28 abril 2024

A Decisão do TEDH (135)

 (Continuação daqui)


Marcelo Rebelo de Sousa e o Joãozinho (c. 2009)


135. Presidente De Susa


Eu conheci o presidente Marcelo Rebelo de Sousa no início dos anos 90 quando ambos éramos comentadores da TSF. Voltámo-nos a encontrar há dois anos, por acaso, quando ele se deslocou a Olhão no rescaldo de uma agressão a um imigrante asiático e eu passeava pela cidade.

O presidente Marcelo teve contacto com o Projecto Joãozinho (c. 2009), muito antes de eu próprio me envolver no Projecto. De maneira que, quando a obra foi bloqueada pelo governo da geringonça, eu dirigi-me a ao presidente Marcelo a pedir uma reunião. Pretendia informá-lo sobre o Projecto e pedir-lhe que usasse a sua influência junto do governo para que o espaço fosse desocupado e a obra pudesse continuar.

Respondeu-me através do seu assessor Fernando Lima, a dizer-me que iria agendar uma reunião, que nunca aconteceu. Pelo contrário, nas suas viagens ao Porto começou a visitar o Hospital de S. João e a falar da necessidade de fazer a ala pediátrica. Em breve, compreendi que ele se iria associar ao governo para fazer a obra através do Estado e aparecer como um dos seus patrocinadores, como veio a acontecer.

Foi uma pena que não se tivesse implicado a fazer a obra quando teve contacto com a situação em 2009 e deixasse que as crianças permanecessem por mais dez anos internadas em barracões metálicos.

Um dos males dos políticos em regime democrático, mais acentuado nos países católicos como Portugal, é que eles só fazem, não aquilo que é necessário, mas aquilo em que podem parecer bem. Acabam a tornar-se uns impostores e essa é uma das razões por que a população não confia neles.

A polémica recente das declarações do presidente Marcelo perante jornalistas estrangeiros levou-me de volta a esses tempos (2017-18) em que a obra estava parada, eu lhe pedia uma audiência e, sem resposta, me entretinha a escrever novelas policiais. Na novela "The Blue Bag" (cf. aqui) existe um personagem muito parecido com o presidente Marcelo, é o Presidente De Susa.

Perante a incapacidade de o magistrado Tony Meadow apanhar o criminoso Peter Throw e a ansiedade que se ia estabelecendo na opinião pública, o Presidente De Susa resolveu organizar uma comitiva  de quase 300 pessoas e partir num A320 da TAP de Lisboa para Buenos Aires para ele próprio chefiar a caça ao homem (cf. aqui).

A comitiva incluía vários dezenas de magistrados do Ministério Público, outros tantos juízes de instrução criminal, quarente e sete agentes da PJ e centena e meia de políticos, para além de cozinheiros, motoristas e porteiros. A primeira preocupação da comitiva ao chegar à capital argentina foi estabelecer o per diem, o subsídio diário que cada um dos seus membros iria receber do Estado por esta missão em terras da América Latina. Foi o advogado e conselheiro de Estado, Tony Wolf, que resolveu a questão, sugerindo mil euros por dia, e todos prontamente concordaram.

Nos dias que se seguiram, foi um reboliço nos restaurantes, nos cabarets, nas discotecas e nas casas de meninas de Buenos Aires, e assim continuou durante mais de um mês, até o ministro das Finanças chegar à conclusão de que aquilo estava a agravar o défice de maneira incomportável e mandar regressar toda a gente. Ficaram apenas Tony Meadow e o Presidente, que se recusou a obedecer às ordens do ministro das Finanças.

Ao final de todo este tempo, o progresso para apanhar Peter Throw era nulo, e o único resultado que se tinha atingido com a missão era o de que os portugueses tinham conseguido ficar famosos nos meios femininos de Buenos Aires, com destaque para o magistrado Tony Meadow. Era um sucesso que ele já tivera quando fez escala em Madrid a caminho da Argentina e, após uma curta permanência de três dias, conseguiu juntar 450 chicas madrilenas a despedirem-se dele no aeroporto de Barajas, entoando o refrão (cf. aqui):

No te vayas Tony
Qué las chicas de Madrid
Están llorando por ti...

Quem se mostrou um trabalhador incansável na caça a Peter Throw foi o próprio presidente De Susa que todos os dias, com o embaixador em pânico,  queria falar à imprensa. Chegou a causar um incidente diplomático com os EUA quando declarou ao correspondente do Washington Post em Buenos Aires que a ministra da Justiça do governo português lhe tinha assegurado, na última sessão solene de abertura do ano judicial, que os procuradores portugueses eram os melhores magistrados do mundo (cf. aqui).

A delaração explosiva viria a seguir. Que o mundo ficasse a saber que, se os EUA tinham demorado dez anos a apanhar esse grande criminoso que era Bin Laden, o investigadores criminais do Ministério Público português não demorariam um ano - um ano sequer - a apanhar um criminoso muito maior, o português Peter Throw. Os americanos ficaram naturalmente ofendidos com a comparação.

Mas o grande momento da caça a Peter Throw ocorreu quando o Presidente De Susa resolveu dar uma grande entrevista ao diário argentino La Nación (cf. aqui)

Perante a incredulidade dos jornalistas, o Presidente De Susa começou por dizer que conhecia muito bem Peter Throw, que era um tipo fixe, um herói nacional, que tinha muitas saudades dele, que, quando os argentinos precisassem de privatizar os rios ou vender órgãos humanos ao desbarato era só pedir-lhe porque ele era muito simpático e responderia prontamente ao pedido (o que nunca chegou a acontecer porque entretanto apareceu na Argentina o Roger Milei).

A entrevista caiu que nem uma bomba em Portugal. Então o presidente vai para a Argentina dizer que esse grande criminoso, certificado pelo Ministério Público, Peter Throw, é, afinal, um gajo porreiro, um herói nacional? Ninguém podia acreditar. O presidente de Susa só podia estar lelé da cuca.

Aquilo que chocava mais a opinião pública nacional era que os crimes já estavam certificados pelo Ministério Público (cf. aqui), eram crimes fresquinhos, viçosos. Só muito mais tarde o Papá Encarnação se propôs vendê-los em saldo com um desconto de 95% (cf. aqui). E fez bem porque, anos depois, eles já não valiam nada (cf. aqui). Os crimes são como os automóveis, desvalorizam muito rapidamente.

Na altura, porém, o impacto destas declarações do Presidente De Susa foi muito maior do que aquele que o presidente Marcelo agora produziu, igualmente perante jornalistas estrangeiros, ao dizer que a Procuradora-Geral da República é maquiavélica, que cortou relações com o seu próprio filho, e que nós temos de indemnizar os índios brasileiros por os nossos antepassados lhes terem dado umas chibatadas valentes.

(Continua acolá)

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