VII. "O sistema"
Estou agora em condições de reiterar a resposta à pergunta que já formulei noutra altura relativa ao meu case-study (cf. aqui).
Afinal, cometi algum crime, ou pelo contrário, fui condenado por coisa nenhuma?
Não, não cometi crime nenhum. Fui condenado por coisa nenhuma.
Fui condenado com base num erro de jurisprudência segundo o qual não se pode dizer em relação a uma sociedade de advogados como a Cuatrecasas aquilo que se pode dizer em relação à TAP, à CGD ou a uma figura pública, como o Paulo Rangel.
A verdade é que se pode, e em muitos casos, deve-se.
Esta é a jurisprudência do TEDH relativa ao conflito entre o direito à liberdade de expressão e o direito ao bom nome. Tendo Portugal sido historicamente um dos países que mais combateu a liberdade de expressão, esta jurisprudência tem demorado a entrar no país. Mas já chegou aos tribunais superiores, como o Supremo ou a Relação. Não chegou foi ainda na totalidade a Matosinhos.
Quando se judicializa uma questão política, quem fica mal é a justiça. E a justiça aqui fica mal porque condenou um inocente, que é o pior dos erros judiciais (o outro, absolver um culpado, não é tão grave). Espero que o erro seja corrigido na Relação do Porto.
O nosso sistema de justiça, independentemente da judicialização de questões políticas, é muito propenso a cometer estes erros, devido à sua tradição inquisitorial.
No tribunal, estão dois acusadores, o Ministério Público e o queixoso (chamado assistente, normalmente representado por um advogado), mas apenas um só defensor - o advogado do réu. É imperioso pôr o Ministério Público fora dos tribunais para equilibrar os pratos da balança.
No meu caso, aquele desequilíbrio natural foi muitíssimo mais acentuado, e eu próprio contribuí para isso.
Durante os quatro meses que durou o julgamento, passaram pela sala do tribunal dezoito pessoas pelo lado da acusação e apenas duas pelo lado da defesa.
Pelo lado da acusação:
-dois magistrados do Ministério Público;
-dois advogados de acusação;
-catorze testemunhas (dez advogados e quatro administradores públicos);
Conhecendo perfeitamente a jurisprudência, e sabendo de antemão que mais cedo ou mais tarde seria absolvido, eu próprio decidi esticar a corda e não nomear testemunhas. E só após uma longa discussão com a minha advogada, acabei por ceder, aceitando nomear uma - mas seria só uma. Portanto, pelo lado da defesa, passaram pelo tribunal apenas duas pessoas:
-uma advogada de defesa;
-uma testemunha.
Este desequilíbrio de 18-2 torna-se ainda mais acentuado quando se olha para as corporações e os lobbies que estavam do lado da acusação:
-um grande partido político (PSD);
-o Ministério Público, a representar o Estado português;
-a corporação dos advogados (12 das referidas 18 pessoas são advogados);
-a Cuatrecasas que é, em si própria, uma grande corporação;
-uma grande instituição pública - o HSJ -, através de quatro dos seus ex-administradores;
-uma grande associação empresarial, a Associação Comercial do Porto (quatro das testemunhas pertenciam à direcção da ACP, incluindo o seu presidente);
-a Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto (nove dos advogados vinham de lá);
-e ainda um ex-juiz do Tribunal Constitucional.
Por outras palavras, eu tinha "o sistema" contra mim. E a "casta" do sistema (*).
A pergunta que imediatamente ocorre é a seguinte:
Mas porquê este arsenal todo? Para dar cabo de mim?
Sim, mas não apenas de mim. Era sobretudo para dar cabo da obra do Joãozinho, porque essa é que é a verdadeira espinha atravessada na garganta do sistema.
Tenho procurado várias vezes pôr-me na posição do juiz, perguntando-me se deixaria sair de lá este réu completamente absolvido.
A minha resposta é invariavelmente Não. Seria a humilhação completa do "sistema".
Por isso, não tenho nada contra o juiz, apesar do erro que cometeu. Os homens erram. O juiz é a principal vítima dos políticos, que sendo ao mesmo tempo advogados, mais contribuem para politizar a justiça. Ele teve a tarefa mais difícil de todas. Fiquei com consideração por ele e antecipo que vai fazer uma excelente carreira.
Tenho é uma coisa contra "o sistema", sem o pretender - isso é que parece estar mais que visto.
É a obra do Joãozinho.
(Continua)
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(*) O meu post "a casta" (cf. aqui) foi levado para o tribunal pelos advogados de acusação e está no processo. Partes dele foram lidas por duas vezes no tribunal pelo advogado Adriano Encarnação, na primeira sessão e nas alegações finais.
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