20 agosto 2024

A Decisão do TEDH (296)

 (Continuação daqui)


Fonte: cf. aqui


296. O Dr. Adriano


Na novela judicial "O Juiz Pistoleiro", tal como na sua congénere "The Blue Bag" (cf. aqui), alguns dos personagens são inspirados em figuras da vida real.

Joe Pistolas tinha morto o seu irmão a tiro num duelo, e a viúva, Josefa Pistolas, sua cunhada, pô-lo em tribunal, reclamando uma sonora indemnização. Para o efeito contratou o advogado Adriano, um conhecido advogado de província muito dado a salamaleques, e que andava sempre acompanhado pelo filho.

O capítulo 24 da novela, escrito em Novembro de 2019, com o título "Sacesse fi" (cf. aqui), relata o momento em que o advogado Adriano apresenta a factura dos seus serviços a Josefa Pistola, aqueles que já tinha prestado mais aqueles que ainda estavam por prestar. 

Aquilo que eu não poderia imaginar na altura é que o que aconteceu a Josefa Pistolas em 2019 me iria acontecer a mim próprio em 2024. Mas eu já deveria ter alguma intuição na altura porque existem dois sinais premonitórios na novela. 

O primeiro é que, com aquela "sacesse fi", o advogado Adriano ficava com toda a indemnização de Josefa, e não chegava. Ora, o mesmo me aconteceu a mim com a indemnização que me foi concedida pelo TEDH (cf. aqui).

O segundo foi a analogia com os honorários dos médicos, embora com uma ligeira diferença. É que enquanto o dermatologista do filho de Josefa Pistolas cobrava apenas 70 euros à hora, o médico do meu ex-advogado cobrava 420 (cf. aqui).

Mas o melhor é mesmo reproduzir parte do capítulo 24 da novela "O Juiz Pistoleiro":


Enquanto isto, no Porto, Rua da Picaria,  à mesma hora, o Dr. Adriano, acompanhado do filho, recebia no seu escritório Josefa Pistolas, a viúva de Tozé, o irmão que Joe Pistolas tinha morto no duelo. A reunião tinha sido convocada pelo Dr. Adriano para assinarem os contratos de representação judicial. Afinal, já iam na sexta sessão do julgamento e ainda não tinham assinado os contratos.


À chegada, o Dr. Adriano tratou a Josefa por Excelentíssima, Formosíssima Senhora Dona Josefa Pistolas, fazendo Josefa sentir-se como se fosse uma rainha. Depois explicou-lhe que a sua sociedade de advogados se fazia remunerar por duas vias, uma variável, outra fixa, que eram objecto de dois contratos separados.

A Josefa abanava a cabeça afirmativamente  como se isto de assinar contratos fosse algo que ela fazia todos os dias ao pequeno almoço.

O Dr. Adriano mostrou-lhe então os dois contratos, que já estavam redigidos, só faltava ela assinar. E começou com o contrato respeitante à parte variável. A cláusula primeira dizia que a sua sociedade de advogados, em representação de Josefa Pistolas, iria pedir 18 milhões de euros de indemnização ao cunhado, Joe Pistolas.

-Está Vossa Senhoria de acordo com esta indemnização de dezoito milhões de euros?...,

perguntou cerimoniosamente o Dr. Adriano.

Assim que ouviu falar em milhões de euros, a Josefa revirou os olhos... revirou…. revirou... e, a gaguejar e com os olhos muito luzidios, finalmente respondeu:

-Eu cá… senhor doutor… eu cá acho bem... tudo o que o senhor doutor achar...eu cá também acho… porque eu… tenho muita confiança... no senhor doutor…

Foi o que o Dr. Adriano quis ouvir. Fez um vê de contabilista sobre a cláusula primeira e passou à segunda. Sobre a indemnização que vier a ser decidida pelo tribunal, explicou o Dr. Adriano, a sua sociedade de advogados iria cobrar uma success fee de 120%.

-Está Vossa Excelência Reverendíssima de acordo com esta success fee de cento e vinte por cento?...

perguntou o Dr. Adriano.

Embora não soubesse o que era uma success fee, Josefa Pistolas, agora que já se imaginava rica, não se deu por achada. Pôs o dedo indicador direito no queixo e olhou para o tecto a pensar... a pensar… a pensar.

E acabou por pensar bem. Pensou assim:

-Com 18 milhões na poche eu compro tudo neste mundo... mesmo essa tal coisa... dos cento e vinte por cento... e da sacesse fi… ou lá o que isso é...

e respondeu que Sim ao Dr. Adriano. Foi o que ele quis ouvir, e imediatamente lhe deu o contrato para assinar, o que ela fez com letras garrafais:

-Ju-ze-fa  Pes-to-las.

Passaram então ao contrato respeitante à parte fixa. Pelo trabalho já realizado no processo - preparação dos autos, comparência em julgamento, intervalos para tomar café, etc. -, e por aquele que iriam ter de realizar - o Dr. Adriano e o filho, que acenava afirmativamente com a cabeça a seu lado - até todos os recursos estarem esgotados, e incluindo o recurso posterior para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a Josefa iria pagar dois milhões e cem mil euros à sociedade de advogados, IVA já incluído.

A Josefa ficou a olhar estarrecida para o Dr. Adriano sem ser capaz de articular palavra. Foi o Dr. Adriano que continuou:

-Vossa Excelência... da última vez que foi com o seu Adoradíssimo filho... ao Competentíssimo dermatologista... quanto pagou?…

-Setenta euros…

respondeu a Josefa ainda sem ser capaz de dizer mais nada.

-Pois... também é essa a taxa  horária que aqui na sociedade levamos pelos nossos Excelentíssimos, Valiosíssimos serviços de assessoria jurídica... Agora... setenta euros à hora... vezes... trinta mil horas de trabalho com o seu caso… é só Vossa Excelência Meritíssima fazer as contas…


(Continua acolá)

  

 

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