02 junho 2024

A Decisão do TEDH (201)

 (Continuação daqui)




201. Jogava para os dois lados


Em 2020 o jogador Lionel Messi saiu do Barcelona em conflito com o clube. 

O conflito envolveu muitas peripécias que a imprensa espanhola e mesmo internacional, incluindo a portuguesa, cobriram com imenso zelo. No centro da disputa estava uma cláusula de rescisão de 700 milhões de euros que o Barcelona reclamava e que o jogador dizia que não era devida.

O caso arrastou-se durante meses, com muita emocionalidade envolvida, até que meteu um "burofax" e rebentou o escândalo.

O escândalo fez notícia em todo o mundo mas quem melhor o descreveu foi um jornalista espanhol do diário Clarín que, no essencial, se pode resumir assim: "No jogo de xadrez que então se seguiu entre Lionel Messi e o Barcelona apareceu um jogador na sombra que jogava para os dois lados".

Quem seria esse jogador-misterioso que jogava para os dois lados?

No anúncio que fez uns dias antes de ser conhecido o acórdão Almeida Arroja v. Portugal, o TEDH, fazendo o resumo do caso, escrevia uma frase que não deixava dúvidas, mesmo a quem as tivesse, que a decisão me seria favorável. Disso dei conta num post que escrevi três dias antes de ser conhecido o acórdão (cf. aqui). Era a frase seguinte, referindo-se ao Rangel: "... the director of a law firm, who happened to be a well known politician and a member of the European Parliament..."

Se na jurisprudência do TEDH, a liberdade de expressão é mais ampla quando se refere a um político, então a um político que se encontra na situação de conflito de interesses em que o Rangel se encontrava a amplitude passa a ser infinita. Na realidade, o meu comentário televisivo tinha apanhado o Rangel numa situação de enorme fragilidade, verdadeira corrupção, que era a de utilizar a sua função de eurodeputado para promover interesses privados - os seus próprios e os dos seus sócios da Cuatrecasas.

Talvez tivesse sido um deslize, um percalço, por parte de uma das maiores sociedades de advogados do mundo, deixar-se apanhar numa situação de conflito de interesses tão evidente. Porém, à medida que o processo judicial foi progredindo, eu ia ficando boquiaberto com as situações em que a Cuatrecasas e o próprio Rangel andavam envolvidos. O conflito de interesses - que é a principal fonte da corrupção - fazia parte da cultura da Cuatrecasas. Relembro dois episódios dentre os que tratei neste blogue.

Num deles, o Paulo Rangel, já eurodeputado e director da Cuatrecasas, explica à imprensa que a Cuatrecasas só facturava a banalidade de uns milhares de horas de assessoria jurídica por ano à Câmara Municipal do Porto, então presidida pelo seu colega de partido Rui Rio (cf. aqui).

Noutro caso, revelado em pleno tribunal, fiquei a saber que o Paulo Rangel e o Avides Moreira, ambos directores da Cuatrecasas-Porto, eram também membros da direcção de um dos seus maiores clientes, a Associação Comercial do Porto (cf. aqui).

Porém, estas situações de conflito de interesses parecem jogos de crianças quando comparadas com aquilo que ocorreu em Barcelona no ano de 2020. 

O Barcelona era cliente da Cuatrecasas desde 2015 e o Lionel Messi também. Quando eclodiu o conflito entre o Messi e o Barcelona, a Cuatrecasas, além de patrocinar o Barcelona, também se pôs a patrocinar o Messi contra o  Barcelona. Mais, foi a Cuatrecasas que aconselhou o Messi a rescindir o contrato com o Barcelona. 

No dia em que o presidente do Barcelona se apercebeu do que se estava a passar, tomou a única atitude que podia tomar. Pôs a Cuatrecasas na rua (cf. aqui).

No embate entre Messi e o Barcelona, a Cuatrecasas era o jogador que, na sombra, "jugava para los dos bandos" (cf. aqui).

(Continua acolá)

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