(Continuação daqui)
12. Capital
Quando tomei conhecimento do acórdão da Relação do Porto que me condenava por difamação ao eurodeputado Paulo Rangel (cf. aqui), depois de ter sido absolvido em primeira instância, recorri desta condenação para o Supremo, como é normal.
E tive a primeira surpresa. O Supremo respondeu-me que não podia apreciar o recurso porque o Tribunal Constitucional não deixava.
A surpresa resultava do facto de a resposta implicar que o Supremo Tribunal de Justiça deixara de ser o supremo tribunal do país, cedendo o lugar ao Tribunal Constitucional, que é um tribunal político (e não um tribunal de justiça como o Supremo).
Recorri então para o Tribunal Constitucional dizendo, na essência, o seguinte:
-Pretendo exercer o meu direito ao recurso consagrado no artº 32º da Constituição.
O Tribunal Constitucional, através de uma decisão sumária (preço: 714 euros) respondeu-me assim.
-Pois... mas nós não deixamos.
O processo tinha de um lado o eurodeputado Rangel e mais uns militantes do PSD disfarçados de advogados na sociedade Cuatrecasas, e a decisão sumária do TC vinha assinada por uma juíza com o mesmo apelido Rangel e que tinha sido nomeada pelo PSD para o Tribunal Constitucional.
Eu não podia acreditar. A falta de vergonha era total, a qual eu explico hoje por a "juíza" Rangel não ser uma juíza de verdade mas uma "juíza-faz-de-conta" e, portanto, não conhecer o código de conduta dos juízes que a deveria ter levado a recusar a encomenda.
Entretanto, tinha sido publicado o acórdão 31/2020 que reconhecia a quatro guardas da GNR, que se encontravam na mesma situação do que eu, o direito constitucional ao recurso.
Eu fiz então um segundo requerimento invocando o acórdão 31/2020 (preço para os guardas: gratuito) e onde, basicamente, continuava o diálogo que tinha encetado antes com o TC:
-Pois... mas deixaram aos guardas da GNR...
O Tribunal Constitucional respondeu-me no acórdão 646/2020 (preço: 2040 euros), de que foi relatora a juíza Rangel, mas assinado por todos os juízes da 3ª Secção. E a resposta foi assim:
-Pois... mas não deixamos a si...
e dava-me uma explicação que não lembraria ao diabo. É que o acórdão 31/2020 ainda não tinha ido ao Plenário (mesmo se, entretanto, tinham passado dez meses sobre a sua publicação, tempo mais que suficiente para o levarem ao Plenário) e, portanto, a decisão nele contida ainda não era definitiva.
Eu fiz então um derradeiro requerimento ao Tribunal Constitucional que se pode resumir assim:
-Então, por favor, suspendam a decisão do 646/2020 em relação a mim até levarem o 31/2020 ao Plenário e depois apliquem-me a mim a mesma decisão que aplicarem aos guardas da GNR.
O TC respondeu-me no acórdão 229/2021 (preço: 2040 euros), sempre com a juíza Rangel a relatora, e agora com a assinatura de todos os juízes do TC em Plenário (os juízes do TC não tiveram até hoje tempo para levar o 31/2020 ao Plenário, mas levaram imediatamente ao Plenário esta decisão). No meio daquela incrível verborreia, a resposta resumia-se numa palavra:
-Não.
Ora, logo que, em Novembro, foi publicado o acórdão 646/2020, o Papá Encarnação (cf. aqui) da sociedade de advogados Miguel Veiga, Neiva Santos & Associados (outro coio do PSD que continua a exibir na designação social o nome de um falecido barão deste partido) escreveu ao meu advogado a reclamar que eu pagasse aos seus clientes "o capital e os juros". O meu advogado respondeu-lhe num e-mail que eu reproduzi neste blogue (cf. aqui).
Nesse dia eu tive mais uma surpresa.
Na minha vida de mais de 40 anos como professor de Economia, e economista profissional, foi a primeira vez que ouvi chamar capital ao produto de um saque.
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