15 fevereiro 2009

processos impessoais


A generosidade do leitor D. Costa, respondendo ao meu apelo, levou-me a juntar mais alguns intelectuais portugueses à lista daqueles que têm contribuido para a ciência de Ser Português (em breve criarei um nome mais adequado para esta ciência) - o antropólogo Jorge Dias e o poeta Eugénio de Andrade (mais um poeta).

Ambos salientam uma característica em que eu próprio tenho insistido neste blogue - a dificuldade dos portugueses em lidar com o pensamento abstracto. E Jorge Dias salienta também uma característica que, no meu conhecimento, só eu próprio até agora havia salientado - a aversão dos portugueses pela impessoalidade (cf. esta série de posts).

A importância da ciência do Ser Português deve agora parecer óbvia. Por exemplo, na educação. Conhecendo aquilo em que os portugueses são fortes e aquilo em que são fracos, um sistema de educação adequado concentrar-se-ia nas fraquezas culturais dos portugueses, procurando corrigir-lhes o defeitos. Por exemplo, uma das linhas de força desse sistema de educação poria ênfase na educação dos jovens portugueses no pensamento abstracto - uma área onde eles são notoriamente deficitários - e educá-los-ia também no estudo dos processos impessoais.

O tema deste post são os processos impessoais, os quais escapam geralmente - e de forma absoluta -, à compreensão dos portugueses. Um processo impessoal é aquele cujos resultados não dependem de uma pessoa, isto é, aquele em que a responsabilidade (mérito, culpa) pelos seus resultados não pode ser atribuída a uma pessoa em particular.

O processo impessoal mais óbvio é o da natureza. Um terramoto não é da responsabilidade de ninguém, da mesma forma que não se pode atribuir a ninguém o mérito por um magnífico dia de sol. De mais difícil compreensão são os processos impessoais que são humanos - e não meramente da natureza. Dois dos mais conhecidos são a democracia e o mercado. Estes são processos impessoais porque, embora as pessoas participem neles, a responsabilidade (mérito, culpa) pelos seus resultados não pode ser atribuída a nenhuma pessoa em particular.

Exemplificarei com a democracia. Quem pôs José Sócrates a primeiro-ministro? A resposta é: ninguém em particular. A única coisa que se poderá dizer é que foi o povo português que o pôs lá, mas não se pode assacar a responsabilidade desse resultado a nenhum português em particular.

-Nem mesmo ao Sr. Joaquim Antunes, que votou PS nas eleições?

-Não. Porque mesmo que o Sr. Joaquim Antunes não existisse, o PS teria maioria na mesma e José Sócrates seria primeiro-ministro na mesma.
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A minha chamada de atenção aos processos impessoais tem claramente um propósito: se a generalidade dos portugueses não tem compreensão pelos processos impessoais, e mesmo quando a tem, não os aprecia, como podem os portugueses esperar viver de bem com a democracia?

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