06 maio 2024

A Decisão do TEDH (155)

 (Continuação daqui)



155. O parvo


Vai para um mês, eu estava a falar com um advogado que tinha um interesse directo na conversa, e que me dizia  que já há por aí advogados a pedir 400 euros à hora.

Eu achei engraçado que já houvesse advogados no país a ganhar em quatro horas aquilo que o português médio ganha num mês (1600 euros) e pensei que não deviam ser da Cuatrecasas porque os advogados da Cuatrecasas não prestam para nada. Até eu, que sou economista, meti meia dúzia deles (cf. aqui) no bolso de uma só vez no seu próprio campo - o do  Direito -, eles a dizerem que havia crime e eu a dizer que não havia crime nenhum (cf. aqui). E depois, foram sete juízes de Estrasburgo (não foi um nem dois, foram sete) a dizer que quem tinha razão era eu.

Acabei por responder: "Pois, pedir 400 euros à hora não custa nada. Custa é imaginar o parvo que os dá" e a conversa ficou por ali. A cultura de impostura vigente na justiça em Portugal - pensei -, permite a qualquer meliante dizer a maior brutalidade com a máxima candura.

Até que hoje tive um sobressalto, depois de escrever o último post (cf. aqui). "Aquilo era bem capaz de ser verdade. E eu era bem capaz de ter descoberto o parvo!"

Nesse post, o Ministério das Finanças era descrito como tendo recentemente contratado a Cuatrecasas por ajuste directo para tratar de um assunto relativo à falência do BES pelo valor de 2,25 milhões de euros. E isto em cima de um outro ajuste directo, este do Banco de Portugal à Cuatrecasas, para tratar de um assunto relativo à falência do Banif, pelo valor de 2,2 milhões de euros (cf. aqui).

Quer dizer, num curto espaço de tempo, o Estado português - através do Ministério da Finanças e do Banco de Portugal, a quem os contribuintes portugueses já pagam grandes departamentos jurídicos - adjudicou directamente, sem concurso público, à Cuatrecasas contratos de prestação de serviços jurídicos no valor de 4,45 milhões de euros. 

Nas grandes sociedades de advogados, uma boa parte do trabalho é feito por advogados estagiários que praticamente não ganham nada, pelo que um preço médio por hora de 100 euros já é muito generoso. Mesmo a esta "modesta" taxa, a Cuatrecasas factura em dois dias de trabalho (16 horas) de um seu advogado aquilo que o português médio só consegue facturar ao seu patrão num mês inteiro.

A este preço, a Cuatrecasas irá trabalhar para o Ministério das Finanças e para o Banco de Portugal, para tratar de dois dossiers apenas, um total de 44 500 horas (quarenta e quatro mil e quinhentas horas). É obra! 

A 400 euros a hora, dá um número mais moderado, mas ainda assim uma brutalidade: 11 125 horas (onze mil cento e vinte cinco horas).

É muita hora, carago!

O parvo estava encontrado. 

O que é que isto tem que ver com a decisão do TEDH?

Muito. Não há parvos em Estrasburgo (cf. post seguinte) 

(Continua acolá)

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