“A REVOLTA DAS MASSAS” – Ortega y Gasset, 1930 – facilitou o acesso do “homem-massa” às profissões liberais, tradicionalmente confiadas a elites intelectuais e consideradas, até ao século XVIII, uma espécie de “pequena nobreza”.
Essa nobreza exigia do homem de elite um comportamento excepcional (noblesse oblige) que Goethe definia como a procura da ordem e da lei, por oposição ao comportamento do homem vulgar ou homem-massa, devotado a gostos plebeus.
Essa ascensão do homem-massa acompanhou o “especialismo” do conhecimento e o aparecimento dos técnicos ignorantes. Isto é, conhecedores da sua área especifica, mas profundamente ignorantes de quem são e do seu lugar no mundo. Ortega y Gasset referiu-se a este fenómeno como “a barbárie do especialismo”.
A mediocridade intelectual do homem-massa nunca lhe permitiria aceder ao verdadeiro conhecimento, do qual ele não tem curiosidade e até desdenha. Mas a democracia popular e o especialismo abriram-lhe as portas das faculdades de medicina, direito, engenharia e letras.
Abel Salazar (1889 – 1946) já se referia a este fenómeno quando afirmou que “O médico que só sabe medicina, nem de medicina sabe”.
As aspirações de homem-massa, focadas no consumismo e no egocentrismo, transformaram o perfil das profissões liberais. Os médicos dessas classes sociais passaram a focar-se mais nos aspectos materiais do que nos intelectuais e a servirem-se dos doentes, mais do que a servirem os doentes.
A quem frequenta os hospitais não escapa o exibicionismo bacoco dos especialistas, com os seus Porsches e Mercedes, com os seus Rolexes e os seus smartphones de última geração. As médicas montadas em sapatos com Stilettos de 15 cm e carteiras da Hermès.
Dois breves episódios da minha experiência pessoal:
— Ofereci um ensaio de filosofia a alguns colegas, por gentileza. O primeiro disse-me com uma gargalhada: “Tu interessas-te por filosofia? Isso é para quem já não tem tesão”.
— Imprimi um artigo que tinha publicado numa revista médica internacional a um colega anestesista que me pareceu interessado no Covid. Pegou no artigo, rasgou-o na minha frente e disse-me: “Põe a máscara e deixa-te destas merdas”.
A superficialidade é outra marca dos médicos-massa. Discutem o enredo da Casa dos Segredos como se fosse um assunto de Estado e arrastam o Jogo e a Bola debaixo do braço como se fosse o New England Journal of Medicine.
O conformismo dos médicos durante a tragédia da Covid é outra prova indiscutível da ascensão do homem-massa na medicina. Falta de sentido crítico, conformismo, falta de curiosidade e falta de responsabilidade, são tudo estigmas do médico-massa.
Situação que infelizmente se estende a todas as outras profissões liberais e que, apesar de tudo, tem honrosas exceções.
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