19 novembro 2019

O Juiz-Pistoleiro (24)

(Continuação daqui)


O Juiz-Pistoleiro
(Novela)

Cap. 24. Sacesse fi


O A320 da TAP voava há duas horas sobre o Atlântico, com o sinal de sequestro activado, em direcção a Nova Iorque. O tempo em rota estava bom e podia ver-se do alto o azul claro do mar. A bordo, o ambiente era agora mais tranquilo.

No cockpit, o co-piloto permanecia aos comandos, monitorizando os instrumentos, enquanto o avião era conduzido pelo piloto automático. O comandante continuava a assegurar as transmissões com o aeroporto JFK em Nova Iorque.

Os americanos estavam agora mais tranquilos depois de o comandante os ter convencido que o sequestro de um avião, feito por portugueses, acabava sempre bem. Atrás do comandante, sentado no jump seat estava o juiz Francis dos Coldres.

O juiz almoçava perna de frango porque o prato de peixe não lhe tinha cheirado bem. Segurava a perna do frango com a mão esquerda porque o indicador da direita continuava a acariciar o gatilho da pistola, que permanecia encostada à nuca do comandante.

Lá atrás, na cabine, a calma era total em parte porque o avião ia meio-vazio, mais de metade dos passageiros não tinham conseguido embarcar. A única cena digna de nota ocorria no lugar 14B onde Joe Pistolas permanecia sentado, com o cinto apertado e as mãos algemadas.

A nota saliente era dada por uma bonita hospedeira que estava sentada nos joelhos de Joe Pistolas, dando-lhe a comida na boca com uma mão enquanto que, com a outra, lhe afastava as melenas da testa. Combinavam um encontro em Slaughterville para essa noite.

Enquanto isto, no Porto, Rua da Picaria,  à mesma hora, o Dr. Adriano, acompanhado do filho, recebia no seu escritório Josefa Pistolas, a viúva de Tozé, o irmão que Joe Pistolas tinha morto no duelo. A reunião tinha sido convocada pelo Dr. Adriano para assinarem os contratos de representação judicial. Afinal, já iam na sexta sessão do julgamento e ainda não tinham assinado os contratos.

À chegada, o Dr. Adriano tratou a Josefa por Excelentíssima, Formosíssima Senhora Dona Josefa Pistolas, fazendo Josefa sentir-se como se fosse uma rainha. Depois explicou-lhe que a sua sociedade de advogados se fazia remunerar por duas vias, uma variável, outra fixa, que eram objecto de dois contratos separados.

A Josefa abanava a cabeça afirmativamente  como se isto de assinar contratos fosse algo que ela fazia todos os dias ao pequeno almoço.

O Dr. Adriano mostrou-lhe então os dois contratos, que já estavam redigidos, só faltava ela assinar. E começou com o contrato respeitante à parte variável. A cláusula primeira dizia que a sua sociedade de advogados, em representação de Josefa Pistolas, iria pedir 18 milhões de euros de indemnização ao cunhado, Joe Pistolas.

-Está Vossa Senhoria de acordo com esta indemnização de dezoito milhões de euros?...,

perguntou cerimoniosamente o Dr. Adriano.

Assim que ouviu falar em milhões de euros, a Josefa revirou os olhos... revirou…. revirou... e, a gaguejar e com os olhos muito luzidios, finalmente respondeu:

-Eu cá… senhor doutor… eu cá acho bem... tudo o que o senhor doutor achar...eu cá também acho… porque eu… tenho muita confiança... no senhor doutor…

Foi o que o Dr. Adriano quis ouvir. Fez um vê de contabilista sobre a cláusula primeira e passou à segunda. Sobre a indemnização que vier a ser decidida pelo tribunal, explicou o Dr. Adriano, a sua sociedade de advogados iria cobrar uma success fee de 120%.

-Está Vossa Excelência Reverendíssima de acordo com esta success fee de cento e vinte por cento?...

perguntou o Dr. Adriano.

Embora não soubesse o que era uma success fee, Josefa Pistolas, agora que já se imaginava rica, não se deu por achada. Pôs o dedo indicador direito no queixo e olhou para o tecto a pensar... a pensar… a pensar.

E acabou por pensar bem. Pensou assim:

-Com 18 milhões na poche eu compro tudo neste mundo... mesmo essa tal coisa... dos cento e vinte por cento... e da sacesse fi… ou lá o que isso é...

e respondeu que Sim ao Dr. Adriano. Foi o que ele quis ouvir, e imediatamente lhe deu o contrato para assinar, o que ela fez com letras garrafais:

-Ju-ze-fa  Pes-to-las.

Passaram então ao contrato respeitante à parte fixa. Pelo trabalho já realizado no processo - preparação dos autos, comparência em julgamento, intervalos para tomar café, etc. -, e por aquele que iriam ter de realizar - o Dr. Adriano e o filho, que acenava afirmativamente com a cabeça a seu lado - até todos os recursos estarem esgotados, e incluindo o recurso posterior para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a Josefa iria pagar dois milhões e cem mil euros à sociedade de advogados, IVA já incluído.

A Josefa ficou a olhar estarrecida para o Dr. Adriano sem ser capaz de articular palavra. Foi o Dr. Adriano que continuou:

-Vossa Excelência... da última vez que foi com o seu Adoradíssimo filho... ao Competentíssimo dermatologista... quanto pagou?…

-Setenta euros…

respondeu a Josefa ainda sem ser capaz de dizer mais nada.

-Pois... também é essa a taxa  horária que aqui na sociedade levamos pelos nossos Excelentíssimos, Valiosíssimos serviços de assessoria jurídica... Agora... setenta euros à hora... vezes... trinta mil horas de trabalho com o seu caso… é só Vossa Excelência Meritíssima fazer as contas…


(Continua)


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