(Continuação daqui)
295. Os jornalistas e a justiça
Faz hoje cinco meses que foi publicado o acórdão do TEDH Almeida Arroja v. Portugal.
O assunto foi noticiado em praticamente todos os órgãos de comunicação do país, e deste ponto de vista não tenho críticas a fazer.
Mas tenho uma outra crítica a fazer, e esta é grande.
Genericamente, os títulos diziam que o Estado português tinha sido condenado e obrigado a indemnizar-me por violação do direito à liberdade de expressão. Mas não houve um jornalista, um só, que tivesse tido o cuidado ou a coragem para identificar os autores da decisão judicial que levou o Estado português à condenação no TEDH.
Nem um.
Posso facilmente especular sobre as razões: incompetência, imaturidade, sectarismo, falta de julgamento, mas acima de tudo medo.
A justiça não vai melhorar em Portugal enquanto não se identificarem e forem trazidos a público os autores das más e das boas decisões judiciais, uns para serem criticados, os outros para serem louvados. Mas, ao contrário do que fazem com os políticos - onde o escrutínio vai ao extremo - os jornalistas portugueses têm um medo radical de submeter a escrutínio público os agentes da justiça. Por isso, nem sequer os identificam, quanto mais comentarem as suas decisões. Têm medo das represálias.
É esta falta de escrutínio público um dos principais responsáveis pelo estado da justiça em Portugal.
Foi um leitor do Observador que solitariamente, na caixa de comentários à notícia (cf. aqui), fez aquilo que os jornalistas deveriam ter feito mas não fizeram, quando escreveu:
O leitor termina dizendo que estamos a falar, no mínimo, de negligência grosseira. Na realidade, foi muito mais do que isso. Foi crime, e não por negligência. Foi crime deliberado (cf. aqui).
Mas enquanto tivermos o jornalismo que temos, a incompetência, a arbitrariedade, a incúria, a irresponsabilidade, o desleixo e o crime vão continuar a reinar livres no sistema de justiça em Portugal.
(Continua acolá)