(Continuação daqui)
13. Ladrões-de-Estado
Quando Santo Agostinho, no livro IV do seu clássico "A Cidade de Deus", formulou a célebre tese de que um Estado sem justiça se reduz a um grande bando de ladrões, os ladrões-de-Estado a que ele se referia não eram exactamente como os ladrões-de-estrada, maltrapilhos, desdentados e com a barba por fazer.
Papá Encarnação é o nome carinhoso por que eu trato o advogado Adriano Encarnação da sociedade de advogados Miguel Neiva, Neiva Santos & Associados desde que o conheci. A razão é que ele anda sempre acompanhado pelo filho.
A tese de Santo Agostinho foi inspirada num diálogo entre um pirata e um imperador em que o pirata argumentava que não existia grande diferença entre o bando de ladrões que ele capitaneava e o Estado presidido pelo imperador.
A sociedade de advogados Miguel Veiga, Neiva Santos e Associados é uma versão de província da sociedade de advogados Cuatrecasas, vendendo horas de assessoria jurídica aos milhares a instituições do norte do país onde o PSD se encontra no poder (cf. aqui). Difere da Cuatrecasas, não pela cor partidária, nem porque a Cuatrecasas não o faça também na província (cf. aqui e aqui), mas porque a Cuatrecasas o faz a uma escala nacional, e não meramente aos milhares, mas aos milhões (cf. aqui).
A diferença entre o bando de ladrões comandado pelo pirata e o Estado comandado pelo imperador - conclui-se da conversa entre os dois - está na lei. O imperador rouba sempre de forma legal, ao passo que o pirata é sempre acusado de roubar de forma ilegal. Foi o pirata que ensinou o imperador que, se queria ser um ladrão-de-Estado, tinha de se rodear de juristas.
Quando, após a prolação do acórdão 646/2020 do TC, o Papá Encarnação e o filho pediram ao meu advogado que eu pagasse o capital e os juros aos seus clientes Paulo Rangel e Cuatrecasas, referindo-se às indemnizações destinadas a limpar a honra de ambos, o meu advogado respondeu-lhes como devia. Tratava-se de um roubo em que o lesado acabaria por ser o povo português (cf. aqui).
Quando a lei deixa de estar ao serviço da justiça - conclui Santo Agostinho da conversa entre o pirata e o imperador -, e passa a estar ao serviço do imperador e dos seus juristas, é nesse momento que o Estado deixa de ser uma pessoa de bem, e passa a ser um bando de ladrões, como aquele que era chefiado pelo pirata, mas em versão muito maior.
Depois de proferido o acórdão 229/2021 do TC é que já não havia volta a dar-lhe, a sentença do Tribunal da Relação do Porto transitava em julgado e a pena nela prevista tinha de ser cumprida, prosseguindo depois o processo no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Quando o Direito divergia da Justiça, ao lado da diferença, existia uma enorme semelhança entre o pirata, representando o ladrão-dos mares, e o imperador e os seus juristas, representando os ladrões-de-Estado. A semelhança era que, como o pirata, a especialidade do imperador e dos juristas era roubar, embora, ao contrário do pirata, eles roubassem sempre de forma legal.
Pouco tempo depois, o meu advogado dirigiu-se ao Papá Encarnação a pedir os NIB's dos seus clientes. Passados alguns dias, enviou-lhe os documentos comprovativos das transferências que eu tinha feito para as suas respectivas contas bancárias. Voltou a lembrar o Papá Encarnação que seria o povo português a pagar tudo isto, e que o Estado poderia pedir a restituição do dinheiro indevidamente recebido pelos seus clientes.
O Papá Encarnação respondeu assim (ênfase meu):
(...)
"Em relação ao processo no TEDH, desconheço-o em absoluto [mesmo se ele é mencionado em todas as peças processuais desde há ano e meio], bem como os meus Constituintes que nunca foram citados ou notificados para o mesmo, não aceitando como certa a consequência que refere, mesmo em caso de alguma decisão positiva para o seu cliente."
Por outras palavras: "Restituir o dinheiro, mesmo sendo o Estado condenado? Tá bem, está..."
Eu imagino hoje o pirata lá no céu a dizer ao imperador:
Eu é que tinha razão...
A legalidade com que rouba
O Papá Encarnação...
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