30 junho 2022

Um sindicato do crime (6)

(Continuação daqui)



6. O caso do Guardião do Tejo


O caso do Arlindo Marques é exemplificativo das práticas terroristas das grande sociedades de advogados em que o papel da justiça é subvertido. A justiça deixa de ser uma instituição destinada a proteger pessoas pacíficas e inocentes, e torna-se um instrumento de agressão e do crime contra essas mesmas pessoas. 

Sobre este caso escrevi abundantemente neste blogue, em particular uma série de posts sob o título "Terrorismo judicial" (p. ex., cf. aqui)

Arlindo Marques, conhecido como o Guardião do Tejo, é um ribatejano, guarda prisional de profissão,   que, a certa altura, começou a observar forte poluição no rio, e trouxe o assunto a público, apontando o dedo a uma grande empresa de celulose situada em Vila Velha de Rodão.

A empresa respondeu contratando a Cuatrecasas, não para se defender das alegações do Arlindo Marques, mas para o atacar. A Cuatrecasas imediatamente lhe pôs um processo por difamação, reclamando uma indemnização de 250 mil euros.

O processo, em última instância, não tinha qualquer substância porque num caso de interesse público, a liberdade de expressão do Arlindo Marques prevalece sobre o direito ao bom nome dos visados. As coisas são assim no TEDH que é o tribunal que decide em última instância sobre estes casos. Nada impedia, porém, que o Arlindo Marques fosse condenado pela justiça portuguesa, ficando arruinado, e só vários anos depois o TEDH lhe desse razão e mandasse o Estado ressarci-lo. 

Foi nesta altura que eu próprio entrei em contacto com o Arlindo Marques, que estava obviamente assustado:

-Olhe que com esses criminosos não se pode confiar na justiça...

O processo tinha requintes de malvadez. No pedido de indemnização de 250 mil euros, a Cuatrecasas acrescentava que dada a situação económica do arguido, esse montante parecia equitativo e modesto (cf. aqui). A verdade é que Arlindo Marques vivia do seu trabalho de funcionário público, em termos líquidos ganhava menos de mil euros ao mês, e para pagar a indemnização pedida pela Cuatrecasas necessitaria de mais de 20 anos de trabalho sem comer nem beber.

Pouco depois do assunto vir a público, o ministério do Ambiente mandou realizar análises às águas do Tejo junto à empresa de celulose. Porém os reservatórios onde a água era recolhida para amostra desapareciam durante a noite, e as análises só se concretizaram depois de uma patrulha da GNR passar a noite junto deles.

De posse das análises, seria fácil deslindar se era ou não verdade aquilo que o guardião do Tejo dizia, que a poluição tinha origem na empresa de celulose. Puro engano. O Ministério Público meteu-se no caso, apropriou-se das análises e disse que os resultados ficariam em segredo de justiça. E assim ficaram até hoje. A Cuatrecasas tinha o Ministério Público na mão - o que, para mim, não era novidade nenhuma.

O Miguel Sousa Tavares fez um comentário sobre o assunto na televisão e eu associei-me e ele com um post que permanece ainda hoje um dos mais partilhados deste blogue. Tem o título "Que amor é este?" (cf. aqui). E anunciei também que iria assistir ao julgamento e comentá-lo para os leitores do Portugal Contemporâneo.

À medida que se aproximava a data do julgamento, a tensão ia subindo. Uma audiência prévia realizada no Tribunal de Santarém, reuniu de um lado, o Arlindo Marques  e o seu advogado em prática individual, e do outro, um bando de quatro advogados da Cuatrecasas, vindos de Lisboa, e chefiados por Paulo Sá e Cunha.

A Cuatrecasas queria que o Arlindo Marques assinasse um papel em que se retratava de tudo o que tinha dito e prometia nunca mais falar sobre o assunto, sob pena de o caso ir para julgamento. O blogue Portugal Contemporâneo foi falado na sessão.

O Arlindo Marques resistiu e o julgamento ficou marcado para daí a poucas semanas. O Arlindo Marques, compreensivelmente intimidado pelas ameaças, pela chantagem e pela tentativa de extorsão veio a público pedir o auxílio da população (cf. aqui). 

Em breve, os voluntários eram suficientes para encher três autocarros que compareceriam no Tribunal de Santarém no dia do julgamento. Eu próprio já antecipava o dia em que faria a viagem do Porto até à capital ribatejana.

Perante a iminência de tamanho escândalo público, a poucas semanas do julgamento, a Cuatrecasas mandou um comunicado para a imprensa, presumivelmente redigido por Paulo Sá e Cunha, a dizer que desistia do processo. Fazendo jus à sua fama de mauzão, ao despedir-se, ele não deixou de proferir, em relação ao Arlindo Marques, uma bravata do género: "Agarrem-me senão eu mato-o!"(cf. aqui)

(Continua)

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