02 abril 2025

POPULISMO (6)

 (Continuação daqui)



6. O povo zangado


Nunca ninguém viu o Presidente Trump a sorrir. Parece sempre zangado. É assim com todos os líderes populistas, eles falam alto, eles gritam, eles esbracejam, eles estão sempre zangados.

O populismo é o povo zangado.

O povo zangado, mas zangado com quem?

Zangado com as chamadas elites.

O povo está zangado, em primeiro lugar, com os políticos tradicionais da democracia que, em lugar de governarem para o benefício do povo, governam para o seu próprio benefício. O povo não compreende, por exemplo, a gritaria permanente dos deputados uns com os outros na Assembleia da República e em que medida essa gritaria é útil para alguma coisa. E certamente se apercebe que a esmagadora maioria dos deputados não conseguiria ganhar num emprego privado nem um terço daquilo que ganha no Parlamento.

Mas o povo não está zangado apenas com os políticos e os partidos tradicionais.

O povo está zangado com todos aqueles que se aproveitam do Estado democrático para, em lugar de servirem  o demos, se servirem a si próprios, e isso inclui muitos outros grupos socio-profissionais como os juristas, os gestores públicos, os professores, até os padres.

O exemplo dos juristas e do seu monopólio do sistema de justiça ilustra o caso na perfeição. A justiça está apropriada por três corporações - advogados, juízes e magistrados do MP. Os advogados parecem não estar nada mal, com as suas sociedades a prosperarem e a facturar centenas de milhões ao ano (cf. aqui). Os juízes e os magistrados do MP também não se podem queixar, recebendo os mais altos vencimentos da função pública (cf. aqui) e reformando-se com as mais altas pensões de reforma que o Estado concede no país, com o benefício adicional de não prestarem contas a ninguém.

Só há um grupo que está mal no sistema de justiça, precisamente aquele para o qual o sistema de justiça foi criado - o povo. O povo queixa-se que os serviços de justiça prestados pelo Estado são miseráveis e, nos inquéritos de opinião, consistentemente classifica o serviço de justiça como o pior serviço público do país.

E o que dizer das escolas públicas? Os sindicatos dos professores têm conseguido obter, ao longo dos anos, grandes benefícios para a carreira dos professores, muito superiores àqueles de que goza o português comum ou até o funcionário público comum. As escolas públicas - que são sobretudo frequentadas pelos filhos do povo - essas, é que todos os anos caem nos rankings em comparação com as escolas privadas.

No caso das universidades, gastam-se milhões de euros em projectos de investigação que visam encontrar as causas de todos os males que existem no mundo - todos sem excepção, incluindo o assédio sexual - e que, afinal, se resumem a uma só, e que já está encontrada há muito - o neoliberalismo (cf. aqui., min 8:42 a 9:02)

Mas a zanga do povo não é apenas com as elites do sector público. É também com as elites do sector privado, sobretudo com os gestores das grandes empresas - as chamadas elites gestionárias (managerial elites). A concorrência e a globalização necessária à expansão dos lucros e dos mercados levam frequentemente à falência empresas que são o único empregador em certas vilas e aldeias, destruindo as comunidades locais e arruinando a vida das pessoas. 

É contra tudo isto que o povo está zangado.

(Continua acolá)

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