23 julho 2024

A Decisão do TEDH (276)

 (Continuação daqui)



276. Uma multidão crescente


O encorajamento público à denúncia feito pelo Ministério Público, incluindo a denúncia anónima (cf. aqui), mais o estatuto de roda livre em que vivem os seus magistrados, o qual lhes permite acusar qualquer pessoa inocente sem responderem por isso, transformou Portugal de um país de pessoas decentes num país de criminosos. Eu sou apenas mais um - um cidadão decente transformado em criminoso (cf. aqui). 

A institucionalização da denúncia por parte do Ministério Público é um dos aspectos que o torna mais parecido com a PIDE, embora tenha inovado em alguns detalhes - que tratei num post sob o título "os bufos da democracia" (cf. aqui) - e que fazem hoje do Ministério Público uma PIDE moderna, versão século XXI.

Em Julho de 2017 num post que escrevi neste blogue, onde fazia o balanço da minha intervenção como comentador no Porto Canal ao longo de três anos, disse assim (cf. aqui):


À medida que os anos foram passando, eu fui observando os casos mediáticos de figuras públicas acusadas pelo Ministério Público e acerca das quais, depois, em Tribunal, nada se provava. E quando passei a comentar no Porto Canal, passei também a ter conhecimento de casos relativos a cidadãos anónimos.

Lembro-me, em particular de um telespectador de voz embargada, já devia ter muita idade, que me telefonou para a estação para me dar os parabéns pela coragem da minha intervenção e para me pedir encarecidamente que continuasse a falar sobre o assunto. Era um homem a quem o Ministério Público tinha destruído a vida.

Noutra ocasião, um telespectador ligou-me para casa, e este era uma figura pública. Já tinha ido oito vezes a julgamento por crimes que lhe eram imputados pelo Ministério Público. Foi sempre declarado inocente pelos tribunais. Da última vez, após ser declarado mais uma vez inocente, o magistrado do Ministério Público dirigiu-se a ele para o informar que iria recorrer, não porque acreditasse que a sentença viesse a ser alterada, mas porque tinha ordens da hierarquia para recorrer sempre que ele fosse declarado inocente.

De cada vez que falava do Ministério Público no Porto Canal - e foram várias as vezes - eu recebia telefonemas de pessoas profundamente indignadas e feridas, e quase sempre muito emocionadas. E a indignação parecia-me sempre genuína.


É claro que depois desta experiência, em breve eu tinha o Ministério Público à perna porque eles são criminosos vingativos, como normalmente são os criminosos,  a tal ponto que hoje eu próprio faço parte do lote dos cidadãos indignados - e a minha indignação não é pequena.

Desde então, também, o Ministério Público tem sido comparado cada vez mais à PIDE de tal maneira  que, num comunicado recente, o sindicato se lamentava da comparação (cf. aqui).

Mas não deve.

Um dos episódios do 25 de Abril mais vivos no meu espírito tem que ver com a PIDE. Aconteceu a 29 de Junho de 1975 - o chamado Verão Quente - quando 89 agentes da PIDE detidos na cadeia de alta segurança de Vale de Judeus em Alcoentre fugiram.

A cadeia tinha sido inaugurada pouco antes e, com aquela tendência dos portugueses para exagerar, era apresentada como a cadeia mais segura da Europa, senão mesmo do Mundo. 

Muito se especulou na altura - nalguns casos com enorme gozo - sobre as causas da fuga e como é que ela tinha sido possível, mas a solução do mistério só seria conhecida anos mais tarde.  Foi o próprio governo que deu ordens à direcção da cadeia para facilitar a fuga.

A razão é que, a cada dia que passava, uma multidão crescente de pessoas indignadas, cujas vidas tinham sido destruídas pela PIDE, se juntava à porta da prisão  a exigir a pele daqueles criminosos.

O governo facilitou a fuga para evitar aquilo que poderia vir a ser um linchamento.

Oxalá nunca aconteça o mesmo aos magistrados do Ministério Público, mesmo se a multidão de indignados não pára de crescer no país.

(Continua acolá)

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