20 dezembro 2020

O último recurso (II)

 (Continuação daqui)



II. Pela repetição

Na frontaria do Ministério da Verdade estavam inscritas as insígnias da Oceania, o país imaginário de George Orwell:

Guerra é Paz

Liberdade é Escravidão

Ignorância é Sabedoria

Como é que três mentiras se tornam verdades ao ponto de serem erigidas como lemas de um país onde a verdade é tão importante ao ponto de ter honras de Ministério?

Num país autoritário é pela pancada, mas num país democrático, que é aquele que Orwell tinha no espírito, é pela repetição. Uma mentira suficientemente repetida torna-se verdade.

É esta a técnica utilizada pela juíza Rangel no mundo orwelliano do Tribunal Constitucional. 

Na parte crítica do seu despacho (cf. aqui) em que me nega o acesso ao Plenário do Tribunal Constitucional, em apenas dois parágrafos, a juíza Rangel consegue repetir no segundo, quase ipsis verbis aquilo que disse no primeiro; e refere-se três vezes ao trânsito em julgado [do acórdão 31/2020], duas delas precedidas do advérbio necessariamente, como condição necessária para poder deferir o meu recurso para o Plenário.

E, no entanto, tudo isso é mentira porque a lei (artº 79-D da LTC, cf. aqui) em nenhum momento impõe o trânsito em julgado de qualquer dos acórdãos como condição necessária para o recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional. A única condição que impõe é que exista divergência jurisprudencial entre eles.

Vale a pena reproduzir essa pequena peça de newspeak jurídico orwelliano da juíza Rangel (ênfases meus):

"Todavia, como acima se mencionou, o tipo de recurso em apreço - recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional - pressupõe a existência de oposição entre o julgamento constante da decisão recorrida - in casu, o Acórdão nº 646/2020 -, e outro julgamento anterior, necessariamente transitado em julgado, sobre a mesma questão normativa, igualmente proferido em secção.

"Ora, o Acórdão nº 31/2020 não transitou ainda em julgado, uma vez que dele foi interposto recurso para o Plenário, que se encontra pendente, o que obsta à admissibilidade do presente recurso. É que o tipo de recurso em apreço pressupõe a existência de oposição entre o julgamento constante da decisão recorrida, proferida em secção, e outro julgamento, necessariamente transitado em julgado, sobre a mesma questão normativa, igualmente proferido em secção, - o que não se verifica in casu".

No último recurso enviado ao Tribunal Constitucional na passada sexta-feira, no âmbito do meu case-study, o advogado Ferreira Alves começa por contestar a decisão da juíza Rangel de me negar o acesso ao Plenário deste tribunal, arrasando a sua fundamentação, para terminar com um requerimento.

(Continua) 

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