(Continuação daqui)
(Autor: FA)17. A sentença inquisitorial perfeita
Foi um dos momentos mais sombrios de todo este processo, e aconteceu durante a leitura da sentença no Tribunal de primeira instância de Matosinhos.
O protagonista foi o juiz João Manuel Teixeira.
Na altura, descrevi o momento neste blogue: cf. aqui: (um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, especialmente o quarto e o nono posts da série).
Tendo-me absolvido do crime de difamação agravada ao eurodeputado Paulo Rangel, o juiz passou ao crime de ofensa a pessoa colectiva de que eu era acusado pela sociedade de advogados Cuatrecasas.
Não sem antes invocar um instituto jurídico conhecido por "Alteração não-substancial dos factos". Este instituto mantém o crime de que o réu é acusado (ofensa a pessoa colectiva), mas altera o facto ilícito que lhe dá origem.
Segundo o juiz, o facto ilícito deixava de ser eu ter denegrido a reputação da sociedade Cuatrecasas e passava a ser eu ter posto em causa a relação de confiança entre os advogados da Cuatrecasas e o seu cliente, Hospital de S. João do Porto.
Neste preciso momento, e antes de o juiz prosseguir a leitura da sentença, eu estava ali na posição de réu, de pé, a ouvir a sentença, sem motivo - o juiz já me tinha absolvido de difamação ao Paulo Rangel e agora deitava para o lixo a queixa da Cuatrecasas. O juiz não reconhecia nenhuma das queixas que me tinham levado ao tribunal.
O pior estava para vir. Depois de proceder à alteração não-substancial dos factos, o juiz declarou que eu tinha cometido o crime de ofensa a pessoa colectiva por ter posto em causa a relação de confiança entre a Cuatrecasas e o seu cliente, Hospital de S. João (um caso de "Preso por ter cão ou por não ter"). Em seguida, apresentou como prova do crime um e-mail que eu próprio tinha levado ao processo para minha defesa, e depois condenou-me em quatro mil euros de multa ao Estado e em cinco mil de indemnização à sociedade de advogados.
Tinha sido a sentença inquisitorial perfeita. O juiz acusa, o juiz usa como prova do crime elementos que o réu apresentou para sua defesa, e finalmente o juiz condena sobre a sua própria acusação.
A tudo isto eu assisti, de pé, sem me poder defender.
Os tribunais portugueses não violaram apenas o meu direito à liberdade de expressão, como esta semana o TEDH veio declarar por unanimidade de sete juízes. Violaram também outros direitos humanos ainda mais básicos, como o direito à defesa (artº 6º da CEDH) e o direito à não-auto-incriminação. Esta sentença é uma coisa absolutamente medieval e inquisitorial que acontece em pleno séc. XXI em Portugal. Eu imagino que está longe de ser única.
Numa das sessões anteriores, num momento de maior relaxe, o juiz, virando-se para os advogados, disse a certa altura "Eu também já estive nesse lugar". E depois, apontando para o magistrado do Ministério Público, acrescentou: "E nesse também".
Quer dizer, o juiz João Teixeira já não estava no Ministério Público, que é o sucessor da Inquisição. O Ministério Público é que, claramente, ainda estava nele.
(Continua acolá)
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