04 abril 2024

A Decisão do TEDH (68)

 (Continuação daqui)

O Mercado dos Crimes, tipo Feira da Ladra, tal como visto pelo cartoonista Fernando Arroja, em que o Estado, através do Ministério Público, é o monopolista. A corporação era na altura liderada por António Ventinhas, o presidente do sindicato. Nas alegações finais, o magistrado X argumentou que eu devia ser condenado porque a CEDH não se aplica a Portugal.  



68. O Mercado dos Crimes

Foi um dos episódios mais divertidos que vivi neste blogue ao longo de todo o julgamento, e muito para além dele. 

Antes de começar o julgamento, já sentado na sala de audiências e com o juiz na sala, a minha advogada chamou-me cá fora e atrás dela trouxe o Papá Encarnação.

Depois de cochichar com o Papá Encarnação veio ter comigo e disse-me: 

-O meu colega está disposto a desistir da acusação se aceitar pagar cinco mil euros a uma instituição de caridade e fizer um pedido de desculpa ao Rangel e à Cuatrecasas lavrado em acta do tribunal.

Respondi imediatamente que não. Voltámos para dentro da sala do tribunal e, minutos depois, começou o julgamento.

Dias depois escrevi um post neste blogue com o título "a preço de saldo" (cf. aqui), que viria a revelar-se explosivo dentro da corporação dos juristas. A minha advogada não gostou, o juiz aparentemente também não, e o Papá Encarnação nunca mais me cumprimentou a partir daí. Passava por mim nos corredores do Tribunal e virava a cara (cf. aqui).

Algum tempo depois, o JN fez um artigo de página inteira acerca do julgamento, onde o episódio era referido e a fonte de informação era este blogue (cf. aqui). A corporação dos juristas envolvidos no julgamento deve ter espumado nesse dia, e eu próprio nunca mais larguei o assunto.

Talvez  me acusassem de ter revelado em público os termos de uma negociação privada. Talvez, nunca soube ao certo. Mas para mim aquilo não era negociação privada nenhuma. Era pura corrupção da justiça. Era o crime de extorsão utilizando o sistema de justiça.

Levaram-me a tribunal com uma acusação de dois crimes e um pedido de indemnização cível que totalizava 100 mil euros (50 mil para o Rangel, 50 mil para a Cuatrecasas), e agora queriam-me vender os crimes com um desconto de 95%? Ainda por cima, crimes certificados pelo Estado, isto é, pelo Ministério Público, que subscreveu a acusação.

Nunca tinha visto um negócio assim, nem com ciganos que, coitados, às vezes são acusados injustamente de proporem negócios destes (cf. aqui).

Não aceitei, e como se tratava agora de matéria económica passei a discorrer longamente neste blogue sobre um novo mercado que eu próprio não conhecia, um mercado que, do lado da oferta tinha um monopolista que era o Estado, na figura do Ministério Público - o mercado dos crimes.

São numerosos os posts neste blogue sobre o mercado dos crimes, por exemplo a série "Crimes em saldo". Creio que nunca um economista tinha teorizado sobre este tema. O economista norte-americano Gary Becker (Prémio Nobel, 1992) já tinha estudado as motivações económicas  dos criminosos (cf. aqui), mas nunca lhe passou pela cabeça que era possível instituir um mercado do crime com o Estado na posição de monopolista.

O assunto acabaria por vir à baila na penúltima sessão do julgamento durante as alegações finais.

Depois de uma longa lenga-lenga, envolvendo citações do Professor Jónatas Machado (cf. aqui), o Papá Encarnação terminou a sua intervenção pedindo ao juiz que me condenasse a pagar "indemnizações elevadas" aos ofendidos.

 Quando chegou a minha vez de falar, terminei, dizendo o seguinte:

-Estou muito admirado que o Dr. Adriano Encarnação tenha pedido a minha condenação numa indemnização elevada. Muito admirado, mesmo. É que, antes do julgamento se iniciar, quando saímos lá para fora por iniciativa da minha advogada, para uma tentativa de conciliação, ele propôs-me desistir da acusação por uma importância muito mais modesta do que os 100 mil euros que me reclama no processo...Propôs-me...

Neste momento, a minha advogada, sentada lateralmente à minha direita, abanava veementemente a cabeça e, olhando em frente, o mesmo fazia o juiz.

-Bom... se não posso dizer...então, eu não digo...,

foi assim que concluí.   

Nem para me defender, na sala do tribunal, eu tive liberdade de expressão. Embora seja certo que, neste caso, toda a gente já sabia o que eu tinha para dizer. Não deixei, porém, de notar o espírito corporativo do  juiz João Teixeira a proteger do ridículo e da humilhação os seus colegas juristas. Ele próprio já tinha sido advogado e magistrado do Ministério Público.

É claro que o juiz só me condenou numa indemnização de cinco mil euros (à Cuatrecasas, nada ao Rangel). Caso contrário, eu teria vindo para aqui dizer que ele foi "Mais papista que o Papa", ou talvez melhor,  "Mais papista que o Papá (Encarnação)". 

(Continua acolá)

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