13 novembro 2024

A Decisão do TEDH (393)

 (Continuação daqui)


O futuro que nos espera: Catorze advogados estagiários iniciam percurso profissional na Cuatrecasas, Setembro 2024 (cf. aqui)


393. Os incompetentes e os criminosos

Como referi no post anterior, o caso da jornalista Tânia Laranjo e da CMTV (cf. aqui) é o caso típico ou padrão submetido ao TEDH ao abrigo do artº 10º da CEDH, relativo à liberdade de expressão, o caso envolvendo um jornalismo particularmente agressivo ou intrusivo. Estes casos são resolvidos rotineiramente por um Comité de três juízes.

O que é que terá levado o TEDH a considerar o caso Almeida Arroja v. Portugal um caso especial ou caso de impacto de modo a ser decidido por uma Câmara de sete juízes?

Naturalmente, só posso especular acerca da resposta. Na minha opinião, foram os seguintes quatro factores por ordem crescente da sua importância.

1) Comentador televisivo. O autor das declarações alegadamente ofensivas não era um jornalista, mas um universitário e comentador televisivo que se aproveitou desta condição para trazer a público uma situação de corrupção sobre uma obra mecenática de interesse público que ele próprio dirigia.

2) Cuatrecasas. É estranho que um dos queixosos no processo-crime fosse uma grande sociedade de advogados que há-de levar ao TEDH muitos casos em nome dos seus clientes, que há-de conhecer perfeitamente a jurisprudência do TEDH e que devia saber que, em última instância, o TEDH nunca daria razão à sua causa, como veio a acontecer.

A razão para esta estranheza, para quem conhece a realidade jurídica portuguesa, é fácil de explicar. As sociedades de advogados em Portugal possuem um estatuto que lhes permite também actuar como verdadeiras corporações de criminosos, e a Cuatrecasas actuou neste caso nesta segunda condição.

Quem quiser destruir a reputação ou arruinar a vida de uma pessoa, em lugar de contratar um bando de jagunços, deve empregar a Cuatrecasas porque ela faz o mesmo trabalho mas de forma legal - como o meu caso e o do Guardião do Tejo (cf. aqui) exemplificam na perfeição. Quem quiser fugir aos impostos, branquear dinheiro, financiar ilicitamente um partido, ou qualquer outra coisa do género, deve procurar a Cuatrecasas porque ela faz tudo isso chave-na-mão, já com os juízes e os magistrados do MP devidamente falados (cf. aqui). 

Quando o magistrado espanhol José Grinda perguntou numa reunião internacional de magistrados por que é que a Cuatrecasas aparecia sempre a defender a máfia russa (cf. aqui), nunca ninguém lhe respondeu, mas eu vou dar a resposta. É que a Cuatrecasas é uma instituição irmã da máfia, com a única diferença que faz tudo de forma legal. Nasceu num país católico ou latino como a máfia, está sujeita a um estrito código de silêncio ou omertà como a máfia (cf. aqui), é uma organização multinacional como a máfia, infiltra-se em todas as instituições da sociedade como a máfia (cf. aqui).

E, tal como a máfia, é ávida por dinheiro. Depois de tudo o que fez, cometendo sobre um cidadão inocente os crimes de calúnia e extorsão, a Cuatrecasas ainda enriqueceu com a indemnização que ele lhe pagou e da qual será o Estado a ressarcir-lo. A Cuatrecasas é mais um exemplo que confirma a tese que tenho vindo a defender neste blogue (cf. aqui), a saber, que o sector da justiça é o único sector da vida pública portuguesa em que os incompetentes e os criminosos, em lugar de serem punidos, são promovidos (neste caso, economicamente)

3) Voto de vencida. É muito estranho que apesar do assertivo voto de vencida da juíza Paula Guerreiro alertando os seus  colegas Vaz Patto e Francisco Marcolino para o facto de Portugal já ter sido condenado muitas vezes por casos como este no TEDH - como, na realidade, voltou a acontecer -, eles tenham ido para a frente com a condenação no Tribunal da Relação do Porto. 

A explicação para esta estranheza é simples. Estavam falados, a troco de quê não sei ao certo, talvez uma promoção, como já aconteceu com um deles (cf. aqui), ou de mais uns dinheiros do Governo da geringonça para a Associação de que o outro é presidente da Assembleia Geral (cf. aqui).

4) Perseguição pessoal e política. Chegamos ao factor principal. Os juízes do TEDH intuíram perfeitamente que este era um caso de utilização da justiça penal para efeitos de  perseguição pessoal e política. Manifestam essa convicção em dois momentos cruciais do acórdão:

(i) Quando dizem que os queixosos tinham ao seu dispôr o processo cível para se ressarcirem dos danos que eventualmente tivessem sido causados à sua reputação, não se compreendendo por que é que recorreram ao processo penal.

(ii) Quando invocam as resoluções da ONU e do Conselho da Europa a recomendar aos Estados membros a descriminalização da difamação porque é por esta via que os governos anti-democráticos perseguem as pessoas de quem não gostam. 

11 novembro 2024

A Decisão do TEDH (392)

 (Continuação daqui)




392. Expandir a liberdade de expressão


Somente este ano, Portugal já foi condenado seis vezes no TEDH por violação do direito à liberdade de expressão. A lista de condenações é a seguinte (no quinto caso da lista, o Estado aceitou a condenação e o pagamento da indemnização por acordo das partes e não houve lugar a acórdão):


-Almeida Arroja c. Portugal, Acórdão de 19 de março de 2024, Requête n.º 47238/19 (CEDH, artigo 10.º 1, liberdade de expressão, violação). 

-Dias dos Santos Ferreira Costa Cabral c. Portugal, Acórdão de 30 de Abril de 2024, TEDH 4. Seção, Requête n.º 25282/18 (CEDH, art.º 10.º § 1, violação). 

-Veiga Cardoso c. Portugal, TEDH, Acórdão de 16 de janeiro de 2024, 4. Seção, Requête n.º 48979/19 (Cedh, art.º 10.º § 1, violação). 

-Ferreira, Victorino de Queirós, TEDH, Acórdão de 11 de junho de 2024, 4. Seção, Requête n.º 23063/18 (Cedh, art.º 10.º § 1, violação).

-Portugal condenado pelo TEDH a duas multas

-Ferreira e Castro da Costa Laranjo c. Portugal, TEDH, 4. Seção, Requêtes n.ºs 33203/20 e 45884/22, Acórdão de 5 de Novembro de 2024 (CEDH, art.º 10.º § 1, violação).  

Fonte: cf. aqui


Dos cinco acórdãos que constam da lista há uma diferença entre o primeiro e os restantes quatro.

O TEDH decide segundo uma de três formações de juízes: Comité (três juízes); Câmara (sete juízes) e Grande Câmara (15 juízes).

Num extremo, a Grande Câmara (15 juízes) serve para julgar os recursos e, no outro extremo, o Comité (3 juízes) serve para julgar os casos vulgares que se enquadram dentro da jurisprudência já estabelecida pelo Tribunal.

Ora, a diferença na lista acima é que os últimos quatro acórdãos são casos banais, todos julgados por um Comité de três juízes. O último acórdão envolvendo a jornalista Tânia Laranjo e a CMTV é o caso típico do confronto entre o direito à liberdade de expressão e o direito à honra, envolvendo um jornalismo agressivo e intrusivo.

O caso Almeida Arroja v. Portugal é um caso especial  - foi considerado um "caso de impacto" no TEDH, daqueles que contribuem para fazer jurisprudência (cf. aqui) -  e por isso foi objecto de decisão por uma Câmara de sete juízes.  

Deixarei de lado a análise dos factores que terão levado a que este caso fosse considerado um caso especial para me concentrar noutro aspecto mais importante.

Se fosse em Portugal, na nossa tradição casuística e excepcionalista do Direito, este caso especial teria sido convertido num caso excepcional (que não é), e a excepcionalidade teria sido invocada para fugir à jurisprudência ou mesmo decidir contra ela.

Mas não foi isso que fez o TEDH na sua tradição jurisprudencialista e democrática. O TEDH aproveitou as características diferenciadas do caso para alargar a jurisprudência sobre a prevalência do direito à liberdade de expressão em relação ao direito à honra.

É isso mesmo que dizem os académicos da Columbia University que se debruçaram sobre o caso (cf. aqui). Ele serviu para expandir a liberdade de expressão, e não para a restringir ou subverter como aconteceu com as decisões dos tribunais portugueses (cf. aqui e aqui).

Não é uma pequena diferença. O TEDH fez exactamente o contrário dos tribunais nacionais pondo em evidência o carácter provinciano, casuístico e anti-democrático da nossa tradição judicial.

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (391)

 (Continuação daqui)



391. Génios mortos


Durante o processo judicial que conduziu à decisão do TEDH Almeida Arroja v. Portugal o advogado que me representava - e que, entretanto, despedi - recorreu, em meu nome, para o Tribunal Constitucional para que me fosse garantido o direito ao recurso previsto no artº 32º da Constituição. Eu tinha sido absolvido em primeira instância do crime de difamação agravada, mas condenado na Relação do Porto por este crime.

Mais tarde, eu viria a concluir - mas só tarde demais - que este recurso para o TC, que atrasou o processo no TEDH em perto de dois anos e me custou quase cinco mil euros em custas judiciais, era desnecessário porque o TEDH não considera os recursos para o TC para efeitos do artº 35º da CEDH que obriga ao esgotamento de todos os recursos internos antes de se poder apelar a este tribunal internacional.

Depois de gasto tanto dinheiro e perdido tanto tempo, o pormenor que me despertou para este logro foi o facto de o acórdão do TEDH Almeida Arroja v. Portugal nem sequer mencionar o recurso para o TC. Em breve, pela consulta de outros acórdãos relativos a Portugal, eu iria constatar a jurisprudência do TEDH a este respeito. Os recursos para o TC não são considerados para efeitos do artº 35º da CEDH porque o TC é um tribunal de direitos e não um tribunal judicial que possa anular ou modificar a condenação. Andei a gastar tempo e dinheiro para o boneco.

Na altura, estava em vigor uma exótica jurisprudência do TC em relação ao artº 32º da Constituição - entretanto anulada por uma lei da Assembleia da República - mediante a qual só eram recorríveis para o Supremo as condenações inovadoras da Relação que implicassem pena de prisão. Como a minha era uma pena de multa, acabei condenado pelo crime de difamação agravada sem dupla conforme.

No decurso da minha investigação sobre essa jurisprudência, escrevi uma série de posts com o título Marçanos da Judicatura, referindo-me aos juízes do Tribunal Constitucional e num deles visei especialmente o juiz Pedro Machete (cf. aqui).

O juiz Pedro Machete faleceu este fim-de-semana (cf. aqui). Lamento a sua morte e gostaria de apresentar as minhas condolências à família.  Mas tenho de admitir, em consonância com o que escrevi na altura, que ele não faz falta nenhuma enquanto jurista.  Ele representava, aos meus olhos, muito daquilo que de pior existe na cultura jurídica portuguesa e, por isso, não posso partilhar os elogios profissionais que lhe têm sido feitos.

(Continua acolá)

Portugal onde, na área da Justiça, faltam claramente os génios vivos, é um país cheio de génios mortos. 

06 novembro 2024

A Decisão do TEDH (390)

 (Continuação daqui)




390. Critérios de meritocracia

Nem mesmo o Correio da Manhã (CM), conhecido pelo seu jornalismo intrépido, ousa identificar os magistrados intervenientes no processo que ontem culminou na decisão do TEDH em que o próprio CM está envolvido (cf. aqui).

Deduz-se do acórdão do TEDH (cf. aqui) que tudo aconteceu no DCIAP durante o interrogatório ao ex-ministro Miguel Macedo no processo Vistos Gold, o qual foi filmado. A jornalista Tânia Laranjo teve acesso às imagens que publicou na CMTV. Miguel Macedo queixou-se de violação dos seus direitos à vida privada e à presunção de inocência. O processo passou pelo Tribunal Criminal de Lisboa, pelo Tribunal da Relação de Lisboa e chegou até ao Supremo. A jornalista acabou condenada pelo crime de desobediência e ao pagamento de uma multa de 880 euros e a CMTV a indemnizar Miguel Macedo em 35 mil euros.

O TEDH veio agora dizer que a Tânia Laranjo e a CMTV apenas exerceram o seu direito à liberdade de expressão. A advogada já anunciou que, com base na decisão do TEDH, vai pedir a reabertura do processo de modo a descondenar a Tânia Laranjo, e a ver ressarcida pelo Estado a CMTV do montante que pagou ao Miguel Macedo.

A pergunta é esta: Quem são os juízes e os magistrados do Ministério Público que, por incompetência ou outra razão qualquer, acusaram e condenaram indevidamente a Tânia Laranjo e a CMTV?

A questão é do máximo interesse público. Acusar e condenar indevidamente uma pessoa é crime (calúnia); obrigá-la a pagar multas ou indemnizações que não são devidas, sob a ameaça da força (do Estado), também é crime (extorsão). Além disso, vão ser os contribuintes a ressarcir a Tânia Laranjo e a CMTV pelos danos patrimoniais causados pelos magistrados.

Divulgar publicamente os nomes dos magistrados envolvidos é a sanção mínima que se pode pedir para eles,  já que o Conselho Superior da Magistratura vai dizer - como me disse a mim (cf. aqui) - que condenar inocentes é parte da liberdade de julgamento que assiste aos juízes, como se os médicos também tivessem liberdade para matar os seus doentes, os motoristas para conduzirem autocarros pelas ribanceiras abaixo, ou os pilotos para espetarem os aviões no solo.

Ninguém sabe quem são os magistrados, e os jornalistas são cúmplices deste encobrimento. Às tantas ainda vão ser promovidos, como aconteceu no caso Almeida Arroja v. Portugal em que um dos juízes que me condenou no Tribunal da Relação do Porto foi depois promovido ao Supremo (cf. aqui) e o outro encontra-se na calha para a promoção. 

A justiça parece ser  o único sector da vida pública portuguesa onde os incompetentes e os  criminosos, em lugar de serem punidos, são promovidos.

Existe uma excepção nesta nuvem de ignorância acerca dos magistrados envolvidos no caso da Tânia Laranjo e da CMTV que até um leigo como eu consegue identificar. Os acontecimentos passam-se no DCIAP em 2015 durante os interrogatórios da Operação Vistos Gold. Desta operação saíram do DCIAP acusações criminais contra vários arguidos, como o então ministro Miguel Macedo e o director do SEF, Manuel Jarmela Palos que chegou a estar preso preventivamente. As acusações do DCIAP  em relação a estes dois arguidos eram falsas e foram arrasadas pelo colectivo de juízes que julgou o caso,  e os absolveu (cf. aqui). 

O DCIAP é uma estrutura hierárquica do Ministério Público e o seu director é o último responsável por aquilo que lá se faz. A pergunta que ocorre é a seguinte: Quem era o director do DCIAP em 2015, que acusou falsamente estes cidadãos inocentes (crime de calúnia) e pediu a prisão preventiva para um deles (crime de sequestro), e esteve na origem de mais esta condenação de Portugal no TEDH?

Resposta: O magistrado Amadeu Guerra.

Quer dizer, o magistrado Amadeu Guerra, em lugar de estar a responder pelos crimes de calúnia e sequestro no caso Vistos Gold e a indemnizar o Estado pelo montante que este vai ser obrigado a ressarcir a Tânia Laranjo e a CMTV, foi entretanto promovido a Procurador Geral da República (cf. aqui). 

Confirma-se. O sector da justiça em Portugal é o único em que um incompetente ou um criminoso, em lugar de ser punido, é promovido. 

Alguém acredita que o Ministério Público em particular, e a Justiça em geral, vão melhorar com estes critérios de meritocracia?

Eu não.

(Continua acolá)

A Decisão do TEDH (389)

 (Continuação daqui)




389. Seis em menos de um ano

O acórdão do TEDH Almeida Arroja v. Portugal , de 19 de Março, foi apenas a primeira condenação de Portugal este ano por violação do direito à liberdade de expressão.

Ontem, ocorreu a sexta num caso envolvendo a jornalista Tânia Laranjo e a CMTV (cf. aqui e aqui).

Seis condenações em menos de um ano por violação do direito fundacional da democracia - como é o direito à liberdade de expressão - não devem surpreender quando se pensa que, no seio da civilização ocidental e cristã, Portugal, juntamente com a Espanha, foram os campeões da promoção da Lei da Rolha, sobretudo através da Inquisição (hoje, Ministério Público).

É um forte indício de que a cultura portuguesa é uma cultura muito democrática.

A surpresa deve ser ainda menor quando se pensa que estas condenações em série têm origem no sector da justiça que é o mais fechado, provinciano, pomposo, medieval, corrupto e anti-democrático de todos os sectores da vida pública portuguesa. 

(Continua acolá)

01 novembro 2024

O DIA MAIS NEGRO

 


Pintura a óleo de João Glama Ströberle, que testemunhou o terramoto de 1755


O DIA MAIS NEGRO

 

Completam-se hoje 269 anos sobre um dos dias mais negros da história de Portugal, o dia do terramoto de Lisboa de 1755. Foi num dia de Todos-os-Santos, pelas 9:30 de uma manhã de sábado, quando a terra começou a abalar de forma tenebrosa, seguindo-se quase de imediato um maremoto (tsunami) e, mais tarde, incêndios devastadores. Acabou por ser o dia de Todos-os-Demónios.

 

O terramoto foi sentido por toda a Europa e norte de África e, pela sua magnitude, suscitou acesas polémicas filosóficas e inspirou Voltaire a escrever o “Pòeme sur le Désastre de Lisbonne” (1756) e mais tarde o famoso romance Candide (1759).

 

Lisboa tinha na altura cerca de 200.000 habitantes e estima-se que tenham perecido 5 a 10%. O espectáculo dantesco do “desastre de Lisboa”, como lhe chamou Voltaire, resultou da combinação dos abalos, com o tsunami e os incêndios; como era dia de Todos-os-Santos, as Igrejas estavam repletas e as velas acesas terão contribuído para atear os fogos.

 

Quem sobrevive a um evento desta natureza fica marcado para o resto da vida e passa esse estigma à descendência: esta vida não vale nada, nunca se sabe o que pode acontecer, tudo acaba num instante, não te esforces demasiado que não vale a pena.

 

Estas frases da cultura portuguesa são actuais e têm a mesma força depressiva dos abalos de há 269 anos. Terão as suas raízes no desastre de Lisboa? Eu penso que sim. Talvez seja essa a causa de sermos um País curtoprazista e avesso ao risco. Arriscar para quê? A morte é certa!

 

Mas é verosímil que decorrido tanto tempo ainda estejamos a sofrer de uma espécie de PTDS cultural colectiva, psicológica ou até epigenética?

 

Basta pensar em eventos passados, como os Descobrimentos Portugueses, a Independência dos EUA (1776), a Revolução Francesa (1789) e as guerras Napoleónicas (1803 a 1815), para perceber que esses acontecimentos se tornam “hereditários” e continuam a marcar os povos e a caracterizar as nações.

 

Acresce que depois dos abalos geológicos Portugal sofreu outro abalo profundo, social e político, com a desgovernação desse facínora sem escrúpulos, assassino e ladrão, chamado Sebastião de Carvalho e Melo, de 1756 a 1777.

 

O Sebastião intuiu de imediato as vantagens que se poderiam retirar do terramoto, como explicou no seu opúsculo: “As Vantagens que o Rei de Portugal Pode Obter do Terramoto de 1755”. Quem mais beneficiou, porém, foi ele próprio que se tornou no político mais opulento da Europa.

 

A centralização do poder do Estado, a “nacionalização da Inquisição”, o absolutismo real e o terror, atiraram sal para as feridas do terramoto. Citando Voltaire: ‹‹depois da tragédia veio o terror››.

 

Amedrontados, os portugueses sucumbiram ao pombalismo e passaram a ver o Estado como o patriarca redentor que nos pode proteger de catástrofes. A admiração pelo sacana do Sebastião é um caso claro da síndrome de Estocolmo.

 

Como é que podemos apagar da memória esse dia negro de 1755? Não podemos, nem devemos; é bom ter consciência de que tragédias podem ocorrer a qualquer momento e quando menos se espera, para não reagirmos como zombies.

 

De todas as “grandes tribulações” clássicas, a Morte, a Guerra, a Fome e a Peste, neste dia 1 de Novembro de 2024, quando se fala com banalidade de uma possível WWIII, pensemos nas guerras que estão a decorrer e que vão estigmatizar todas as populações afectadas. Um milhão de mortos na Ucrânia (50* o número de vítimas do terramoto de 1755) e 40.000 mortos na Palestina (talvez o dobro do terramoto).

 

O Sebastião aproveitou-se do terramoto para enriquecer, como energúmeno que era. Diferente, porém são as catástrofes que resultam da ação deliberada e premeditada de líderes gananciosos e sem escrúpulos que desencadeiam guerras para enriquecer à custa de milhões de vidas humanas.

 

Camilo Castelo Branco apelidou o Sebastião de “Nero da Trafaria” pelo massacre que perpetrou na Trafaria, em 23 de Fevereiro de 1777, onde morreram incineradas cerca de 5000 pessoas. Atravessamos, porém, uma época em que as vítimas dos gangues que se apoderaram dos governos se contam por milhões e não milhares.

 

Neste aniversário de um evento que marcou gerações de portugueses, pensemos em superar o estigma das catástrofes naturais e a desgovernação dos “ditadores iluminados” e condenemos com veemência as catástrofes que podem ser evitadas pela via diplomática.

 

O desastre de Lisboa pode servir de lição e, por ser bem real, tem mais relevância do que qualquer disciplina de cidadania.

30 outubro 2024

UMA IDEIA NEGRA




Há ideias tão completamente desligadas da realidade que ou são oximorónicas ou  fruto de uma directa com a Maria Joana e o Smirnoff. No ranking dessas ideias, o Óscar pertence de direito a quem primeiro pensou em formar um Partido Libertário em Portugal, um dos países mais colectivistas do mundo.

Penso que sei do que estou a falar porque sou presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação Pró-Partido Libertário, uma agremiação de chalados que se reúne uma vez por ano em Pombal, para petiscar e gritar que “IMPOSTO É ROUBO”.

 

Como chalado-mor presido, sempre que posso, às reuniões, deslocando-me a essa cidade macambúzia, degustando o prato do dia e escutando depois as deambulações pós-prandiais de alguns panfletários que consideram Rothbard como a segunda encarnação do Salvador – imposto é roubo; reverberamos em uníssono e com acenos de cabeça.

 

O nosso presidente da direção, líder do executivo, bota faladura e apresenta o seu programa de legislatura (tosse, tosse) para o futuro Partido libertário – 50% de corte nas receitas do Estado e 50% de corte nas despesas.

 

Numa das reuniões, um correligionário chegou a considerar este programa como genial, argumentando que todas as pessoas gostam de descontos.

 

O problema é que, numa congregação de libertários cada um tem a sua opinião e programa e portanto nunca se chega (felizmente) a um consenso. Daí a quase impossibilidade de formar um partido libertário. A propósito, conta-se que o próprio Rothbard terá tido um ataque de riso quando o convidaram para presidir a um partido libertário.

 

Claro que a ideia dos 50% não tem nada de libertária porque se imposto é roubo, não deixa de o ser a meio-pau.

 

O mal-estar foi-se instalando nos últimos meses, surgiram acusações e insultos, cortes de relações, censura nas redes sociais e a acusação mais vil que se pode fazer a um libertário:


— Não passas de um socialista!

 

Vil, mas pouco original porque já o Mises acusou o Hayek e o Friedman de serem socialistas encapotados, numa célebre reunião da Sociedade Mont Pelerin.

 

Chegados a este ponto, pergunto-me:

 

— Não viram logo de início os escolhos de formar um partido libertário?

 

Parece-me interessante ter uma associação libertária, uma espécie de “Think Tank”, para analisar ideias e doutrinas. Na questão do partido é que a porca torce o rabo porque quem não acredita no Estado é que vai apresentar um programa de governo?

 

Seria como se uma associação de ateus se propusesse formar uma Igreja.

 

— Mas nós não acreditamos em Deus – diria o advogado do Diabo.

 

— Podem entrar agnósticos, sempre têm 50% de fé em Deus.

 

‹‹Don’t Bogart that joint, my friend. Pass it over to me…›› ‹‹Roll another one, just like the last one…››


Sobra apenas uma função coerente para um eventual partido libertário: “A DEFESA INTRANSIGENTE DOS DIREITOS NATURAIS” e a denúncia de todas as respectivas violações.


Algo mais são devaneios juvenis ou desvarios sob a influência da Maria Joana e do Smirnoff, esses malvados.


28 outubro 2024

A Decisão do TEDH (388)

 (Continuação daqui)

Fonte: cf. aqui


388. Saído da taberna

Essa queixa-crime contra dois deputados do Chega e um assessor que já reuniu mais de 100 mil assinaturas (cf. aqui) é uma palhaçada judicial de todo o tamanho, própria de quem não tem tradição democrática e procura, através do tribunal judicial, meter na prisão os adversários políticos, em lugar de os vencer no tribunal da opinião pública.

Tudo o que os deputados do Chega disseram (e o seu assessor também) é puro direito à liberdade de expressão, ampliado pela sua condição de deputados da Nação, e perfeitamente enquadrável na jurisprudência do TEDH sobre esta matéria.

Se a queixa chegar a Tribunal e os deputados do Chega precisarem do meu depoimento como testemunha, terei muito gosto em fazê-lo. Ilustrarei com o caso Almeida Arroja v. Portugal a tradição inquisitorial portuguesa de utilizar a justiça e a figura do delito de opinião para efeitos de perseguição pessoal e política. Como ainda hoje se vê, esta infeliz tradição teve sempre um certo apoio popular. 

O comentador da SIC Marques Mendes considerou que as palavras do líder parlamentar do Chega nem na taberna se dizem (cf. aqui, min. 6:47 e segs.). A verdade é que mesmo os taberneiros e os seus clientes têm direito a exprimir as suas opiniões políticas em democracia, ainda que sejam de taberna. Curiosamente, o caso mais paradigmático saído da taberna é o de um colega de Partido do comentador Marques Mendes, promovido a ministro dos Negócios Estrangeiros, que recentemente terá dirigido umas "tabernadas" a altas patentes da Força Aérea Portuguesa (cf. aqui). 

(Continua acolá)

24 outubro 2024

A Decisão do TEDH (387)

 (Continuação daqui)





387. осел, верблюд, лайно !!!


Quando a reunião terminou (cf. aqui), o presidente Putin chamou o presidente da Cuatrecasas-Portugal (cf. aqui) à parte e disse-lhe:

-Oh Nuno, diz-me uma coisinha... aquele político P.R. que é mencionado no acórdão do TEDH é o vosso ministro dos Negócios Estrangeiros, não é?

-Sim, presidente... era na altura o director dos nossos escritórios no Porto...

-É ele que agora anda a chamar burros, camelos e merdosos lá aos generais do vosso país, não é? (cf. aqui)

-Infelizmente, presidente... deu-lhe para aquilo... dizem que é do Cartaxo (cf. aqui)... está a pôr as altas patentes militares em rebelião, presidente...

-Pois... é por isso que eu gostava que o trouxesses à Ucrânia... para pôr os generais ucranianos em rebelião contra o Zelenski...  

-Claro, presidente... mas isso implica 500 mil horas de trabalho a 540 euros a hora, mais as passagens de avião e as garrafas de Cartaxo para a viagem... isso vai-lhe custar acima de 430 milhões de euros...

-Negócio fechado, Nuno...  trata lá disso...a única condição é que ele insulte os generais do Zelenski em ucraniano: burro diz-se осел, camelo é верблюд, e merdoso pode traduzir-se por лайно. 

(Continua acolá)