30 setembro 2018

O Grande Mistério (IV)

(Continuação daqui)

IV. O meu herói


Tinham decorrido dois meses e quatro sessões do meu julgamento, estávamos no início de Abril, e o magistrado X era, por essa altura, definitivamente o meu herói, sem qualquer concorrência à vista.

À saída da sala de audiências, ainda nos corredores do tribunal, eu aproveitei a indignação da minha advogada (cf. aqui), para marcar uma reunião com ela daí a dois dias, com um único ponto na ordem de trabalhos: preparar o interrogatório que ela iria fazer ao seu colega Avides Moreira na próxima sessão do julgamento, agendada para 4 de Maio.

Na sessão anterior, o magistrado X tinha deixado o Avides Moreira literalmente encostado às cordas. Não apenas o tinha levado a acusar o seu cliente HSJ do boicote da obra do Joãozinho, como o tinha conduzido a meter os pés pelas mãos e a mentir indiscriminadamente sobre factos que agora pareciam relevantes para a decisão do tribunal.

Nessa primeira reunião seleccionámos os temas sobre os quais o interrogatório iria incidir, enquanto eu lhe apresentava os documentos, que ela iria entregar ao tribunal, pondo a descoberto as mentiras do seu colega. Eu prepararia as munições, mas seria ela a disparar os tiros já que eu não o podia fazer.

Como, porém, estávamos a um mês de distância da próxima sessão do julgamento, acordámos que faríamos outra reunião -  a reunião final - nas vésperas do julgamento, para que a pólvora estivesse fresca.

Entretanto, neste blogue eu comecei a anunciar ao Avides Moreira aquilo que ele deveria esperar. Ele que se preparasse porque ia haver sangue (cf. aqui).  Transmiti-lhe o estado de espírito da colega que o iria interrogar (cf. aqui). Cheguei a dizer-lhe qual a matéria que iria sair no exame (cf. aqui). E, dada a sua inexperiência, também procurei instruí-lo acerca da maneira como uma mulher dá cabo de um homem (cf. aqui). Adversário mais leal do que eu ele nunca deve ter encontrado na vida.

A verdade, porém, é que esta segunda reunião entre mim e a minha advogada nunca viria a realizar-se. E eu acabo de lançar agora um novo mistério, ainda antes de dar indícios sequer de desvendar o Grande Mistério, a saber:

-Por que é que o magistrado X não compareceu à 5ª sessão do meu julgamento?

O novo mistério é o seguinte:

-Por que é que a minha advogada não compareceu à reunião que tinha agendado comigo nas vésperas da 5ª sessão do meu julgamento?

Este mistério eu consigo desvendar. De repente encheu-se de trabalho e não pode comparecer à reunião no dia aprazado - nem em qualquer dos dias seguintes que faltavam para o julgamento. Só voltaria a encontrá-la na manhã do julgamento no átrio do tribunal. Nessa altura, eu já tinha perdido a esperança de vir a ver sangue na sala de audiências nesse dia.

Estava sentada no átrio, visivelmente abatida:

-Este julgamento está a ser muito desgastante...,

disse-me.

-E o Avides Moreira?...,

perguntei.

-Só lhe vou pedir uns esclarecimentos...

e mostrou-me um caderno com algumas notas.

Alguma coisa se tinha passado para a virar desta maneira, algo que eu pressentira desde o dia em que  faltara à reunião e não se mostrara disponível para se encontrar comigo em qualquer dos dias seguintes. Agora, era somente a confirmação.

O interrogatório, que teve lugar logo a seguir, foi, de facto, imensamente frouxo. Uma conversa entre dois colegas de profissão. Nem  uma pinga do sangue que eu imaginava ver jorrar um mês antes. Ao intervalo, cá fora, estava ainda mais abatida.

Disse-me:

-Assim... vai ser condenado...

Sem ainda compreender as razões - faltando-me claramente a argúcia que abunda no meu herói -, eu próprio procurei confortá-la:

-Deixe lá... não atribua importância a isso...se for condenado aqui, serei absolvido na Relação...

Mas já nessa altura, mais do que os sinais que me eram transmitidos por ela,  logo no início da sessão eu tinha tido o sinal mais decisivo de todos de que algo de dramático tinha acontecido.

Foi quando entrei na sala de audiências. Depois de todos os participantes no julgamento terem tomado os seus lugares, eu dei por falta do magistrado X. O meu herói não estava lá. Tinha sido substituído por um colega.


(Continua)

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