08 abril 2024

A Decisão do TEDH (79)

 (Continuação daqui)


Eis-me, na visão do cartoonista Fernando Arroja, junto ao Palácio Ratton em Lisboa, a suplicar à "juíza" Rangel de Mesquita que me conceda o direito ao recurso previsto no artº 32º da Constituição


79. Condenado sem dupla-conforme

Em Junho de 2021 paguei ao Tribunal Constitucional 4 794 euros (cf. aqui)

A que título?

Para o Tribunal Constitucional me negar um direito constitucional - o direito ao recurso (artº 32º).

Em primeira instância, eu fui absolvido do crime de difamação agravada ao Paulo Rangel, mas viria a ser condenado no TRP por esse crime.

Ora, o artº 32º está na Constituição para assegurar um dos direitos fundamentais dos cidadãos - a chamada "dupla conforme" -, isto é, que toda a condenação seja confirmada por um tribunal superior para evitar que qualquer juiz incompetente ou corrupto condene um inocente (como agora ficou claro com a decisão do TEDH, eu inclino-me muito mais para a corrupção do que para a incompetência).

Acontece que, em 2018, tinha sido publicada uma lei que, respondendo ao interesse corporativo dos juízes, visava reduzir a carga de trabalho dos juízes do Supremo, e que estabelecia que só seriam admitidos recursos para o Supremo de sentenças que implicassem mais de cinco anos de prisão efectiva.

Ora, em certos casos, esta lei brigava com a Constituição e o meu era um desses casos. Eu tinha direito ao recurso pela Constituição, mas não o tinha por força desta lei, uma vez que a minha condenação era somente em pena de multa.

O assunto já tinha ido ao Tribunal Constitucional. Para além do conflito entre a lei constitucional e uma lei ordinária - que até um estudante do primeiro ano de Direito sabe que se resolve dando primazia à lei de ordem superior na hierarquia das leis - estava também em conflito o interesse público, representado pela lei constitucional, e o interesse corporativo dos juízes, representado pela lei ordinária.

E o que fez o Tribunal Constitucional?

Resolveu partir a coisa ao meio como se estivesse a repartir um bolo e estabeleceu como jurisprudência - que eu viria a baptizar como jurisprudência de cordel numa série de 11 posts (cf. aqui) - que, nos casos em apreço, envolvendo a condenação pela primeira vez na Relação, só seriam admitidos recursos para o Supremo desde que a pena fosse de um ou mais anos de prisão efectiva, deixando de fora as penas de multa, prisão suspensa, trabalho comunitário, etc.

Como a minha pena era de multa, eu estava excluído. O Tribunal Constitucional tinha reescrito a Constituição, restringindo o direito constitucional ao recurso onde a Constituição não consagra restrições nenhumas. 

Como o TEDH, para aceitar uma queixa, exige que todos os recursos nos tribunais nacionais estejam esgotados, eu recorri para o Constitucional na esperança de que me fosse reconhecido o direito ao recurso, e pudesse apelar ao Supremo. A minha esperança era grande porque nessa altura o Supremo estava a dizer aos tribunais inferiores para seguirem a jurisprudência do TEDH e, quase de certeza, iria revogar o acórdão do TRP que me condenava (p. ex.: cf. aqui)

Nada feito. Numa Decisão Sumária e dois Acórdãos, tendo sempre como relatora a juíza Rangel de Mesquita (nomeada para o TC pelo PSD), o direito ao recurso foi-me negado. E acabei condenado sem dupla-conforme.

(Continua acolá)

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