15 novembro 2008

Should I stay or should I go?


Tenho estado a seguir os últimos posts de PA (nomeadamente este, este e este ) e, a exemplo do que o ccz também observou numa caixa de comentários anterior, sinto uma certa tristeza. Infelizmente, eu entendo este estado de alma que o meu pai exibe.

Parte da minha infância foi vivida no Canadá. Apesar de ter nascido no Porto em Abril de 1978, apenas oito meses depois fui com os meus pais para Otava - a capital administrativa canadiana. Foi no Canadá que aprendi a ler e a escrever. Primeiro, em inglês, na escola primária que frequentava - a Viscount Alexander, que tive oportunidade de rever há dois anos atrás durante uma curta viagem de férias. E só depois em português, na escola dos emigrantes que frequentava, salvo erro, ao sábado de manhã. Quando em 1986 regressámos a Portugal, ao Porto, fomos viver para a Arca de Água, mas por pouco tempo. Uns meses depois mudámos para a Travessa da Ferreira, que fica nas traseiras do pólo de Medicina Dentária da Universidade Fernando Pessoa, onde ficámos 15 anos.

A Ferreira era uma travessa comprida, em forma de "T", na qual os carros raramente circulavam no eixo horizontal e onde os putos podiam brincar à vontade. Como a maioria dos miúdos na Ferreira eram rapazes, o passatempo preferido era jogar à bola. Certo dia, eu decidi organizar um "evento". Propus-me convocar todos os miúdos, da Ferreira e da redondezas, para uma grande partida de futebol, à qual não faltaria a assistência da população adulta do bairro. Falei com todos os putos que conhecia. Escrevi uma carta que, meticulosamente, coloquei às dezenas nas caixas de correio, na qual convidava as pessoas para o jogo a realizar-se na Travessa da Ferreira às tantas horas no dia X. Reuni bancos e cadeiras para colocar na berma do passeio de forma a acomodar os espectadores. E tratei de arranjar uma câmara de filmar para guardar o evento para a posteridade. Estava tudo a postos. Infelizmente, no dia marcado, para minha decepção, ninguém apareceu. Nem miúdos nem graúdos! Uma tragédia. Acho que foi a primeira grande desilusão da minha vida.

Tivesse esta estória tido lugar no Canadá e, provavelmente, o desfecho teria sido outro. Os putos tinham aparecido. E alguns adultos também, nem que fossem apenas as "soccer moms". Aqui não. No entanto, o aspecto curioso de tudo isto é que, apesar de ninguém ter aparecido, a minha carta aos moradores ficou para sempre. Ainda há um ano ou dois atrás, ou seja, quase vinte anos depois do "evento", um amigo meu, com um certo ar de gozo, me recordava o teor dessa minha carta. Moral da história, é difícil sonhar em Portugal. Aqueles que o ousam fazer, são os ingénuos. Confesso que não sei porquê. Se é por vivermos numa sociedade muito estática, muito rígida. Ou se é por outra coisa qualquer. A verdade, é que aqueles que ousam sonhar com coisas diferentes, encontram mil e um obstáculos. E, invariavelmente, acabam desanimados.

Recentemente, exprimi esta mensagem numa caixa de comentários aqui no PC. Uns dias depois tinha o PA no meu gabinete a afirmar-se penalizado, enquanto meu pai, pelo conteúdo do meu testemunho. Se calhar, foi isso que motivou esta sua última série de posts. Ou talvez não. Aquilo que eu sei, é que hoje, aos 30 anos de idade, me sinto reprimido na minha capacidade de sonhar. Por vezes, sinto que o contexto português me estrangula. Sinto que "I can do better than this". Sobretudo agora, que estou a um mês do nascimento da minha primeira filha. A solução é adaptarmo-nos à sociedade portuguesa e convivermos com isso. A alternativa é mudarmo-nos para outro sítio qualquer. O problema é que nós portugueses, quando nos mudamos para o estrangeiro, somos logo atacados pelo "saudosismo lusitano". Não falha! E é com esse dilema que alguns portugueses, em Portugal ou no estrangeiro, têm de viver.

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