(Continuação daqui)
302. Fair dealings
The Saxon is not like us Normans, His manners are not so polite.
But he never means anything serious till he talks about justice and right.
When he stands like an ox in the furrow with his sullen set eyes on your own,
And grumbles, “This isn’t fair dealings,” my son, leave the Saxon alone.
Rudyard Kipling
If there is one concept thought to be more quintessentially English over any other, I think it must be the concept of fair play. Fair dealings, as Kipling put it. That one party should be treated as any other, held to the same standard of conduct, and afforded the same penalties or rewards for the same acts, regardless of economic standing, religious beliefs or racial background. A lot of this concept of “fair dealings” carried over into the American cultural mainstream as well; honored as a concept and an ideal to be striven for. (cf. aqui)
É uma das maiores grandezas da cultura britânica, o sentimento de fair play, que está na origem do atributo mais importante de uma justiça democrática - a imparcialidade, a qual é central ao artº 6º da CEDH ("Right to a fair trial").
Sem um sistema de justiça tendo como valor supremo a imparcialidade, a Inglaterra nunca teria chegado à democracia e ser hoje a mais antiga democracia liberal do mundo e a mãe de todas as democracias.
É isto que falta no nosso sistema de justiça, que está ainda a uma grande distância de ser um sistema de justiça próprio de uma democracia. No sistema de justiça português reina a parcialidade, que é típica dos regimes autoritários. O sistema está feito para que o Estado possa cair em cima de quem critica a ordem estabelecida, não lhe deixando qualquer saída senão a condenação.
Citarei um dos momentos cruciais do processo penal em que o sistema de justiça português exibe toda a sua parcialidade e o seu carácter anti-democrático, embora existam muitos outros. Mas este tem uma característica especial porque é exibido à vista de todos, só não vê quem não quer, e fica-se a pensar como é que este dispositivo medieval existe na justiça portuguesa em pleno século XXI num país que se reclama democrático.
Ocorre durante o julgamento. O acusador oficial (magistrado do MP), fardado de toga, tal como o juiz, senta-se na tribuna à direita do juiz, a tal ponto que há quem pense que ele também é juiz. O advogado de defesa, pelo contrário, fica sentado numa secretária num plano inferior, ao nível do solo.
Mas não apenas isso. O magistrado do MP entra na sala com o juiz, com toda a gente de pé, recebendo também as honras que são devidas ao juiz, sai para intervalo com o juiz, partilha o intervalo com o juiz, volta à sala com o juiz.
Durante o meu julgamento no Tribunal de Matosinhos, ao assistir repetidamente a este espectáculo, várias vezes me perguntei, referindo-me ao magistrado X: "Mas o que é que aquele tipo anda ali a fazer sempre atrás do juiz e a cheirar o rabo ao juiz!?".
Acresce que frequentemente há duas acusações, a pública (magistrado X) e a particular (Papá Encarnação), enquanto defesas há só uma. São dois contra um.
O nosso sistema de justiça penal favorece a acusação sobre a defesa, é uma estrada inclinada contra o réu, não passa o critério de fair play - fair dealings, na expressão de Kipling -, ou de imparcialidade, que é tão querido aos britânicos, e que é essencial à democracia. Está feito para condenar quem lhe caia nas malhas.
Fica-se a pensar quantos inocentes são todos os anos condenados por este sistema de justiça macabro. Eu só consegui a minha absolvição recorrendo a um tribunal internacional que foi imparcial. Mas o que é que me teria acontecido se a pena, em lugar de multa, fosse de prisão e o caso não fosse recorrível para o TEDH?
-Estava preso, sem ter cometido crime nenhum.
(Continuação daqui)
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