O motivo da minha reflexão era um post que publiquei na quinta-feira com o título "Só mesmo em crimes" (cf. aqui) e que teve um número extraordinário de partilhas, mais de cinco vezes em relação ao normal.
Este post é uma tal anormalidade estatística que é preciso recuar a um post exposto no blogue há mais de sete meses para lhe fazer concorrência em termos de popularidade (cf. aqui).
O motivo da minha reflexão residia precisamente neste ponto:
-O que é que existiria no post "Só mesmo em crimes" para suscitar um tão grande interesse entre os leitores do Portugal Contemporâneo?
Raciocinando por exclusão de partes, e sabendo que os portugueses não são muito dados a argumentos abstractos, considerei que teriam sido os dois exemplos que forneci no post acerca do funcionamento do mercado criminal em Portugal.
Num dos exemplos, referia a venda do arquivamento de um processo-crime por parte de um magistrado do Ministério Público. No outro, referia um desconto de 95% que me foi proposto sobre dois crimes certificados pelo Ministério Público.
Acabei por me inclinar para este segundo exemplo como sendo a chave da popularidade do post. Nele, eu remetia para outro post que escrevi na altura da proposta (Fevereiro de 2018), mas não dava informação sobre o autor.
Foi este mistério que, na minha opinião, motivou o interesse dos leitores.
Na realidade, um leitor novo do blogue e que não estivesse ao corrente do meu case-study (cf. aqui), ao ler o que escrevi, provavelmente iria interrogar-se:
-Quem é que terá feito tal proposta, terá sido um cigano?
E foi com esta questão a bailar no espírito que eu fui surpreendido no domingo com o episódio Marega.
Existe em cada cultura - e a cultura portuguesa não é excepção - um conjunto de clichés, de estereótipos, de ideias feitas e de preconceitos acerca de outras culturas minoritárias que com ela convivem, e que frequentemente têm pouca aderência à realidade.
Por exemplo, nos países que são o destino da emigração portuguesa, quando se fala em portugueses associa-se logo à ideia de que são padeiros, trabalhadores da construção civil ou, no caso das mulheres, empregadas domésticas.
E, embora seja verdade que existem padeiros, trabalhadores da construção civil e empregadas domésticas entre a população portuguesa, a verdade também é que a esmagadora maioria dos portugueses não são nada disso.
Entre nós, os africanos e os ciganos têm sido frequentemente alvos deste tipo de clichés culturais. Assim, por exemplo, quando alguém pede um preço de 100 por alguma coisa que, mais tarde, está disposto a vender por cinco - como me propuseram a mim - e, mesmo a este preço reduzido realiza um lucro considerável, a reacção de alguns portugueses é a de dizer:
-Isto parece um negócio de ciganos,
mesmo se não existe evidência alguma - por exemplo, através de um estudo estatístico adequado - de que os ciganos fazem mais frequentemente esta proposta de negócio - pedir 100 por aquilo que nem sequer vale cinco - do que o resto dos portugueses.
Pela minha parte, e na idade em que me encontro, gostaria de declarar que nunca me senti enganado por um cigano e nunca um cigano alguma vez me pediu 100 por alguma coisa que, mais tarde, estaria disposto a vender-me por cinco ou, sabe-se lá, por muito menos, caso eu decidisse regatear.
É uma homenagem que eu gostaria de prestar à comunidade cigana que vive no nosso país.
Quanto à questão de saber quem é que me queria vender por cinco mil euros os crimes - devidamente certificados pelo Ministério Público - pelos quais antes me pedira cem mil, a resposta é a seguinte:
-Foi o Papá Encarnação (cf. aqui). Até saiu no jornal (cf. aqui).
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