21 outubro 2024

A Decisão do TEDH (381)

 (Continuação daqui)




381. Um cemitério de casos


O excelente artigo da académica brasileira Ângela Almeida acaba a concluir que a principal consequência da casuística sobre a justiça é o favoritismo e a corrupção (cf. aqui). 

O artigo é encimado pelos versos (ênfase meu):

"Quem tudo olha quase nada enxerga
 Quem não quebra se enverga, a favor do vento
 Eu não sou perfeito, sei que tenho de errar 
 Mas arranjo sempre um jeito de me desculpar"
 

Foram os jesuítas, no seio da cultura católica, que mais contribuíram para transformar as questões morais em verdadeiras questões judiciais. O pecador apresenta-se perante o confessor admitindo os seus pecados e é o padre que serve de advogado, intercedendo por ele junto do juiz supremo. A tarefa do confessor é encontrar uma razão, um pretexto, uma desculpa, que absolva o pecador perante Deus. Como salienta a autora, vale tudo na lógica jesuítica, incluindo comprar o juiz.

A má fama que os juristas em geral, e os advogados em particular, possuem nos países de tradição católica é uma herança directa do casuísmo e dos padres jesuítas, que o praticaram a outrance, e não é por acaso que os advogados trajam hoje de toga à semelhança da sotaina preta dos jesuítas (*)Existe, ainda assim, uma diferença. Os padres respondem perante o Papa e, em última instância, perante Deus, ao passo que os advogados em Portugal respondem perante o presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados - o advogado Paulo Sá e Cunha -, e seus pares (cf. aqui).

Ora, o advogado Paulo Sá e Cunha, ex-Cuatrecasas, não é nenhum Papa e muito menos um Deus. Bem pelo contrário, durante muitos anos, e até há bem pouco tempo, fez parte de uma corporação de criminosos que utiliza a justiça para ameaçar e coagir pessoas inocentes, e também para as criminalizar e extorquir.  Eu próprio fui vítima dessa corporação de criminosos, cujo escritório do Porto em certa altura foi chefiado por ele. Igualmente vítima foi o Guardião do Tejo, e aí foi ele que, directamente, esteve ao comando das operações (cf. aqui).

Se o casuísmo corrompeu a moral, com os padres a fazer de advogados, imagina-se o que ele fez à justiça, com os advogados libertos das obrigações a que estão sujeitos os padres. Na justiça, a cultura do casuísmo que ainda hoje prevalece em Portugal e que constitui a fonte de toda a corrupção existente no país,  manifesta-se na máxima "Cada caso é um caso", cuja principal implicação é a arbitrariedade das decisões judiciais, a ausência de jurisprudência, a qual explica a falta de respeito (na realidade, o medo) que os cidadãos têm pela justiça do país.

Dois casos semelhantes podem ter desfechos completamente opostos nos tribunais portugueses e isto é assim porque, cada caso sendo único, não existe jurisprudência que valha. A justiça é aleatória, o princípio da segurança jurídica existe apenas em abstracto e para inglês ver, como muitos outros princípios de justiça (v.g., a igualdade de armas entre acusação e defesa, o princípio do juiz natural). A justiça passa a poder ser utilizada de maneira ad hominem, isto é, para perseguir pessoas bem determinadas. 

A palavra jurisprudência deriva do latim, jus (justo) e prudentia (prudência) e serve ao juiz para decidir com prudência, evitando erros judiciais e, em particular, o maior dos erros judiciais - condenar um inocente. No Tribunal Europeu dos Direitos do Homem existe uma jurisprudência firme acerca de cada artigo da CEDH. Essa jurisprudência está publicada (por exemplo, acerca do artº 10º: cf. aqui) e apresenta-se sob a forma de um argumento racional e lógico de interpretação de cada artigo da CEDH.

Foi essa  jurisprudência que me permitiu antecipar a Decisão do TEDH Almeida Arroja v. Portugal ainda antes do julgamento de primeira instância (cf. aqui), e voltar a fazê-lo com certeza absoluta poucos dias antes de a Decisão ser conhecida em Março passado (cf. aqui)

Compare-se essa jurisprudência que é divulgada pelo TEDH com aquilo que em Portugal se chama "jurisprudência". Tomando como exemplo o Código do Processo Penal, no site do Ministério Público (cf. aqui), existe a seguir a cada artigo uma secção com o título "Jurisprudência", seguindo-se a enumeração de vários casos em que esse artigo foi invocado.

Vários casos... na realidade o que está ali não é jurisprudência nenhuma, mas pura casuística, um cemitério de casos sem qualquer nexo racional e lógico entre eles, frequentemente contraditórios, acerca da interpretação que, em cada caso judicial, recebeu cada artigo do CPP.

Aquele cemitério de casos tem um significado simbólico - a morte de uma cultura judicial corrupta, formalística, pomposa e anti-democrática que permanece continuadamente adiada no país.

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(*) Este é um tema para o meu colega Joaquim que anda a estudar o significado do negro na nossa cultura.

(Continua acolá)

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