15 maio 2024

A Decisão do TEDH (170)

 (Continuação daqui)

Vasco Moura Ramos, actual director do escritório do Porto da Cuatrecasas


170. Disfarçado de advogado


O sistema de justiça foi feito para proteger as pessoas decentes dos criminosos, não para ser utilizado pelos criminosos contra pessoas decentes.

Duas das actividades das máfias ilegais, como a Cosa Nostra, são a intimidação e o assassinato por encomenda. A Cuatrecasas, na sua qualidade de máfia legal, entrega-se às mesmas actividades, intimidação e assassinato, embora de carácter.

Quem quiser intimidar ou destruir o carácter de uma pessoa, um concorrente de negócios, o presidente do clube rival,  um adversário político ou económico, uma pessoa no seu caminho, dirija-se à Cuatrecasas que ela faz esse trabalho. É o trabalho típico do jagunço, mas feito com toda a legalidade.

O caso do Arlindo Marques é típico (cf. aqui), em que a Cuatrecasas, através de uma equipa chefiada pelo advogado Paulo Sá e Cunha (actual presidente do órgão máximo de justiça da Ordem dos Advogados) faz o trabalho próprio de um jagunço, intimidando-o com um processo judicial e uma indemnização de 250 mil euros para que ele se calasse e se retratasse.

Também no meu caso, houve intimidação e assassínio de carácter para além do processo judicial que agora culminou na decisão do TEDH.

Certo dia todos os membros dos órgãos sociais da Associação Joãozinho - estava já o processo em fase avançada para começar a obra -, recebemos em casa uma carta, igual para todos, redigida pela Cuatrecasas que, no meio de um arrazoado incrível, continha uma ameaça implícita: "Ou abandonam o projecto de fazer a obra ou vão ter problemas".

Pouco depois, aconteceu o inimaginável, e veio através do jornal Público e da jornalista Margarida Gomes.   

Depois do meu comentário televisivo, a Associação Joãozinho (AJ) conseguiu negociar com o HSJ uma versão aceitável do Protocolo tripartido. Segundo esse Protocolo, entre outras cláusulas, o HSJ cedia à AJ o espaço para que esta contruísse o hospital pediátrico, pelo período de três anos, renovável por períodos de um ano.

Mas, entretanto, eu conseguira aquilo que ainda hoje considero o maior sucesso do Projecto mecenático do Joãozinho, que foi o de trazer o Continente ao Projecto. Após várias reuniões, envolvendo a direção da AJ, a administração do Continente e a administração do HSJ, ficou concertado, seguindo uma prática com vários precedentes no HSJ, que este cederia à AJ pelo período de 50 anos, e esta ao Continente, uma parcela de terreno (situado em frente ao IPO-Porto) para este aí instalar um pequeno supermercado, na versão Bonjour. Em troca, o Continente pagaria à AJ 300 mil euros ao ano durante os 50 anos da cedência do espaço (total: 15 milhões), e que esta se comprometia a aplicar integralmente ao pagamento da obra. Este contrato descontado na banca às taxas de juro vigentes na altura, permitiria à AJ realizar imediatamente cerca de 12 milhões de euros, pagando mais de metade do custo da obra (20,2 milhões).

Então, numa bela manhã de Outubro de 2016 recebi um telefonema da Margarida Gomes do Público a fazer-me várias perguntas. Expliquei tudo direitinho. Mais tarde nesse dia, voltei a explicar, desta vez por e-mail (cf. aqui). Havia duas cedências de terrenos, uma para fazer o hospital pediátrico, outra para instalar um supermercado ao abrigo do dossier que eu próprio baptizei com o nome de "Mecenas-Continente" (cf. aqui).

No dia seguinte, num artigo de página inteira e com chamada de primeira página, eu não podia acreditar no que estava a ler. O artigo citava, sem o nomear, um "professor" de Direito, especialista em Direito Público que, obviamente, era a principal fonte da notícia - e não eu que tinha perdido na véspera umas boas duas horas a explicar tudo à Margarida Gomes, e até lhe enviei os dossiers, que eu não sou homem de me envolver em coisas secretas, como a Cuatrecasas.

Em breve cheguei à conclusão que o advogado anónimo era o Vasco Moura Ramos (cf. aqui e aqui), um dos três advogados da Cuatrecasas que entretanto tinham posto a queixa-crime contra mim e pela qual eu já comparecera no Ministério Público. Um grande advogado, como se conclui agora, a julgar pela decisão do TEDH.

E o que é que dizia o artigo? (cf. aqui)

Em síntese, dizia que o HSJ tinha cedido à AJ um terreno para esta aí construir um hospital pediátrico e que eu, presidente da AJ, tinha ido negociar esse terreno com o Continente para aí instalar um supermercado.

A razão principal do meu espanto ao ler o artigo não era tanto aquela que pode parecer mais óbvia, a de que eu era um traficante de terrenos do Estado. Não, era outra. Era a questão de saber como é que eu iria resolver o problema de pôr no mesmo espaço um hospital pediátrico e um supermercado - punha o supermercado em cima do hospital pediátrico ou o hospital pediátrico em cima do supermercado?

Ainda hoje não sei como resolveria este delicado problema de arquitectura.

Há dias, citei o Paulo Morais (cf. aqui) que escreveu que as sociedades de advogados são verdadeiras sociedades secretas e que os seus membros aparecem sempre disfarçados. De facto, seria um caso insólito alguém aparecer em público a dizer: "Muito prazer, sou José Lopes da Silva, mafioso de profissão".

Claro que os mafiosos aparecem sempre disfarçados.

O Vasco Moura Ramos, por exemplo, aparece disfarçado de advogado e, às vezes, também de professor.

(Continua acolá)

Sem comentários: