25 agosto 2024

A Decisão do TEDH (305)

 (Continuação daqui)


305. O batoteiro institucional


O sistema de justiça é o árbitro do jogo democrático e o ideal britânico de fair Play ("jogo justo" ou "jogo limpo"), tão elogiado por Kipling (cf. aqui), exprime-se em primeiro lugar no sistema de justiça britânico, que é o suporte da sua tradição democrática de séculos. A justiça será imparcial, nenhum jogador está autorizado a obter uma vantagem indevida no confronto com qualquer outro. Os batoteiros não são tolerados e o Estado, que administra a justiça, tem de dar o exemplo.

Ora, é esta cultura de fair play ou de imparcialidade da justiça que não existe em Portugal.

Na esfera criminal, o sistema de justiça português é imensamente parcial e o batoteiro institucional, que chama a si uma vantagem enorme e indevida, é o próprio Estado que o administra. Como ilustrei num post anterior (cf. aqui), a fase de julgamento é um plano inclinado a favor do acusador e contra o réu. Ora, o acusador em Portugal é o Estado, através do Ministério Público, o qual tem o monopólio da acusação criminal. Na fase de instrução, regulada pelo Código do Processo Penal, a situação é ainda pior e é isso que permite ao Ministério Público lançar suspeitas e acusar qualquer cidadão inocente, destruindo-lhe a vida, sempre dentro da legalidade e na mais completa impunidade.

Já não se exige que o processo penal esteja enviesado, ainda que ligeiramente, em favor da defesa - dando expressão ao antigo princípio de justiça de que, na dúvida, se favoreça o réu -, exigir-se-ia, pelo menos, imparcialidade. Mas o nosso sistema de justiça penal está organizado contra todas as regras de justiça, ele favorece a acusação. Um sistema de justiça de um país dito democrático, que devia proteger os cidadãos contra os abusos do Estado, pelo contrário, facilita ao Estado abusar e perseguir os cidadãos.

Nas mãos de agentes da justiça incompetentes, mal formados ou literalmente criminosos, o sistema de justiça penal do país torna-se um perigo público permanente. Este é o sistema de justiça ideal para perseguir e condenar pessoas inocentes, como o caso Almeida Arroja v. Portugal ilustra com toda a clareza. Onde dois juízes do Tribunal da Relação do Porto viram dois crimes, sete juízes do TEDH não viram nenhum.

Mas o caso Almeida Arroja v. Portugal é apenas um caso soft da condenação de um inocente porque apenas estava em causa uma pena de multa e o pagamento de indemnizações cíveis. É diferente quando a pena é de prisão e não existe recurso para o TEDH.

Em 2010, a SIC passou uma série de investigação jornalística com o título "Condenados", cujo tema era a condenação de inocentes. O primeiro caso da série respeitava a um cabo da GNR (Sérgio Casca) que foi condenado a 20 anos de prisão efectiva por alegadamente ter assassinado dois colegas em Bragança (cf. aqui). Toda a evidência posterior veio sugerir que ele estava inocente, incluindo a descoberta, anos mais tarde, de que um dos juízes do colectivo que o condenou, e que se destacou durante o julgamento, tinha ligações a traficantes de droga (cf. aqui).

No caso Sérgio Casca e no caso Almeida Arroja v. Portugal existe um juiz que é comum, um especialista a condenar inocentes (cf. aqui).  Acabou promovido ao Supremo (cf. aqui).

(Continua acolá)

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