15 novembro 2008

ganha o erro velho, não a verdade nova


Eu era ainda um jovem adulto quando fui viver para um país jovem e com uma profunda cultura de liberdade de expressão do pensamento - o Canadá. Foi uma experiência exaltante e marcante para o resto da minha vida porque a liberdade de expressão nesse país permite a um homem sonhar e dar realidade aos seus sonhos.
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Quando regressei a Portugal em 1986, com a tenra idade de 32 anos, eu dediquei-me intensamente à participação na vida pública (que não partidária) porque estava convencido que o debate livre, racional e aberto das ideias iria continuar a fazer de mim um homem tão feliz (e, já agora, cada vez mais próspero) como eu tinha sido no Canadá, e que eu poderia contribuir para fazer dos meus concidadãos homens igualmente felizes (e prósperos) como eu, e pelas mesmas razões.
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Passado uns anos abandonei essa actividade, vergado ao peso do abuso pessoal continuado. Aquilo que eu recebi em troca não foi felicidade, e a partir de certa altura, eu próprio me convenci que não estava a dar felicidade nenhuma à esmagadora maioria dos meus concidadãos. Estava-lhes a dar irritação e indignação que eles maioritariamente me retribuiam com insultos, chacota, humilhação, exclusão, penalizações profissionais, ameaças pessoais e, em última instância, pondo a Polícia Judiciária atrás de mim.
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Foi ainda no Canadá que li pela primeira vez o ensaio de John Stuart Mill "On Liberty". O argumento de Mill é o de que a liberdade de expressão é importante não tanto porque permite a expressão da verdade. A liberdade de expressão é importante porque permite a expressão do erro. É o confronto livre, racional e aberto do erro com a verdade que permite reforçar a verdade e lembrar a cada homem, a cada momento, aquilo que é verdade e aquilo que é erro na vida. Fiquei muito impressionado com o argumento de Mill.

Hoje não estou tanto. É uma tautologia. O argumento é verdadeiro somente para uma nação, como a canadiana (protestante), cuja cultura, em primeiro lugar, valoriza a liberdade de expressão, independentemente de todas as suas consequências. O argumento não é válido para uma nação, como a portuguesa (católica), cuja cultura possui a censura à expressão pública do pensamento como um dos seus elementos ancestrais e estruturantes.

Nesta cultura, a liberdade de expressão vai fazer vir ao de cima todas as formas de censura espontânea que estão na cultura da população. Qualquer nova ideia - seja ela uma verdade ou um erro - não tem qualquer hipótese de se impôr porque vai ser espontânea e maciçamente censurada. Nesta cultura, a liberdade de expressão não faz sobressair a verdade depois de gloriosamente ela ter derrotado o erro, como supõe Mill. Pelo contrário, nesta cultura, a liberdade de expressão reforça todos os erros (e verdades) herdados do passado ao mesmo tempo que impede a emergência de qualquer nova verdade (ou erro). Quem ganha agora é o erro herdado do passado, que permanece inquestionado - não a verdade nova que o poderia destruir.

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