(Continuação daqui)
381. Um cemitério de casos
O excelente artigo da académica brasileira Ângela Almeida acaba a concluir que a principal consequência da casuística sobre a justiça é o favoritismo e a corrupção (cf. aqui).
O artigo é encimado pelos versos (ênfase meu):
Quem não quebra se enverga, a favor do vento
Foram os jesuítas, no seio da cultura católica, que mais contribuíram para transformar as questões morais em verdadeiras questões judiciais. O pecador apresenta-se perante o confessor admitindo os seus pecados e é o padre que serve de advogado, intercedendo por ele junto do juiz supremo. A tarefa do confessor é encontrar uma razão, um pretexto, uma desculpa, que absolva o pecador perante Deus. Como salienta a autora, vale tudo na lógica jesuítica, incluindo comprar o juiz.
A má fama que os juristas em geral, e os advogados em particular, possuem nos países de tradição católica é uma herança directa do casuísmo e dos padres jesuítas, que o praticaram a outrance, e não é por acaso que os advogados trajam hoje de toga à semelhança da sotaina preta dos jesuítas (*). Existe, ainda assim, uma diferença. Os padres respondem perante o Papa e, em última instância, perante Deus, ao passo que os advogados em Portugal respondem perante o presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados - o advogado Paulo Sá e Cunha -, e seus pares (cf. aqui).
Ora, o advogado Paulo Sá e Cunha, ex-Cuatrecasas, não é nenhum Papa e muito menos um Deus. Bem pelo contrário, durante muitos anos, e até há bem pouco tempo, fez parte de uma corporação de criminosos que utiliza a justiça para ameaçar e coagir pessoas inocentes, e também para as criminalizar e extorquir. Eu próprio fui vítima dessa corporação de criminosos, cujo escritório do Porto em certa altura foi chefiado por ele. Igualmente vítima foi o Guardião do Tejo, e aí foi ele que, directamente, esteve ao comando das operações (cf. aqui).
Se o casuísmo corrompeu a moral, com os padres a fazer de advogados, imagina-se o que ele fez à justiça, com os advogados libertos das obrigações a que estão sujeitos os padres. Na justiça, a cultura do casuísmo que ainda hoje prevalece em Portugal e que constitui a fonte de toda a corrupção existente no país, manifesta-se na máxima "Cada caso é um caso", cuja principal implicação é a arbitrariedade das decisões judiciais, a ausência de jurisprudência, a qual explica a falta de respeito (na realidade, o medo) que os cidadãos têm pela justiça do país.
Dois casos semelhantes podem ter desfechos completamente opostos nos tribunais portugueses e isto é assim porque, cada caso sendo único, não existe jurisprudência que valha. A justiça é aleatória, o princípio da segurança jurídica existe apenas em abstracto e para inglês ver, como muitos outros princípios de justiça (v.g., a igualdade de armas entre acusação e defesa, o princípio do juiz natural). A justiça passa a poder ser utilizada de maneira ad hominem, isto é, para perseguir pessoas bem determinadas.
A palavra jurisprudência deriva do latim, jus (justo) e prudentia (prudência) e serve ao juiz para decidir com prudência, evitando erros judiciais e, em particular, o maior dos erros judiciais - condenar um inocente. No Tribunal Europeu dos Direitos do Homem existe uma jurisprudência firme acerca de cada artigo da CEDH. Essa jurisprudência está publicada (por exemplo, acerca do artº 10º: cf. aqui) e apresenta-se sob a forma de um argumento racional e lógico de interpretação de cada artigo da CEDH.
Foi essa jurisprudência que me permitiu antecipar a Decisão do TEDH Almeida Arroja v. Portugal ainda antes do julgamento de primeira instância (cf. aqui), e voltar a fazê-lo com certeza absoluta poucos dias antes de a Decisão ser conhecida em Março passado (cf. aqui)
Compare-se essa jurisprudência que é divulgada pelo TEDH com aquilo que em Portugal se chama "jurisprudência". Tomando como exemplo o Código do Processo Penal, no site do Ministério Público (cf. aqui), existe a seguir a cada artigo uma secção com o título "Jurisprudência", seguindo-se a enumeração de vários casos em que esse artigo foi invocado.
Vários casos... na realidade o que está ali não é jurisprudência nenhuma, mas pura casuística, um cemitério de casos sem qualquer nexo racional e lógico entre eles, frequentemente contraditórios, acerca da interpretação que, em cada caso judicial, recebeu cada artigo do CPP.
Aquele cemitério de casos tem um significado simbólico - a morte de uma cultura judicial corrupta, formalística, pomposa e anti-democrática que permanece continuadamente adiada no país.
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(*) Este é um tema para o meu colega Joaquim que anda a estudar o significado do negro na nossa cultura.
(Continua acolá)
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