(Continuação daqui)
127. Os abusos da liberdade
Cinquenta anos depois, aos 70 de idade, qual é a maior crítica que eu faço hoje ao regime de democracia liberal saído da Revolução de 1974?
-Os abusos da liberdade.
Portugal não tem uma cultura de democracia liberal, na realidade, juntamente com a Espanha, foi um dos países que, ao longo dos últimos cinco séculos, mais se encarniçou contra a democracia liberal vinda dos países do norte da Europa e do protestantismo cristão.
Em lugar da liberdade, Portugal tem uma cultura de permissividade, e isso não é surpreendente num país de cultura católica (uma palavra que, do grego, significa universal). Uma cultura que se pretende universal tem de ser muito permissiva, do ponto de vista dos seus princípios e das suas regras morais, para integrar sobas africanos, índios latino-americanos, hindus e tibetanos, ao lado de prussianos e latinos.
Ao passo que a cultura liberal é uma cultura de regras fixas que, no campo da justiça, se exprime por uma obediência estrita à lei e por uma cultura judicial austera que chega a ser cruel e desumana (como, por exemplo, nos EUA), uma cultura de permissividade é uma cultura sempre disposta a flexibilizar as regras para acomodar os que chegam de novo e o laissez faire, laissez passer dos que já fazem parte dela.
Entregue ao povo, nesta cultura, tudo é banalizado e transgredido, frequentemente sob as melhores razões humanitárias, outras vezes sob a mentalidade do chico-esperto que utiliza o seu conhecimento da cultura para prosperar à margem das regras e dos princípios de sã convivência social.
Não era novidade para mim, mas foi grato ouvir aquele gestor australiano, há três anos a residir em Portugal que, quando lhe perguntei, qual era, na sua visão, o maior problema da sociedade portuguesa, me respondeu prontamente: "The big problem is justice. Every crook gets away from justice" (cf. aqui).
Num regime autoritário, o principal poder do Estado é o executivo que, em Portugal, no Estado Novo, se exprimiu de forma paradigmática na figura de Salazar e, subsidiariamente, na de Marcelo Caetano. Mas num regime democrático-liberal, o principal poder é o judicial porque é precisamente esse poder que impede o executivo de actuar discricionariamente e converter o regime num regime autoritário.
O exemplo, numa democracia liberal, tem de vir da Justiça. Mas foi precisamente da Justiça que veio recentemente, aos meus olhos, o exemplo acabado do abuso da liberdade.
Quando recentemente questionei o Conselho Superior da Magistratura (CSM), acerca de saber se estavam previstas sanções, nem que fossem meramente disciplinares, para dois juízes que tinham condenado um inocente, o CSM respondeu-me que os Exmos. Senhores Desembargadores estavam isentos de qualquer falha (cf. aqui). Para o CSM, condenar um inocente é apenas uma manifestação da Liberdade de Julgamento de um juiz.
Foi nessa altura que me lembrei do gestor australiano: "Every crook gets away from justice". Certamente se fôr juiz, acrescentaria eu.
(Continuação acolá)
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