18 abril 2024

A Decisão do TEDH (109)

 (Continuação daqui)


Se há lema enganoso nas instituições portuguesas é o do Ministério Público. Ele não está lá para defender a democracia, está lá para acabar com ela. O lema é uma impostura



109. O choque de culturas

Este processo judicial serviu-me para cimentar algumas conclusões que já tinha acerca do nosso sistema de justiça e para chegar a outras. Gostaria aqui de aflorar duas delas, talvez as mais importantes.

A primeira é que o principal problema da democracia portuguesa está na Justiça, uma certeza que eu já tinha há muito e em que tenho sido acompanhado pelo Joaquim neste blogue (cf. aqui) e também pelo António Barreto nos seus artigos do Público (cf. aqui). 

De uma maneira geral, este problema pode descrever-se como um problema de cultura. Nós continuamos a fazer justiça segundo a nossa tradição autoritária, acusatória e inquisitorial, a qual choca de frente com as exigências de uma justiça democrática. A democracia em Portugal vai fazer 50 anos, mas a justiça - refiro-me aqui sobretudo à justiça penal - ainda vive na Idade Média ou nos alvores da Modernidade.

Dentre os problemas institucionais da justiça portuguesa, o grande cancro é o Ministério Público, e não ajuda nada à própria judicatura que muitos juízes venham da carreira do Ministério Público com uma cultura acusatória e inquisitorial.

O Ministério Público sucedeu  em 1832 à Inquisição que tinha sido extinta em 1821, depois da Revolução Liberal. Foi o Marquês de Pombal, umas décadas antes, que tinha posto a Inquisição ao serviço do Estado, tirando-a do domínio da Igreja, onde ela nascera e onde durante séculos permaneceu. 

A Inquisição foi criada pela Igreja para perseguir os hereges, aqueles que divergiam da autoridade eclesiástica, isto é, a Inquisição foi criada para perseguir a liberdade de expressão. No seu auge, a partir do século XVI, acabaria sobretudo a lutar contra o protestantismo e o judaísmo, e contra a democracia nascente na cultura protestante do norte da Europa.

A decisão do TEDH no acórdão Almeida Arroja v. Portugal  em comparação com a decisão dos tribunais portugueses ilustra na perfeição este choque de culturas judiciais, entre a cultura democrática e a cultura inquisitorial.

No processo que conduziu à minha condenação nos tribunais nacionais estiveram envolvidos pelo menos dez magistrados, cinco do MP e outros tantos juízes. Todos eles, com uma única excepção - a juíza Paula Guerreiro do TRP - quiseram calar o herege. No TEDH, pelo contrário, sete juízes em unanimidade acharam que o herege não devia ser calado.

Durante todo este tempo, escrevi muitas vezes neste blogue que o Ministério Público iria destruir a democracia em Portugal, e cheguei mesmo a escrever uma série de posts com o título "Como morre uma democracia?", descrevendo o processo que a esse resultado conduz (cf. aqui).

O processo está em marcha como revelam conclusivamente as mais recentes notícias acerca da acção do Ministério Público na Operação Influencer (cf. aqui), que deitou abaixo um governo democrático de maioria absoluta e que, pouco tempo depois, deitaria abaixo também o governo regional da Madeira.  

Não estou nada certo que ainda estejamos a tempo de parar este processo. Estou muito mais convencido que um dia apareça por aí um líder autocrático e forte que, entre outras coisas, ponha o Ministério Público na ordem. Quase metade dos portugueses já suspiram por ele (cf. aqui).

(Continua acolá)

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