(Continuação daqui)
117. D. Manuel III
No decreto de nomeação dos membros da Comissão Diocesana para a Protecção de Menores, D. Manuel Clemente, então Cardeal Patriarca de Lisboa, introduz-se assim (cf. aqui):
DOM MANUEL III, CARDEAL-PRESBÍTERO DA SANTA IGREJA ROMANA, DO TÍTULO DE SANTO ANTÓNIO DOS PORTUGUESES NO CAMPO DE MARTE, POR MERCÊ DE DEUS E DA SÉ APOSTÓLICA, PATRIARCA DE LISBOA.
Na Comissão estão vários agentes da justiça portuguesa, para além do juiz Vaz Patto. O mais destacado de todos é mesmo o seu coordenador, José Souto Moura, que já foi Procurador-Geral da República, isto é, chefe do Ministério Público. Não surpreende que o padre Mário Rui Pedras tenha sido tratado segundo os princípios de "justiça" próprios da Inquisição, um dos quais é precisamente o da presunção de culpabilidade (cf. aqui).
Em 2015 o Grupo de Estados Contra a Corrupção (GRECO) do Conselho da Europa, de que Portugal faz parte, adoptou um conjunto de recomendações para prevenir a corrupção entre juízes, magistrados do MP e deputados.
Passados nove anos, nenhuma das seis medidas recomendadas para os juízes está completamente implementada em Portugal. A mais importante de todas seria a adopção de um código de conduta dos juízes - algo que hoje até já os jogadores de futebol são obrigados a assinar - que, entre outras coisas, impeça as situações de conflito de interesses (cf. aqui).
Por isto mesmo protestei junto do novo Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Rui Valério (cf. aqui), e do presidente da Comissão Episcopal Portuguesa, D. José Ornelas (cf. aqui), mas ainda não obtive resposta. A Igreja Católica é cúmplice da corrupção da justiça em Portugal ao chamar magistrados que servem o Estado português para a servir também.
O caso do juiz Vaz Patto desafia toda a imaginação. Sendo juiz de um alto tribunal do país - o Tribunal da Relação do Porto -, o juiz Vaz Patto serve a Igreja Católica nas seguintes capacidades: presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, um órgão da Conferência Episcopal Portuguesa; juiz do Tribunal Patriarcal de Lisboa; membro da Comissão Diocesana para a Protecção de Menores; presidente da Assembleia Geral da Associação "O Ninho"; editor da revista "Cidade Nova" do Movimento dos Focolares.
E qual é o mal?
O seguinte: enquanto juiz, ele presta lealdade ao Estado português e à Constituição e, enquanto membro das diferentes organizações católicas, ele presta lealdade à Igreja e ao Catecismo. Ora, em muitos aspectos, existe uma oposição radical entre a Constituição do Estado português e o Catecismo da Igreja Católica.
A principal resulta de o Estado português ser uma República Democrática ao passo que a Igreja Católica é uma Monarquia Absoluta, na realidade, a única Monarquia Absoluta actualmente existente na Civilização Ocidental, com sede no Vaticano, e representada até há pouco tempo em Portugal por D. Manuel III.
Mas existem outras diferenças, que decorrem da anterior. A Constituição põe a liberdade acima da autoridade, ao passo que o Catecismo põe a autoridade acima da liberdade. É que no protestantismo cristão, que deu origem à democracia, é pela liberdade (de interpretação das Escrituras) que se chega a Deus, ao passo que no catolicismo chega-se a Deus pela autoridade (da Igreja na interpretação das Escrituras).
Quando tem de julgar um caso judicial em que estejam envolvidos estes dois valores, como é que o juiz Vaz Patto decide, pela doutrina do Estado democrático, que põe a liberdade acima da autoridade, ou pela doutrina da Igreja Católica, que põe a autoridade acima da liberdade?
Devia decidir pela doutrina do Estado democrático, que é quem lhe paga para ser juiz. Mas não. Ele decidiu pela doutrina da Igreja Católica, em que não se pode criticar a autoridade (no caso, de um político e distinto advogado, ainda por cima, Professor disto e daquilo: cf. aqui). Quem decidiu pela doutrina do Estado democrático foi o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (cf. aqui).
(Continua acolá)
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