02 junho 2024

A Decisão do TEDH (202)

 (Continuação daqui)



202. Uma corporação de salteadores

Eu compreendo o estado em que pode ter ficado o bastonário Marinho e Pinto quando, empossado há menos de um ano, no final de 2008 recebeu esta carta do TEDH: cf. aqui. Creio que se aplicava a ele, na altura, o princípio da presunção de inocência. Ele tinha-se candidatado a bastonário da Ordem dos Advogados e a carta indiciava que, afinal, ele poderia estar à frente também de uma corporação de salteadores.

Muito claramente, a carta afirmava que os advogados portugueses que colocavam processos no TEDH eram useiros e vezeiros em reclamar despesas que não existiam ou o pagamento de trabalho que não tinham feito.

Trata-se do crime de burla, o qual é punível mesmo na forma tentada, em que o lesado é o Estado português (na realidade, os contribuintes portugueses) porque, em caso de condenação pelo TEDH, é o Estado que é chamado a pagar as despesas e os honorários do advogado junto deste Tribunal:

Artigo 217.º do Código Penal

1 - Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

2 - A tentativa é punível.

3 - O procedimento criminal depende de queixa.

4 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 206.º e 207.º

Fonte: cf. aqui

Convém dizer que apresentar uma queixa no TEDH (cf. aqui) não é sequer trabalho especializado, qualquer pessoa o pode fazer, sem necessitar de advogado, e não existem custas. O processo não é presencial, ninguém tem de se deslocar a Estrasburgo, tudo corre através do correio pelo que as únicas despesas são portes de correio e fotocópias.

O queixoso apenas preenche um formulário que está disponível na internet, juntando a sentença condenatória e o último recurso que faça prova de que todos os recursos nos tribunais nacionais estão esgotados.

No caso mais recente de liberdade de expressão em que Portugal foi condenado, o advogado da jornalista Cristina Ferreira nem sequer pediu o reembolso de quaisquer despesas ou honorários de advogado pela participação ao TEDH (cf. aqui). Para um advogado rotinado no assunto como Francisco Teixeira da Mota tais despesas e honorários seriam sempre marginais.

Não me pareceu estranho, conhecendo publicamente a personalidade de Marinho e Pinto, que ele, em lugar de enviar uma circular a todos os seus colegas, tenha mandado afixar a carta do TEDH no site da Ordem.  Ele deve ter ficado corado de vergonha e a sua indignação não deve ter conhecido limites. Era a maneira de partilhar a sua vergonha com todos os seus pares e de chamar os criminosos à razão.

Mais estranho pode parecer que, passados quase 16 anos, a carta continue exposta no site da Ordem dos Advogados sinalizando a quem lá vai que, em lugar de estar a entrar no site de uma Ordem profissional, pode estar a entrar no site de um bando de salteadores ou de uma corporação de burlões.

Existe, porém uma razão para isso. É que as práticas por parte dos advogados portugueses que o TEDH denunciava em 2008 continuam a existir em 2024 (cf. aqui).

Marinho e Pinto podia invocar em 2008 que não sabia ao que ia. Mais difícil, porém, é aqueles que recentemente se candidataram aos lugares de governação da Ordem - como os de bastonário e de presidente do Conselho Superior, o órgão a quem competiria pôr fim a tais práticas - virem hoje dizer que não sabiam que poderiam estar também a candidatar-se à chefia de uma corporação de salteadores. 

(Continua acoláacolá)

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