23 março 2022

Jurisprudência de cordel (11)

 (Continuação daqui)


11. Um ninho de cucos


Já imaginou o presidente de um Tribunal, que deveria dar o exemplo - ainda por cima o mais alto Tribunal do país - a piratear a jurisprudência do seu próprio Tribunal?

Pois aconteceu no Tribunal Constitucional envolvendo a jurisprudência de cordel que esta semana a Lei 94/2021 veio pôr no lixo.

O acórdão 595/2018 (cf. aqui) do Plenário do TC estabeleceu que, em casos de condenação inovadora da Relação, a Lei 20/2013 era inconstitucional, sendo admitido recurso para o Supremo, se a pena fosse de prisão efectiva; mas era constitucional, não sendo admitido recurso para o Supremo, se  a pena fosse não-privativa da liberdade (v.g., multa, prisão suspensa, trabalho comunitário).

O acórdão dividiu o Plenário, mas acabaria por ser aprovado por maioria. O Professor Manuel Costa Andrade, Presidente do TC, votou favoravelmente o acórdão, mas fez uma declaração de voto em que exprimia um lamento, a saber, que o Plenário não tivesse estendido a declaração de inconstitucionalidade também às penas não-privativas de liberdade.

No início de 2020, o Professor Costa Andrade, a partir da 2ª secção do TC, de que também era presidente, organizou, então, um acto de pirataria contra a jurisprudência estabelecida pelo Plenário no acórdão 595/2018, e que ele próprio votou a favor. 

Arregimentou  uma sua ex-assessora recentemente nomeada "juíza" do TC e fez aprovar um acórdão que, contra a jurisprudência estabelecida, estendeu a inconstitucionalidade da Lei 20/2013 também a penas não-privativas da liberdade. 

O Presidente Costa Andrade fez mais, pôs a sua ex-assessora como relatora do acórdão. O acórdão foi a votos entre os quatro juízes da 2ª secção do TC. Os outros dois votaram contra, o Professor Costa Andrade e a sua ex-assessora votaram a favor. O acórdão foi aprovado com o voto de qualidade do Presidente Costa Andrade.

Foi assim que nasceu o célebre acórdão 31/2020 (cf. aqui) de que é relatora a "juíza" Mariana Canotilho.

Um acontecimento talvez nunca visto na história judicial do Ocidente. O Presidente de um Tribunal - na realidade, o mais alto Tribunal do país - a furar sorrateiramente a jurisprudência estabelecida pelo Plenário do seu próprio Tribunal.

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