15 fevereiro 2009

Não há mais conversa


A propósito deste post, eu gostaria de juntar dois episódios que são reveladores da personalidade do Papa Bento XVI.

Há cerca de ano e meio o Papa chamou ao Vaticano os bispos portugueses. Meses antes tinha feito o mesmo em relação aos espanhóis. Ele sabe que Portugal e Espanha são tradicionalmente os baluartes da defesa da fé católica. Qual foi o objectivo da chamada? Passar-lhes um ralhete, dizer-lhes que eles se tinham de envolver mais activamente na defesa dos princípios da sua religião. Os resultados estão à vista na frontalidade e na clareza com que a Igreja apresentou a sua posição contra o casamento gay.

O segundo episódio é de uma passagem (que agora não consigo localizar) de um livro sobre o Papa, ocorrido nos anos noventa, quando ele era ainda Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé - a parte da cúria romana que zela pela pureza doutrinal da Igreja. Vários teólogos católicos debatiam acesamente uma causa fracturante (suponho que a ordenação das mulheres). Ele deixou que a discussão decorresse durante anos. De um lado, uma corrente conservadora, contra a ordenação das mulheres, do outro, uma corrente progressista, a favor, e dentro de cada uma delas ainda sub-correntes, com várias nuances.

Numa igreja protestante esta discussão teria continuado indefinidamente - e é assim que o protestantismo acaba frequentemente na indefinição doutrinal que lhe é ruinosa. Quem está de fora a observar, fica sem saber de que lado está a verdade e acaba por concluir que a verdade não existe, ou que tudo é verdade. Daí o relativismo moral típico do protestantismo e a que o Concílio Vaticano II também abriu as portas dentro da Igreja Católica.

Porém, o Cardeal Ratzinger agiu então como deve agir uma verdadeira autoridade católica. Vendo que a discussão se prolongava indefinidamente e nunca se chegaria a acordo, não só reafirmou a posição oficial da Igreja sobre o tema (contrária à ordenação das mulheres), como - o que é mais importante - proibiu, dali por diante, toda e qualquer discussão sobre o assunto dentro da Igreja. Por outras palavras: Acabou-se a conversa.

Eu estou a imaginar, na sua visita a Roma, os bispos portugueses a perguntarem ao Papa qual a posição a defender em público acerca de certos temas fracturantes, como a ordenação das mulheres ou o casamento gay:

-Não tem nada que saber ... Pegam no Catecismo e defendem o que lá está...
(O actual Catecismo da Igreja foi elaborado nos anos noventa por uma comissão presidida pelo Cardeal Ratzinger)

-Então e as objecções que têm sido levantadas acerca desta e daquela questão?...

-Objecções... quais objecções? ... Não há mais conversa.... Pegam no Catecismo e defendem o que lá está!...

E é isso que os bispos estão a fazer.

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