(Continuação daqui)
165. Uma máfia legal
Vou começar pelo caso do Arlindo Marques, o Guardião do Tejo, largamente tratado neste blogue (cf. aqui). O Arlindo disse que uma empresa de celulose poluía o Tejo. Essa empresa contratou a Cuatrecasas que pôs um processo por difamação ao Arlindo pedindo-lhe uma indemnização de 250 mil euros. Tratava-se de mera liberdade de expressão, mas o Arlindo é guarda-prisional, uma pessoa modesta, e não sabe de Direito. Ficou assustadíssimo - eu posso testemunhar porque falei com ele -, iria ficar toda a vida a trabalhar só para pagar a indemnização. A Cuatrecasas cometeu sobre ele o crime de coacção, utilizando a ameaça do poder do Estado para obrigar ou Arlindo a calar-se e a retratar-se. Foi ilegal? Não. A Cuatrecasas limitou-se a utilizar o sistema de justiça. O caso veio a público e a Cuatrecasas acabou por debandar (cf. aqui) mas, pelo caminho, houve um episódio curioso. O Ministério do Ambiente mandou fazer análises às águas. Porém, o Ministério Público impediu a divulgação dos resultados, que ficaram em segredo de justiça. Até hoje. Mais tarde, eu escrevi o post "Que amor é este?" (cf. aqui)
O caso dos impostos de Saramago (cf. aqui). A Cuatrecasas, em representação de Saramago, cometeu o crime de evasão fiscal, mas foi tudo feito de forma legal. A Cuatrecasas até podia ter na mão o juiz do Supremo que tomou a decisão de anular a dívida fiscal de Saramago, mas nada saltou cá para fora. Não houve crime nenhum, nem de corrupção da justiça. Foi tudo legal.
O meu case-study. A Cuatrecasas acusou-me de ofensa, eu fui condenado, tive de lhe pagar uma indemnização. Agora, veio o TEDH dizer que eu não não cometi crime nenhum. A Cuatrecasas cometeu sobre mim três crimes: calúnia (imputando-me factos criminosos que eu não pratiquei), extorsão (obrigando-me a pagar-lhe uma indemnização sob a ameaça da força do Estado) e enriquecimento ilícito. Mas fez tudo de forma legal. De resto, quem foi condenado no TEDH não foi a Cuatrecasas, foi o Estado.
Mas o exemplo mais importante, é apenas imaginário (cf. aqui). O traficante de droga que quer lavar dinheiro e não é aceite por nenhuma empresa financeira pode ser o cliente ideal para a Cuatrecasas ou para qualquer das suas congéneres. Nem um banco pode aceitar aquele cliente, mas a Cuatrecasas pode fazê-lo perfeitamente, desde que respeite o código de silêncio a que está vinculada pelo estatuto da Ordem dos Advogados, o qual é lei no país.
Quer dizer, a Cuatrecasas, como a Cosa Nostra, dedica-se à criminalidade. Mas existe uma diferença substancial entre as duas. A Cosa Nostra dedica-se à criminalidade ilegal, ao passo que a Cuatrecasas fá-lo sempre de forma legal. Nos crimes que a Cuatrecasas comete, ou nunca há criminosos ou, se há criminosos, nunca é ela, mas alguém por ela (como no meu case-study: o Estado).
A Cuatrecasas é uma máfia legal, a mais paradoxal das instituições económicas, num mercado onde não está sozinha. Vende criminalidade em forma legal, o mais inovador e o mais próspero dos negócios que é possível imaginar.
(Continua acolá)
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