19 abril 2024

A Decisão do TEDH (112)

 (Continuação daqui)

Composição do TC que aprovou o acórdão que restringia o direito constitucional ao recurso (a juíza Fátima Mata-Mouros, indicada pelo CDS, é a primeira à esquerda, sentada; e a juíza Maria José Rangel de Mesquita, indicada pelo PSD, a quem foi distribuído o meu processo, é a primeira em pé, à direita)


112. Marçanos da Judicatura


A seguir ao Ministério Público, o maior cancro institucional da democracia portuguesa é o Tribunal Constitucional.

É um tribunal político, a maioria dos seus "juízes" não são juízes nenhuns, mas representantes dos partidos, eleitos pela Assembleia da República por maioria de dois terços dos deputados. Como, ao longo da história da democracia portuguesa só o PS e o PSD fizeram esta maioria, é através do TC que estes dois partidos mantêm o sistema na mão.

Eu nunca tinha tido contacto directo com o Tribunal Constitucional. O primeiro contacto ocorreu no final de 2020, prolongou-se por 2021, e deixou-me de olhos esbugalhados, que era assim que eu ficava agora sempre que tinha contacto com uma nova instituição da justiça.

Eu fora absolvido do crime de difamação agravada ao Paulo Rangel na primeira instância, mas condenado no Tribunal da Relação do Porto. Usei, então, o direito ao recurso previsto na Constituição, para recorrer desta condenação para o Supremo afim de obter (ou não) a chamada dupla-conforme.

O Supremo respondeu-me que não podia atender o meu recurso, em virtude de uma jurisprudência que estava em vigor emanada do Tribunal Constitucional.   Segundo essa jurisprudência, só eram recorríveis para o Supremo as decisões que, tendo condenado inovadoramente o arguido na Relação, implicassem penas de prisão efectiva superiores a um ano. Como a minha condenação era em pena de multa, o meu caso não estava abrangido, e terminei condenado sem dupla-conforme.

Acabei a pagar 4794 euros ao Tribunal Constitucional (cf. aqui) por uma decisão sumária e dois acórdãos que me negaram o direito ao recurso. Este tipo de receita constitui receita própria do TC, em cima da dotação orçamental que o TC recebe do Estado, e serve para pagar despesas discricionárias deste Tribunal, como os célebres popós dos juízes (cf. aqui).  Escusado será dizer que existe um interesse económico em o TC complicar a interpretação da Constituição afim de produzir acórdãos que vende depois aos cidadãos a dois mil euros a peça.

Um Tribunal que fora criado para garantir os direitos constitucionais dos cidadãos acabava, afinal, a restringi-los. A Constituição diz que todos temos o direito ao recurso, sem qualquer restrição. O Tribunal Constitucional veio reescrever a Constituição e impôr restrições - esse direito só vale para condenações inovadoras na Relação que impliquem penas de prisão efectiva superiores a um ano.

Esta jurisprudência - chamemos-lhe assim - foi estabelecida no acórdão 595/2018 de que foi relatora a juíza Fátima Mata-Mouros, que é uma juíza de verdade. Acontece que a juíza Mata-Mouros até aí andava a despachar burlões para a prisão no Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, e agora via-se na posição de fazer jurisprudência sobre direitos constitucionais. Não podia dar bom resultado. 

Neste blogue, eu escrevi então uma longa série de posts com o título "Marçanos da Judicatura" (cf. aqui).

Julgo que tiveram alguma influência porque no final de 2021 uma Lei da Assembleia da República veio repôr o direito constitucional ao recurso na sua plenitude e acabar com a jurisprudência de cordel do Tribunal Constitucional (cf. aqui). 

(Continua acolá)

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