11 maio 2024

A Decisão do TEDH (164)

 (Continuação daqui)


Fonte: cf. aqui


164. Uma espécie de máfia jurídico-económica

A intromissão ostensiva da justiça na política que, em Portugal, levou recentemente à queda de dois governos democraticamente eleitos, não é nova em Espanha.

O processo do independentismo catalão, sobretudo a partir de 2017, não tem sido outra coisa, a utilização indevida do sistema de justiça para resolver um problema que é eminentemente político e que outros países com tradição democrática, como o Canadá e a Escócia, resolveram através de referendos.

Aquilo que agora se reclama em Portugal - chamar ao Parlamento, para prestarem contas, os responsáveis do sistema de justiça, a começar pela PGR -  há muito é reclamado em Espanha e ganhou nova intensidade no passado mês de Novembro, a propósito da chamada Lei da Amnistia.

Em troca do apoio ao governo socialista de Pedro Sánchez, os partidos independentistas catalães ERC (Esquerda Republicana da Catalunha) e Juntos por Catalunha exigiram uma Lei da Amnistia que ilibasse todos os independentistas presos e exilados, incluindo, naturalmente, o presidente deste último partido, Carles Puidgemont, ex-presidente do governo da Catalunha e agora candidato a nova presidência. 

O projecto de Lei da Amnistia falava em lawfare, a utilização abusiva do sistema de justiça para fins políticos e intimidatórios e propunha que o Congresso passasse a escrutinar o sistema de justiça. Foi esta última proposta que desencadeou um enorme protesto por parte do establishment da justiça, incluindo o equivalente espanhol da Ordem dos Advogados e do Conselho Superior da Magistratura.

Mas aquilo que chamou mais a atenção no protesto foi uma insólita unanimidade das grandes sociedades de advogados contra a proposta de Lei, incluindo as catalãs, como a Cuatrecasas -, a maior sociedade de advogados da Catalunha e a segunda maior do país. Todas argumentavam que o escrutínio do Congresso sobre o sistema de justiça era uma inaceitável violação da separação de poderes e um ataque sem precedentes ao Estado de Direito.

Esta inusitada unanimidade desencadeou fortes críticas entre os órgãos de comunicação afectos ao independentismo catalão e a Cuatrecasas foi um dos alvos preferidos, precisamente por ser catalã. Os críticos diziam que, sob o argumento da separação de poderes e da autonomia do poder judicial, se escondiam fortes interesses económicos, frequentemente corruptos.

Aconteceu assim com a plataforma independentista "Octuvre" - uma plataforma que tem por lema "Mentir não sairá gratuito" (cf. aqui) - que decidiu fazer uma pequena história da Cuatrecasas e das teias que ela controla no sistema de justiça espanhol e na política. Ao final do primeiro dos dois vídeos que produziu sobre o assunto, a conclusão da plataforma era a de que a Cuatrecasas é "uma espécie de máfia jurídico-económica" (cf. aqui, min. 9:02).

A questão é a seguinte:

-A Cuatrecasas é uma espécie de máfia ou uma verdadeira máfia?

Trata-se de uma questão que já coloquei anteriormente, mas cuja resposta deixei  em aberto, num primeiro passo a caminho da resposta final (cf. aqui). É que, antes de fornecer a resposta, alguns esclarecimentos eram devidos, por exemplo:

-O que é que caracteriza essencialmente uma máfia?

Resposta: É uma organização dedicada ao crime.

-Tem a Cuatrecasas as mesmas características de uma verdadeira máfia, como a Cosa Nostra?

Resposta. Sim, e já tratei da principal ("a lei do silêncio": cf. aqui), deixando outras para tratar no futuro, por exemplo: a sua submissão a uma justiça privativa; o carácter corporativo da organização; o facto de os seus membros actuarem sempre "disfarçados", nas palavras do Paulo Morais (cf. aqui); a ameaça da força para fazer cumprir a sua vontade.

-Existe alguma característica importante que diferencie a Cuatrecasas da Cosa Nostra?

Sim, existem várias, mas nenhuma lhe retira o carácter de máfia, isto é, de organização criminosa. Existe uma que é mais importante do que todas as outras e que explica o enorme sucesso e o crescimento vertiginoso da Cuatrecasas (e das suas congéneres).

-Em suma, a Cuatrecasas é uma espécie de máfia ou uma verdadeira máfia?

É uma verdadeira máfia. 

Quanto à característica importante que a distingue da Cosa Nostra - sem lhe retirar o carácter de máfia, isto é, de organização criminosa -, o mistério será desvendado no próximo post. 

(Continua acolá)

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