14 novembro 2008

país em que ainda é pecado


Participei durante mais de dez anos nos media na qualidade de cidadão e economista, sempre numa perspectiva rigorosamente apartidária. Estimo em dez para uma a relação entre as reacções públicas penalizantes e gratificantes que recebi dessa actividade. Apresento a seguir o texto mais gratificante que foi escrito sobre mim:


Arroja e os sem arrojo
A "Prova Oral" de terça-feira
veio demonstrar a resistência
que ainda há em Portugal ao
debate de ideias

São as ideias originais, controversas, ousadas, impopulares e até mesmo roçando o indefensável, marchando no sentido contrário da opinião geral, habitualmente homogeneizada e cristalizada no pequeno e médio lugar-comum, que fazem os grandes debates.
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Pedro Arroja é um homem - um dos raros em Portugal - dono de ideias originais, controversas, ousadas, impopulares e que em certos casos roçam o indefensável. Logo, tê-lo num debate, para puxar o máximo por ele e pô-lo a terçar opiniões com aqueles que pensam nos seus antípodas, devia ser o sonho de qualquer moderador televisivo esclarecido.
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Foi justamente o inverso disto que aconteceu na "Prova Oral" de terça-feira passada, sobre a lei de doação de órgãos, onde ficou demonstrada a resistência que continua a existir ao debate intelectual inteligente em Portugal, país em que ainda é pecado pensar em voz alta ideias contrárias à norma tépida.
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O espectáculo do amesquinhamento moralizante, da refutação sobreexcitada, da contradição irracional, da hostilidade gratuita e da rejeição intelectualmente vácua que constituiram a única resposta quer dos moderadores do programa quer da maior parte dos participantes às ideias de Pedro Arroja - o único presente que expressou, consistentemente, do princípio ao fim do programa, os seus pontos de vista de forma educada, articulada e racional - seria impensável em qualquer TV civilizada.
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O último "Prova Oral" foi o melhor exemplo de um antidebate de ideias televisivo. Como se não lhes bastasse terem ido recrutar pessoas sem a menor familiaridade com a prática saudável da esgrima de ideias, Maria Elisa e José Eduardo Moniz mandaram às malvas a imparcialidade, demitiram-se da função de incentivadores do duelo argumentativo e encarniçaram-se, tão emocionalmente quanto os seus convidados, sobre o "herético" Pedro Arroja, a única pessoa que estava a fazer valer a pena ficar sintonizado no programa.
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O que acabou por suceder foi que Arroja demonstrou à saciedade a falta de arrojo dos debates da RTP.
(Eurico de Barros, Diário de Notícias, 26 de Novembro de 1994).
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[Neste debate participaram, além de eu próprio, o Dr. Eduardo Barroso, então presidente da Associação Portuguesa de Transplantes, Dra. Maria Inês Serra Lopes, então bastonária da Ordem dos Advogados, um padre-médico, e duas pessoas que tinham recebido órgãos transplantados, além dos dois moderadores referidos no texto]

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