O advogado Jorge Ferreira Alves começa os seus recursos para os tribunais nacionais quase sempre da mesma maneira, invocando o artº 35º ("Condições de Admissibilidade") da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que diz assim, no seu nº 1:
"1. O Tribunal [Europeu dos Direitos do Homem] só pode ser solicitado a conhecer de um assunto depois de esgotadas todas as vias de recurso internas, em conformidade com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos e num prazo de seis meses a contar da data da decisão definitiva interna" (cf. aqui, ênfases meus).
Foi assim que ele começou o recurso - o quarto no espaço de um ano - que, em meu nome, na passada sexta-feira, fez chegar ao Tribunal Constitucional e que, muito provavelmente, será o último recurso que o meu case-study conhecerá em tribunais nacionais.
Como todos os recursos foram até aqui indeferidos, a decisão definitiva interna a que se refere o artº 35º da CEDH é a decisão do Tribunal da Relação do Porto, de 27 de Março de 2019 (cf. aqui). Na expectativa de que isso pudesse vir a acontecer, o advogado Ferreira Alves apresentou a queixa no TEDH em Setembro de 2019, a qual foi aceite (cf. aqui).
Nos termos do artº 35º da CEDH, somente a partir do momento em que todos os recursos internos estejam esgotados - o que está iminente no meu case-study - é que o TEDH analisará o processo e se pronunciará.
Depois de citar o artº 35º da CEDH, o advogado Ferreira Alves lembra também, invariavelmente, o tribunal de recurso - neste caso o Tribunal Constitucional - de que há um processo a correr no TEDH, escrevendo assim: "Conforme consta dos autos, há um processo no TEDH por causa do que se decidiu nas instâncias".
A partir daqui, o advogado Ferreira Alves passa a argumentar sobre o caso quase exclusivamente em termos da jurisprudência do TEDH, e só fazendo referência à jurisprudência nacional quando ela existe e quando é conforme à jurisprudência do TEDH, o que raramente é o caso.
Existe por vezes a ideia de que a jurisprudência do TEDH só prevalece sobre a jurisprudência nacional nos casos relativos à liberdade de expressão (artº 10º da CEDH), que são os mais mediáticos e em que Portugal é invariavelmente condenado. Mas não. A jurisprudência do TEDH prevalece sobre a jurisprudência nacional em todos os assuntos que são tratados na CEDH. A maioria das condenações de Portugal no TEDH nem sequer é por violação do artº 10º, mas por violação do artº 6º ("Direito a um processo equitativo").
Eu próprio já dediquei espaço considerável neste blogue a mostrar a diferença radical da jurisprudência do TEDH e da jurisprudência nacional a propósito de temas como a imparcialidade dos juízes (cf. aqui). Neste tema, como em outros, a jurisprudência do TEDH é uma jurisprudência de sociedade aberta e democrática, ao passo que a nossa é uma jurisprudência de sociedade fechada e autoritária.
Por isso, o advogado Ferreira Alves recomenda aos jovens advogados portugueses que, logo nas instâncias nacionais, argumentem com base na jurisprudência do TEDH porque, em última instância, é essa que acabará por prevalecer se algum dia o assunto subir a este Tribunal Europeu.
O problema, obviamente, é que, se a jurisprudência nacional é, sobre muitos temas, uma jurisprudência de aldeia, a maioria dos nossos advogados também. Eles não conhecem a jurisprudência do TEDH e não sabem sequer apresentar uma queixa no TEDH. É claro que o facto de as línguas oficiais do TEDH serem o francês e o inglês também não estimula nada os advogados de aldeia (embora as queixas no TEDH possam ser apresentadas nas línguas nacionais).
Como o advogado Ferreira Alves há muito notou, aquele que é um dos problemas maiores do nosso sistema de justiça - as demoras na justiça - há muito que poderia estar resolvido se os nossos advogados recorressem em massa para o TEDH (cf. aqui).
(Continua)
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