06 novembro 2024

A Decisão do TEDH (390)

 (Continuação daqui)




390. Critérios de meritocracia

Nem mesmo o Correio da Manhã (CM), conhecido pelo seu jornalismo intrépido, ousa identificar os magistrados intervenientes no processo que ontem culminou na decisão do TEDH em que o próprio CM está envolvido (cf. aqui).

Deduz-se do acórdão do TEDH (cf. aqui) que tudo aconteceu no DCIAP durante o interrogatório ao ex-ministro Miguel Macedo no processo Vistos Gold, o qual foi filmado. A jornalista Tânia Laranjo teve acesso às imagens que publicou na CMTV. Miguel Macedo queixou-se de violação dos seus direitos à vida privada e à presunção de inocência. O processo passou pelo Tribunal Criminal de Lisboa, pelo Tribunal da Relação de Lisboa e chegou até ao Supremo. A jornalista acabou condenada pelo crime de desobediência e ao pagamento de uma multa de 880 euros e a CMTV a indemnizar Miguel Macedo em 35 mil euros.

O TEDH veio agora dizer que a Tânia Laranjo e a CMTV apenas exerceram o seu direito à liberdade de expressão. A advogada já anunciou que, com base na decisão do TEDH, vai pedir a reabertura do processo de modo a descondenar a Tânia Laranjo, e a ver ressarcida pelo Estado a CMTV do montante que pagou ao Miguel Macedo.

A pergunta é esta: Quem são os juízes e os magistrados do Ministério Público que, por incompetência ou outra razão qualquer, acusaram e condenaram indevidamente a Tânia Laranjo e a CMTV?

A questão é do máximo interesse público. Acusar e condenar indevidamente uma pessoa é crime (calúnia); obrigá-la a pagar multas ou indemnizações que não são devidas, sob a ameaça da força (do Estado), também é crime (extorsão). Além disso, vão ser os contribuintes a ressarcir a Tânia Laranjo e a CMTV pelos danos patrimoniais causados pelos magistrados.

Divulgar publicamente os nomes dos magistrados envolvidos é a sanção mínima que se pode pedir para eles,  já que o Conselho Superior da Magistratura vai dizer - como me disse a mim (cf. aqui) - que condenar inocentes é parte da liberdade de julgamento que assiste aos juízes, como se os médicos também tivessem liberdade para matar os seus doentes, os motoristas para conduzirem autocarros pelas ribanceiras abaixo, ou os pilotos para espetarem os aviões no solo.

Ninguém sabe quem são os magistrados, e os jornalistas são cúmplices deste encobrimento. Às tantas ainda vão ser promovidos, como aconteceu no caso Almeida Arroja v. Portugal em que um dos juízes que me condenou no Tribunal da Relação do Porto foi depois promovido ao Supremo (cf. aqui) e o outro encontra-se na calha para a promoção. 

A justiça parece ser  o único sector da vida pública portuguesa onde os incompetentes e os  criminosos, em lugar de serem punidos, são promovidos.

Existe uma excepção nesta nuvem de ignorância acerca dos magistrados envolvidos no caso da Tânia Laranjo e da CMTV que até um leigo como eu consegue identificar. Os acontecimentos passam-se no DCIAP em 2015 durante os interrogatórios da Operação Vistos Gold. Desta operação saíram do DCIAP acusações criminais contra vários arguidos, como o então ministro Miguel Macedo e o director do SEF, Manuel Jarmela Palos que chegou a estar preso preventivamente. As acusações do DCIAP  em relação a estes dois arguidos eram falsas e foram arrasadas pelo colectivo de juízes que julgou o caso,  e os absolveu (cf. aqui). 

O DCIAP é uma estrutura hierárquica do Ministério Público e o seu director é o último responsável por aquilo que lá se faz. A pergunta que ocorre é a seguinte: Quem era o director do DCIAP em 2015, que acusou falsamente estes cidadãos inocentes (crime de calúnia) e pediu a prisão preventiva para um deles (crime de sequestro), e esteve na origem de mais esta condenação de Portugal no TEDH?

Resposta: O magistrado Amadeu Guerra.

Quer dizer, o magistrado Amadeu Guerra, em lugar de estar a responder pelos crimes de calúnia e sequestro nos caso Vistos Gold e a indemnizar o Estado pelo montante que este vai ser obrigado a ressarcir a Tânia Laranjo e a CMTV, foi entretanto promovido a Procurador Geral da República (cf. aqui). 

Confirma-se. O sector da justiça em Portugal é o único em que um incompetente ou um criminoso, em lugar de ser punido, é promovido. 

Alguém acredita que o Ministério Público em particular, e a Justiça em geral, vão melhorar com estes critérios de meritocracia?

Eu não.

A Decisão do TEDH (389)

 (Continuação daqui)




389. Seis em menos de um ano

O acórdão do TEDH Almeida Arroja v. Portugal , de 19 de Março, foi apenas a primeira condenação de Portugal este ano por violação do direito à liberdade de expressão.

Ontem, ocorreu a sexta num caso envolvendo a jornalista Tânia Laranjo e a CMTV (cf. aqui e aqui).

Seis condenações em menos de um ano por violação do direito fundacional da democracia - como é o direito à liberdade de expressão - não devem surpreender quando se pensa que, no seio da civilização ocidental e cristã, Portugal, juntamente com a Espanha, foram os campeões da promoção da Lei da Rolha, sobretudo através da Inquisição (hoje, Ministério Público).

É um forte indício de que a cultura portuguesa é uma cultura muito democrática.

A surpresa deve ser ainda menor quando se pensa que estas condenações em série têm origem no sector da justiça que é o mais fechado, provinciano, pomposo, medieval, corrupto e anti-democrático de todos os sectores da vida pública portuguesa. 

(Continua acolá)

01 novembro 2024

O DIA MAIS NEGRO

 


Pintura a óleo de João Glama Ströberle, que testemunhou o terramoto de 1755


O DIA MAIS NEGRO

 

Completam-se hoje 269 anos sobre um dos dias mais negros da história de Portugal, o dia do terramoto de Lisboa de 1755. Foi num dia de Todos-os-Santos, pelas 9:30 de uma manhã de sábado, quando a terra começou a abalar de forma tenebrosa, seguindo-se quase de imediato um maremoto (tsunami) e, mais tarde, incêndios devastadores. Acabou por ser o dia de Todos-os-Demónios.

 

O terramoto foi sentido por toda a Europa e norte de África e, pela sua magnitude, suscitou acesas polémicas filosóficas e inspirou Voltaire a escrever o “Pòeme sur le Désastre de Lisbonne” (1756) e mais tarde o famoso romance Candide (1759).

 

Lisboa tinha na altura cerca de 200.000 habitantes e estima-se que tenham perecido 5 a 10%. O espectáculo dantesco do “desastre de Lisboa”, como lhe chamou Voltaire, resultou da combinação dos abalos, com o tsunami e os incêndios; como era dia de Todos-os-Santos, as Igrejas estavam repletas e as velas acesas terão contribuído para atear os fogos.

 

Quem sobrevive a um evento desta natureza fica marcado para o resto da vida e passa esse estigma à descendência: esta vida não vale nada, nunca se sabe o que pode acontecer, tudo acaba num instante, não te esforces demasiado que não vale a pena.

 

Estas frases da cultura portuguesa são actuais e têm a mesma força depressiva dos abalos de há 269 anos. Terão as suas raízes no desastre de Lisboa? Eu penso que sim. Talvez seja essa a causa de sermos um País curtoprazista e avesso ao risco. Arriscar para quê? A morte é certa!

 

Mas é verosímil que decorrido tanto tempo ainda estejamos a sofrer de uma espécie de PTDS cultural colectiva, psicológica ou até epigenética?

 

Basta pensar em eventos passados, como os Descobrimentos Portugueses, a Independência dos EUA (1776), a Revolução Francesa (1789) e as guerras Napoleónicas (1803 a 1815), para perceber que esses acontecimentos se tornam “hereditários” e continuam a marcar os povos e a caracterizar as nações.

 

Acresce que depois dos abalos geológicos Portugal sofreu outro abalo profundo, social e político, com a desgovernação desse facínora sem escrúpulos, assassino e ladrão, chamado Sebastião de Carvalho e Melo, de 1756 a 1777.

 

O Sebastião intuiu de imediato as vantagens que se poderiam retirar do terramoto, como explicou no seu opúsculo: “As Vantagens que o Rei de Portugal Pode Obter do Terramoto de 1755”. Quem mais beneficiou, porém, foi ele próprio que se tornou no político mais opulento da Europa.

 

A centralização do poder do Estado, a “nacionalização da Inquisição”, o absolutismo real e o terror, atiraram sal para as feridas do terramoto. Citando Voltaire: ‹‹depois da tragédia veio o terror››.

 

Amedrontados, os portugueses sucumbiram ao pombalismo e passaram a ver o Estado como o patriarca redentor que nos pode proteger de catástrofes. A admiração pelo sacana do Sebastião é um caso claro da síndrome de Estocolmo.

 

Como é que podemos apagar da memória esse dia negro de 1755? Não podemos, nem devemos; é bom ter consciência de que tragédias podem ocorrer a qualquer momento e quando menos se espera, para não reagirmos como zombies.

 

De todas as “grandes tribulações” clássicas, a Morte, a Guerra, a Fome e a Peste, neste dia 1 de Novembro de 2024, quando se fala com banalidade de uma possível WWIII, pensemos nas guerras que estão a decorrer e que vão estigmatizar todas as populações afectadas. Um milhão de mortos na Ucrânia (50* o número de vítimas do terramoto de 1755) e 40.000 mortos na Palestina (talvez o dobro do terramoto).

 

O Sebastião aproveitou-se do terramoto para enriquecer, como energúmeno que era. Diferente, porém são as catástrofes que resultam da ação deliberada e premeditada de líderes gananciosos e sem escrúpulos que desencadeiam guerras para enriquecer à custa de milhões de vidas humanas.

 

Camilo Castelo Branco apelidou o Sebastião de “Nero da Trafaria” pelo massacre que perpetrou na Trafaria, em 23 de Fevereiro de 1777, onde morreram incineradas cerca de 5000 pessoas. Atravessamos, porém, uma época em que as vítimas dos gangues que se apoderaram dos governos se contam por milhões e não milhares.

 

Neste aniversário de um evento que marcou gerações de portugueses, pensemos em superar o estigma das catástrofes naturais e a desgovernação dos “ditadores iluminados” e condenemos com veemência as catástrofes que podem ser evitadas pela via diplomática.

 

O desastre de Lisboa pode servir de lição e, por ser bem real, tem mais relevância do que qualquer disciplina de cidadania.

30 outubro 2024

UMA IDEIA NEGRA




Há ideias tão completamente desligadas da realidade que ou são oximorónicas ou  fruto de uma directa com a Maria Joana e o Smirnoff. No ranking dessas ideias, o Óscar pertence de direito a quem primeiro pensou em formar um Partido Libertário em Portugal, um dos países mais colectivistas do mundo.

Penso que sei do que estou a falar porque sou presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação Pró-Partido Libertário, uma agremiação de chalados que se reúne uma vez por ano em Pombal, para petiscar e gritar que “IMPOSTO É ROUBO”.

 

Como chalado-mor presido, sempre que posso, às reuniões, deslocando-me a essa cidade macambúzia, degustando o prato do dia e escutando depois as deambulações pós-prandiais de alguns panfletários que consideram Rothbard como a segunda encarnação do Salvador – imposto é roubo; reverberamos em uníssono e com acenos de cabeça.

 

O nosso presidente da direção, líder do executivo, bota faladura e apresenta o seu programa de legislatura (tosse, tosse) para o futuro Partido libertário – 50% de corte nas receitas do Estado e 50% de corte nas despesas.

 

Numa das reuniões, um correligionário chegou a considerar este programa como genial, argumentando que todas as pessoas gostam de descontos.

 

O problema é que, numa congregação de libertários cada um tem a sua opinião e programa e portanto nunca se chega (felizmente) a um consenso. Daí a quase impossibilidade de formar um partido libertário. A propósito, conta-se que o próprio Rothbard terá tido um ataque de riso quando o convidaram para presidir a um partido libertário.

 

Claro que a ideia dos 50% não tem nada de libertária porque se imposto é roubo, não deixa de o ser a meio-pau.

 

O mal-estar foi-se instalando nos últimos meses, surgiram acusações e insultos, cortes de relações, censura nas redes sociais e a acusação mais vil que se pode fazer a um libertário:


— Não passas de um socialista!

 

Vil, mas pouco original porque já o Mises acusou o Hayek e o Friedman de serem socialistas encapotados, numa célebre reunião da Sociedade Mont Pelerin.

 

Chegados a este ponto, pergunto-me:

 

— Não viram logo de início os escolhos de formar um partido libertário?

 

Parece-me interessante ter uma associação libertária, uma espécie de “Think Tank”, para analisar ideias e doutrinas. Na questão do partido é que a porca torce o rabo porque quem não acredita no Estado é que vai apresentar um programa de governo?

 

Seria como se uma associação de ateus se propusesse formar uma Igreja.

 

— Mas nós não acreditamos em Deus – diria o advogado do Diabo.

 

— Podem entrar agnósticos, sempre têm 50% de fé em Deus.

 

‹‹Don’t Bogart that joint, my friend. Pass it over to me…›› ‹‹Roll another one, just like the last one…››


Sobra apenas uma função coerente para um eventual partido libertário: “A DEFESA INTRANSIGENTE DOS DIREITOS NATURAIS” e a denúncia de todas as respectivas violações.


Algo mais são devaneios juvenis ou desvarios sob a influência da Maria Joana e do Smirnoff, esses malvados.


28 outubro 2024

A Decisão do TEDH (388)

 (Continuação daqui)

Fonte: cf. aqui


388. Saído da taberna

Essa queixa-crime contra dois deputados do Chega e um assessor que já reuniu mais de 100 mil assinaturas (cf. aqui) é uma palhaçada judicial de todo o tamanho, própria de quem não tem tradição democrática e procura, através do tribunal judicial, meter na prisão os adversários políticos, em lugar de os vencer no tribunal da opinião pública.

Tudo o que os deputados do Chega disseram (e o seu assessor também) é puro direito à liberdade de expressão, ampliado pela sua condição de deputados da Nação, e perfeitamente enquadrável na jurisprudência do TEDH sobre esta matéria.

Se a queixa chegar a Tribunal e os deputados do Chega precisarem do meu depoimento como testemunha, terei muito gosto em fazê-lo. Ilustrarei com o caso Almeida Arroja v. Portugal a tradição inquisitorial portuguesa de utilizar a justiça e a figura do delito de opinião para efeitos de perseguição pessoal e política. Como ainda hoje se vê, esta infeliz tradição teve sempre um certo apoio popular. 

O comentador da SIC Marques Mendes considerou que as palavras do líder parlamentar do Chega nem na taberna se dizem (cf. aqui, min. 6:47 e segs.). A verdade é que mesmo os taberneiros e os seus clientes têm direito a exprimir as suas opiniões políticas em democracia, ainda que sejam de taberna. Curiosamente, o caso mais paradigmático saído da taberna é o de um colega de Partido do comentador Marques Mendes, promovido a ministro dos Negócios Estrangeiros, que recentemente terá dirigido umas "tabernadas" a altas patentes da Força Aérea Portuguesa (cf. aqui). 

(Continua acolá)

24 outubro 2024

A Decisão do TEDH (387)

 (Continuação daqui)





387. осел, верблюд, лайно !!!


Quando a reunião terminou (cf. aqui), o presidente Putin chamou o presidente da Cuatrecasas-Portugal (cf. aqui) à parte e disse-lhe:

-Oh Nuno, diz-me uma coisinha... aquele político P.R. que é mencionado no acórdão do TEDH é o vosso ministro dos Negócios Estrangeiros, não é?

-Sim, presidente... era na altura o director dos nossos escritórios no Porto...

-É ele que agora anda a chamar burros, camelos e merdosos lá aos generais do vosso país, não é? (cf. aqui)

-Infelizmente, presidente... deu-lhe para aquilo... dizem que é do Cartaxo (cf. aqui)... está a pôr as altas patentes militares em rebelião, presidente...

-Pois... é por isso que eu gostava que o trouxesses à Ucrânia... para pôr os generais ucranianos em rebelião contra o Zelenski...  

-Claro, presidente... mas isso implica 500 mil horas de trabalho a 540 euros a hora, mais as passagens de avião e as garrafas de Cartaxo para a viagem... isso vai-lhe custar acima de 430 milhões de euros...

-Negócio fechado, Nuno...  trata lá disso...a única condição é que ele insulte os generais do Zelenski em ucraniano: burro diz-se осел, camelo é верблюд, e merdoso pode traduzir-se por лайно. 

(Continua acolá)

23 outubro 2024

A Decisão do TEDH (386)

 (Continuação daqui)




386. Volodymyr


O acórdão do TEDH Almeida Arroja v. Portugal foi recentemente traduzido para ucraniano:


Заявник, José Pedro Almeida Arroja — громадянин Португалії, який народився в 1954 році і на час розгляду справи проживав у місті Порту. Економіст та професор університету, він також був щотижневим політичним коментатором у щоденній програмі новин на приватному телевізійному каналі Porto Canal. Увечері 25 травня 2015 року заявник взяв участь в обговоренні питання на каналі Porto щодо зупинки будівництва педіатричного відділення лікарні São João (Святого Івана Хрестителя) в місті Порту (пан José Pedro Almeida Arroja на той час очолював асоціацію, яка збирала кошти на будівництво відділення). Він, серед іншого, заявив наступне: «На заваді стала політика... Через юридичну фірму [«С.»] під керівництвом [P. R.] ... [був підготовлений] документ ... який змусив лікарню зупинити виконання будівельних робіт ... коли громадянське суспільство починає робити такі будівельні проєкти, як цей ... (будівельні роботи, які мала б робити держава, а отже, політики), вони відчувають, що це виставляє їх у поганому світлі ... і тому [P. R.] і його юридична фірма підготували документ, який зупинив будівельні роботи ... діти там туляться в халупі, і P. R. хоче сприяти тому, щоб вони залишалися в халупі, замість того, щоб мати належне п'ятиповерхове приміщення, яке ми – португальська громада – зібралися запропонувати лікарні. «[P. R.] є ідеальним прикладом [тісного зв'язку між політикою, бізнесом і професіоналами] – адже він є політиком і водночас очолює велику юридичну фірму. Це дуже багато! Більше того, він політик, член Європарламенту, він проводить багато часу за кордоном, що це означає? Як політик, він, безумовно, шукає клієнтів для своєї юридичної фірми, клієнтів переважно з державного сектору: лікарня São João, мерія, міністерства того і того ... це політичний документ, щоб винагородити руку, яка їх годує». Мова йшла про Меморандум про взаєморозуміння, розроблений юридичною фірмою C. для лікарні, та який був відхилений асоціацією, яку очолював заявник. P. R., який був адвокатом і відомим членом Європейського парламенту, та юридична фірма, директором якої він був, подали кримінальні скарги щодо заявника, звинувачуючи його в наклепі за обтяжуючих обставин і заподіянні шкоди юридичній особі. У червні 2018 року Кримінальний суд міста Matosinhos визнав заявника винним у заподіянні шкоди юридичній особі (юридичній фірмі «C.»), встановивши, що заяви відносно Меморандуму про взаєморозуміння та його політичного характеру були фактичними твердженнями, які не відповідали дійсності і вплинули на престиж фірми. Суд оштрафував заявника та зобов'язав виплатити  

Para continuar a ler: cf. aqui, pp. 47 e segs.

A história conta-se em poucas palavras.

Quando o presidente Putin soube que a law firm C mencionada na versão original do acórdão em inglês era a Cuatrecasas mandou logo convocar a direcção da sociedade. Dois dias depois, compareceram em Moscovo cinco directores da Cuatrecasas, três da sede em Barcelona, incluindo o presidente, e dois de Portugal, também incluindo o presidente do escritório de Lisboa, que é o maior escritório da Cuatrecasas no estrangeiro

Ao ler o acórdão Almeida Arroja v. Portugal, o presidente Putin tinha ficado muito impressionado com o facto de a Cuatrecasas ter conseguido fazer condenar esse tal Arroja por dois crimes (dois!) que não existiam. A ideia do presidente era ver se a Cuatrecasas também conseguiria fazer condenar o Zelenski para acabar com a guerra, mas tinha de ser por meia dúzia de crimes, e não apenas dois, e a pena tinha de ser pelo menos de 15 anos de prisão, e não meramente multa e indemnizações.

O presidente da Cuatrecasas respondeu ao presidente  Putin que ele tinha  chamado a sociedade certa para o serviço que desejava. Diante dele tinha três advogados espanhóis e dois portugueses, oriundos dos países que mais tinham cultivado a tradição jesuíta do casuísmo. Não havia advogados no mundo que melhor representassem essa tradição.

O presidente Putin já tinha ouvido falar dos jesuítas na escola primária porque quando o Papa Clemente XIV extinguiu a Companhia de Jesus em 1773, alguns jesuítas refugiaram-se na Rússia, donde mais tarde reconstruiriam a Companhia.  O que o presidente Putin não sabia era o que é que os jesuítas tinham  a ver com os advogados da Península Ibérica  e o que era isso do casuísmo.

Quem deu a explicação foi o presidente da Cuatrecasas-Portugal. Começou por dizer o que era o casuísmo, uma expertise única dos advogados de Portugal e Espanha que consistia em meter na prisão quem não devia ir para lá e livrar da prisão aqueles que deviam para lá ir. A razão dessa expertise única é que tinham sido os jesuítas portugueses e espanhóis os grandes missionários que trouxeram para a Igreja as tribos africanas e latino-americanas durante a Contra-Reforma.

Infelizmente - continuou o presidente da Cuatrecasas-Portugal -, isso tinha valido aos advogados ibéricos a injusta reputação de serem uns aldrabões, e quando se preparava para explicar em que é que isso consistia, ouviu-se um dos advogados espanhóis presentes na sala sussurrar entre dentes:

-Si... abogados aldrabones ... muy aldrabones ... los portugueses un poco más que los españoles...,

o que deixou os advogados portugueses bastante irritados, via-se na expressão facial deles.

Foi então que o presidente Putin perguntou qual era o risco de a operação falhar na eventualidade de os juízes se recusarem a condenar o Zelenski. Foi o outro advogado português presente na reunião, que tinha ascendência brasileira, que respondeu dizendo que o presidente Putin não se devia preocupar com isso, porque os jesuítas, na sua tradição casuística,  também tinham  deixado doutrina acerca da corrupção dos juízes. E até citou uma socióloga brasileira originária do Piauí sobre essa matéria:

Quanto ao que, modernamente, chama-se simplesmente de corrupção, ela é aconselhada amplamente. Assim um manual diz que "os juízes podem receber presentes das partes, quando estas lhos dão por amizade, ou por reconhecimento da justiça que eles fizeram, ou para levá-los a fazê-la no futuro, ou para obrigá-los a tomar um cuidado particular com o seu caso, ou para engajá-los a resolvê-lo com presteza". (cf. aqui)

O presidente Putin disse então que tinha visto na internet que a Cuatrecasas era uma sociedade de advogados "full-service" e perguntou o que é que isso significava. Foi um advogado espanhol que prestou o esclarecimento dizendo que todos os serviços da Cuatrecasas eram entregues chave-na-mão, já com os juízes e os magistrados do Ministério Público devidamente metidos no bolso.

Por esta altura, o presidente Putin estava completamente rendido à evidência acerca da vantagem competitiva da Cuatrecasas para realizar a missão e pediu ao presidente da sociedade se lhe apresentava uma proposta de trabalho, o que ele fez imediatamente porque já a trazia no bolso do casaco:

Objectivo: pôr o Zelenski na prisão por 15 anos ou mais.

Prazo de execução: seis meses.

Carga de trabalho e Honorários: três milhões e duzentas mil horas de trabalho a 540 euros à hora. Total: 1,728 mil milhões de euros  (preço dos juízes e magistrados do MP já incluído, bem como as custas judiciais).

Prazos de pagamento:  um terço (576 milhões de euros, não reembolsável) pago com a adjudicação do contrato e a realização da primeira fase da operação; em caso de insucesso desta fase,  o segundo terço será pago com a condenação; e o terço final com a entrada do Zelenski na prisão.

Primeira fase da operação: traduzir para  ucraniano o acórdão Almeida Arroja v. Portugal e enviar ao Zelenski com um cartão da Cuatrecasas com os seguintes dizeres: 

"Volodymyr, ou te rendes ou acontece-te o mesmo que ao Arroja, mas agravado. Apanhas uma condenação por seis crimes e uma pena de 15 anos de prisão em cúmulo jurídico. Escolhe. Tens cinco noites para decidir."

Era este acórdão, traduzido em ucraniano, que agora jazia na mesa de cabeceira do presidente Zelenski pela terceira noite consecutiva, enquanto ele dormia. 

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (385)

 (Continuação daqui)



385. Os safados

A última manifestação de casuísmo no caso Almeida Arroja v. Portugal ocorreu quando protestei junto do Conselho Superior da Magistratura, o órgão de governação dos juízes, por ter sido condenado por dois crimes no Tribunal da Relação do Porto onde sete juízes do TEDH, por unanimidade, não viram crime nenhum (cf. aqui).

Não se espera que os juízes sejam santos, mas espera-se que sejam, ao menos, pessoas decentes e que o CSM, que os representa, dê o exemplo e transmita essa decência à sociedade. Uma resposta decente ao meu protesto teria sido, por exemplo assim.

Caro senhor,
Lamentamos a condenação de que foi alvo no Tribunal da Relação do Porto e regozijamo-nos que a justiça lhe tenha sido reposta no Tribunal Europeu do Direitos Humanos. Informamos que estamos a trabalhar no sentido de evitar que a situação se repita recomendando a todos os juízes portugueses que, em casos semelhantes, sigam a jurisprudência do TEDH, à qual Portugal está vinculado.

A resposta que obtive não contém nada disto. Um pedido de desculpa não porque os magistrados não pedem desculpa a ninguém. Admitir um erro muito menos porque os magistrados não erram. Trabalhar para melhorar a qualidade do seu trabalho também não porque ela já é perfeita.

A resposta que obtive (cf. aqui) é puro casuísmo, uma desculpa para safar os juízes visados e a justiça portuguesa. Diz que não há nada de errado nem com os "Excelentíssimos Senhores  Desembargadores"  (sic) nem com a decisão que eles tomaram. Eles apenas fizeram uso  do princípio da liberdade e independência de julgamento que assiste aos juízes.

Quer dizer, eu tive azar. Se fossem outros juízes, ao abrigo do mesmo princípio, a decisão poderia ter sido diferente.

Eis o pior do casuísmo. A justiça tornou-se aleatória, ninguém pode confiar nela. Os safados vão continuar a existir no país. E não admira que assim seja porque eles existem dentro do próprio Conselho Superior da Magistratura.   

(Continua acolá)

22 outubro 2024

A Decisão do TEDH (384)

 (Continuação daqui)



384. De um tribunal superior do país


E que excepção inventou o juiz Pedro Vaz Patto para subtrair o caso à jurisprudência do TEDH e torná-lo um caso excepcional, a merecer dupla condenação?

-A de que eu era um mentiroso.

 A jurisprudência do TEDH existe mas não vale para mentirosos. O sumário do acórdão diz tudo:

I – É frequente que no debate político se imputem, de forma polémica, determinadas intenções maléficas a adversários políticos.
II – Porém, não havendo qualquer fundamento sério para a imputação em causa, estaremos perante a imputação de factos desonrosos que, sendo matérias de interesse público, são conscientemente falsos.
III – Não é crível que o arguido se considerasse legitimado para imputar ao assistente desonrosos conscientemente falsos apenas porque este se dedica à vida política, não estando legitimado para o fazer, quanto aos mesmos factos, em relação à sociedade de advogados de que este era director, o que nos remete para a existência de erro notório na apreciação da prova.
IV – Na verdade, não é do senso comum, e não exige conhecimento da doutrina e da jurisprudência, que a imputação a qualquer pessoa de factos desonrosos conscientemente falsos, seja ele político ou não, integra a prática de um crime de difamação.
V – Tal conduta não poderá ser albergada pela interpretação restritiva do TEDH no tocante à liberdade de expressão.

Fonte: cf. aqui

Felizmente, os sete juízes do TEDH que produziram a Decisão Almeida Arroja v. Portugal não se deixaram ir na patranha.  Nem tão-pouco a juíza Paula Guerreiro que, na sua declaração de voto, sugere que, se eu estava a mentir, porque é que o Rangel não aceitou o meu convite e não foi lá ao Porto Canal expôr as minhas mentiras e restaurar a sua honra?

De facto, ainda hoje, no texto do Porto Canal que acompanha o meu comentário, se diz:

O Porto Canal entrou em contacto com a administração do hospital São João que não quis pronunciar-se sobre o assunto, e ainda contactar Paulo Rangel para reagir a estas acusações, mas até à data da publicação desta notícia não houve qualquer resposta. (cf. aqui)

Que comentário tenho eu a fazer acerca deste excepcionalismo da mentira?

O seguinte:

É muito desagradável, aos 65 anos de idade - que era a idade que eu tinha quando o acórdão foi produzido - ser tratado como mentiroso por um trapaceiro, ainda que o trapaceiro seja juiz de um tribunal superior do país.

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (383)

 (Continuação daqui)


Fonte:  aquiaqui


383. O excepcionalismo cuatrecasiano


O casuísmo manifesta-se arranjando desculpas ou pretextos para não fazer aquilo que deve ser feito ou inventando excepções para fugir à regra. No limite, o excepcionalismo católico significa que tudo aquilo que se aplica aos outros não se aplica a mim, e que tudo aquilo que se aplica a mim não se aplica aos outros. Cada pessoa e cada situação da vida é uma excepção. Não há regras ou, se elas existem, não se aplicam ao caso em concreto.

As regras ou jurisprudência nos casos em que está em jogo o direito à honra no confronto com o direito à liberdade de expressão, na sua versão mais simples, podem enunciar-se assim. Como regra geral, prevalece o direito à liberdade de expressão sobre o direito à honra e essa prevalência é ainda mais acentuada quando o assunto em discussão seja de interesse público e os envolvidos sejam figuras públicas. Neste último caso só muito excepcionalmente (v.g., apelos à violência, alarme público) o Estado pode intervir com o seu aparato judicial.

O juiz de primeira instância do Tribunal de Matosinhos, João Manuel Teixeira, conhecia estas regras, a tal ponto que foi à luz delas que me absolveu do crime de difamação agravada ao Paulo Rangel. Mas então, por que é que me condenou pelo crime de ofensa colectiva à Cuatrecasas?

É melhor ser ele a dizer (cf. aqui)

"Aqui, neste caso, já não estamos perante um homem político.
Por outro lado, a Cuatrecasas é uma empresa com notoriedade nos meios jurídicos, mas não numa visão global da sociedade. A população em geral, não relacionada com o mundo jurídico, não sabe que sociedade é esta. Por isso, não deve esta sociedade ser sequer colocada no mesmo âmbito de "uma figura pública". Não estamos a falar nem da TAP ou da CGD, que são conhecidas nacionalmente como uma qualquer estrela futebolística.
O âmbito de protecção é, por isso mesmo, diferente" .

Fica-se comovido. Nem pensar em ofender a Cuatrecasas. Ainda se fosse a TAP ou a CGD, ou mesmo o Ronaldo, ainda é como outro, que são carne para canhão. Agora, a  Cuatrecasas, isso não. A Cuatrecasas é especial, uma  donzela discreta que detesta andar nas bocas do mundo.

O acto ilícito ou criminal foi eu ter posto em causa a relação de confiança entre a Cuatrecasas e o seu cliente, porque a relação de confiança entre os advogados e os seus clientes é essencial para o desempenho da advocacia (como se não o fosse também para o exercício de qualquer outra profissão), ainda por cima tratando-se da Cuatrecasas (cf. aqui).

Não se faz. Tratando-se da TAP ou da CGD, ou mesmo do Ronaldo, ainda se poderia aceitar. Tratando-se de electricistas, médicos ou serralheiros, ou até jogadores de futebol,  ainda vá que não vá. Agora, tratando-se de advogados, ainda por cima tratando-se da Cuatrecasas, isso é que não. É crime.

É o chamado excepcionalismo cuatrecasiano. À distãncia de seis anos, e com a Decisão do TEDH pelas costas, a sentença do juiz João Teixeira só pode suscitar um sorriso.

Não tenho a mesma reacção com o excepcionalismo que o juiz Pedro Vaz Patto viu no caso para me condenar duplamente no Tribunal da Relação do Porto. Ele agiu como um verdadeiro jesuíta (cf. aqui) e eu não achei graça nenhuma, como se poderá ver a seguir.

(Continua acolá