quem não gostam.