O génio da aventura, como lhe chamou Pascoaes (cf. aqui), constitui uma das maiores virtudes do povo português. Na realidade, só um povo obcecado com a verdade possui esta curiosidade em conhecer tudo o que é desconhecido e o leva aos quatro cantos do mundo, não vá a verdade estar lá do outro lado do mundo. Esta curiosidade exacerbada transforma-se facilmente em espírito de aventura que pode levar o homem português a correr os maiores riscos somente pelo desejo de conhecer a verdade.
Foi assim no século XV. Olhando em restrospectiva, a gesta dos descobrimentos foi uma aventura intrépida (e, em muitos aspectos, relevando de uma imensa falta de julgamento), que levou os portugueses a lançarem-se mar fora, sem saberem ao que iam, em embarcações que hoje não podem senão parecer precárias e inseguras, contra todas as probabilidades e enfrentando todos os riscos. Só um povo obstinado com a verdade, e movido por uma curiosidade sem limites, que não podia senão ter a inspiração de uma mulher, se lançaria naquela aventura.
Modernamente, este espírito de aventura exprime-se de forma mais moderada pelo gosto do português em viajar - especialmente, as mulheres - e que o leva a desejar e a admirar tudo aquilo que é estrangeiro, não vá, de facto, a verdade encontrar-se no estrangeiro. A admiração do português por tudo aquilo que é estrangeiro, e a sua correlativa depreciação de tudo aquilo que é português, tem sido frequentemente reconhecida (cf. aqui), e constitui um dos seus traços distintivos de carácter.
É preciso não esquecer que o português forma as suas opiniões - aquelas verdades que só ele possui e que o distinguem de todos os outros portugueses - por oposição às opiniões de todos os outros portugueses. Neste processo, ele é levado a sobrevalorizar a sua própria opinião ou verdade, em detrimento das opiniões ou verdades de todos os outros portugueses. Daqui deriva a sua tendência para depreciar tudo aquilo que é português, a começar pelos outros portugueses.
Quando vai ao estrangeiro, ele conhece então verdades que os outros portugueses não conhecem e o seu sentido de individualidade, que se define sempre por oposição aos outros portugueses, resulta daí exacerbado. Ele conhece agora agora mais verdades, mais opiniões, mais maneiras de fazer as coisas que os outros portugueses não conhecem. Isto dá-lhe, aos seus próprios olhos, um sentimento de individualidade e uma importância indescritível, que ele exibe gabando tudo o que é estrangeiro e desvalorizando tudo o que é português.
Assim, Eça de Queiroz descobriu a verdade em Inglaterra, nos anos que lá passou, e a partir daí não cessou de exaltar os costumes da Inglaterra e os ingleses, em detrimento dos costumes do seu país e dos próprios portugueses. (v.g., cf. aqui). Ramalho Ortigão meteu-se a caminho e foi passar uma temporada à Holanda. Quando regressou, escreveu um livro em português para dizer aos portugueses uma coisa que, agora, só ele sabia, e mais ninguém - que a verdade estava na Holanda.(*)
A obsessão do homem português pela verdade, a sua curiosidade sem limite em conhecer tudo aquilo que é estrangeiro, conjugada com a maneira como ele define a sua individualidade, que é sempre contra aquilo que é português - e, em primeiro lugar, contra os próprios portugueses -, produz esta variedade de portugueses. São os provincianos. O provinciano é o português que vai ao estrangeiro (outrora, à grande cidade) buscar a verdade para a trazer para o seu país (outrora, para a sua terra). Quando regressa impante, com a verdade debaixo do braço, ele exibe e exalta a verdade que traz consigo do estrangeiro, para menosprezo de todas as verdades que são portuguesas.
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(*) Ramalho Ortigão, Holanda, Lisboa: Lello & Irmão.
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(*) Ramalho Ortigão, Holanda, Lisboa: Lello & Irmão.
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