(Continuação daqui)
383. O excepcionalismo cuatrecasiano
O casuísmo manifesta-se arranjando desculpas ou pretextos para não fazer aquilo que deve ser feito ou inventando excepções para fugir à regra. No limite, o excepcionalismo católico significa que tudo aquilo que se aplica aos outros não se aplica a mim, e que tudo aquilo que se aplica a mim não se aplica aos outros. Cada pessoa e cada situação da vida é uma excepção. Não há regras ou, se elas existem, não se aplicam ao caso em concreto.
As regras ou jurisprudência nos casos em que está em jogo o direito à honra no confronto com o direito à liberdade de expressão, na sua versão mais simples, podem enunciar-se assim. Como regra geral, prevalece o direito à liberdade de expressão sobre o direito à honra e essa prevalência é ainda mais acentuada quando o assunto em discussão seja de interesse público e os envolvidos sejam figuras públicas. Neste último caso só muito excepcionalmente (v.g., apelos à violência, alarme público) o Estado pode intervir com o seu aparato judicial.
O juiz de primeira instância do Tribunal de Matosinhos, João Manuel Teixeira, conhecia estas regras, a tal ponto que foi à luz delas que me absolveu do crime de difamação agravada ao Paulo Rangel. Mas então, por que é que me condenou pelo crime de ofensa colectiva à Cuatrecasas?
É melhor ser ele a dizer (cf. aqui)
"Aqui, neste caso, já não estamos perante um homem político.
Por outro lado, a Cuatrecasas é uma empresa com notoriedade nos meios jurídicos, mas não numa visão global da sociedade. A população em geral, não relacionada com o mundo jurídico, não sabe que sociedade é esta. Por isso, não deve esta sociedade ser sequer colocada no mesmo âmbito de "uma figura pública". Não estamos a falar nem da TAP ou da CGD, que são conhecidas nacionalmente como uma qualquer estrela futebolística.
O âmbito de protecção é, por isso mesmo, diferente" .
Fica-se comovido. Nem pensar em ofender a Cuatrecasas. Ainda se fosse a TAP ou a CGD, ou mesmo o Ronaldo, ainda é como outro, que são carne para canhão. Agora, a Cuatrecasas, isso não. A Cuatrecasas é especial, uma donzela discreta que detesta andar nas bocas do mundo.
O acto ilícito ou criminal foi eu ter posto em causa a relação de confiança entre a Cuatrecasas e o seu cliente, porque a relação de confiança entre os advogados e os seus clientes é essencial para o desempenho da advocacia (como se não o fosse também para o exercício de qualquer outra profissão), ainda por cima tratando-se da Cuatrecasas (cf. aqui).
Não se faz. Tratando-se da TAP ou da CGD, ou mesmo do Ronaldo, ainda se poderia aceitar. Tratando-se de electricistas, médicos ou serralheiros, ou até jogadores de futebol, ainda vá que não vá. Agora, tratando-se de advogados, ainda por cima tratando-se da Cuatrecasas, isso é que não. É crime.
É o chamado excepcionalismo cuatrecasiano. À distãncia de seis anos, e com a Decisão do TEDH pelas costas, a sentença do juiz João Teixeira só pode suscitar um sorriso.
Não tenho a mesma reacção com o excepcionalismo que o juiz Pedro Vaz Patto viu no caso para me condenar duplamente no Tribunal da Relação do Porto. Ele agiu como um verdadeiro jesuíta (cf. aqui) e eu não achei graça nenhuma, como se poderá ver a seguir.
(Continua acolá)
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