19 agosto 2024

A Decisão do TEDH (295)

 (Continuação daqui)




295. Os jornalistas e a justiça


Faz hoje cinco meses que foi publicado o acórdão do TEDH Almeida Arroja v. Portugal.

O assunto foi noticiado em praticamente todos os órgãos de comunicação do país, e deste ponto de vista não tenho críticas a fazer.

Mas tenho uma outra crítica a fazer, e esta é grande.

Genericamente, os títulos diziam que o Estado português tinha sido condenado e obrigado a indemnizar-me por violação do direito à liberdade de expressão. Mas não houve um jornalista, um só, que tivesse tido o cuidado ou a coragem para identificar os autores da decisão judicial que levou o Estado português à condenação no TEDH.

Nem um.

Posso facilmente especular sobre as razões: incompetência, imaturidade, sectarismo, falta de julgamento, mas acima de tudo medo.

A justiça não vai melhorar em Portugal enquanto não se identificarem e forem trazidos a público os autores das más e das boas decisões judiciais, uns para serem criticados, os outros para serem louvados. Mas, ao contrário do que fazem com os políticos - onde o escrutínio vai ao extremo - os jornalistas portugueses têm um medo radical de submeter a escrutínio público os agentes da justiça. Por isso, nem sequer os identificam, quanto mais comentarem as suas decisões. Têm medo das represálias.

É esta falta de escrutínio público um dos principais responsáveis pelo estado da justiça em Portugal.

Foi um leitor do Observador que solitariamente, na caixa de comentários à notícia (cf. aqui), fez aquilo que os jornalistas deveriam ter feito mas não fizeram, quando escreveu:


José Tomás
19/03/2024
Os juízes da Relação do Porto que proferiram o acórdão (que é público e está disponível online), que deu azo à condenação do Estado Português têm nome, chamam-se Pedro Vaz Patto (colunista deste jornal) e Francisco Marcolino (jubilado), e deveriam ser condenados a indemnizar o Estado por uma decisão que só podia ter este resultado, como, aliás, decorre do voto de vencido que consta do acórdão, da desembargadora Paula Guerreiro. Não tenho especial apreço pelo queixoso, mas, face aos factos por cuja prática foi condenado e à jurisprudência mais do que conhecida e assente do TEDH, estamos a falar, no mínimo, de negligência grosseira pelo que esta situação não deveria passar em branco.


O leitor  termina dizendo que estamos a falar, no mínimo, de negligência grosseira. Na realidade, foi muito mais do que isso. Foi crime, e não por negligência. Foi crime deliberado (cf. aqui).

Mas enquanto tivermos o jornalismo que temos, a incompetência, a arbitrariedade, a incúria, a irresponsabilidade, o desleixo e o crime vão continuar a reinar livres no sistema de justiça em Portugal.

(Continua acolá

Sem comentários: