25 junho 2024

A Decisão do TEDH (242)

 (Continuação daqui)



242. O devido respeito ou o respeito que é devido

O post  "incluindo o magistrado X" (cf. aqui), que reproduzo em baixo, foi publicado seis dias antes de ser conhecida a sentença que me condenou no Tribunal de Matosinhos - uma sentença que, a julgar agora pela Decisão do TEDH, merecia o Prémio Nobel da justiça democrática.

Era uma altura em que todos os intervenientes no julgamento liam o blogue, incluindo o juiz. Para além de descrever o sistema de justiça - tal como eu o tinha visto ao longo de quatro meses de julgamento - como um sistema praticamente inquisitorial, o post punha o ênfase no aspecto patrimonial.

Estando em causa alegados crimes de ofensa cometidos num comentário televisivo, aquilo que, na realidade, mais interessava os advogados da Cuatrecasas era o meu património que, peça após peça, foi desfilando na sala do tribunal e ficou registado no processo.

O objectivo era claro. Identificar a presa para depois se atirarem a ela. E foi o que aconteceu. O advogado Paulo Rangel e a Cuatrecasas não conseguiram tanto como desejavam, mas conseguiram alguma coisa, mesmo se, como o TEDH veio agora dizer, eu nunca lhes devi nada.

Numa profissão altamente corporativa e medieval, como é a advocacia, a obsessão com o meu património tinha um objectivo lateral.  Se eles não conseguissem rapinar tanto quanto desejavam ficavam os registos no processo para que os seus colegas que viessem a seguir rapinassem depois.

E assim aconteceu. No processo que agora me pôs por honorários (cf. aqui), o advogado que me representou junto do TEDH, a certa altura da queixa diz assim (ênfase meu):

"123. Os honorários também são fixados pelas posses do devedor. Por isso tem de ser alegado o que consta das certidões da sentença e acórdão condenatórios nos tribunais nacionais (...)"

e depois passa a elencar os meus rendimentos e os elementos do meu património que constam do processo.

Um merceeiro que cobrasse o preço do tomate segundo as posses do comprador seria justamente acusado de  tentativa de extorsão e preso (para além de ser prontamente mandado para os tomates).  Mas a um membro da Ordem dos Advogados todos os crimes são permitidos.  A justiça tornou-se um mundo às avessas em que o criminoso é o acusador e a vítima é o réu.

O ponto a que eu quero chegar é o seguinte. Agora, finalmente, todos os dias a reforma da justiça é falada na comunicação social. Mas eu não estou nada optimista. O sistema de justiça em Portugal, tal qual existe, tem corporações de criminosos demasiadamente fortes e legais a lucrar com ele para que qualquer reforma democrática seja possível. O grande problema da justiça em Portugal é o problema da criminalidade legal.


Agora, o post de 6 de Junho de 2018:


À parte um aspecto, é tudo como na Inquisição.

O crime de que o réu é acusado é o crime de heresia e foi expresso da forma o mais coerente e o mais sintética possível pelo magistrado X nas suas alegações finais: o réu não exprime, nas suas intervenções públicas, o respeito que é devido aos políticos e aos advogados (sabendo-se, como se sabe, que a maior parte dos políticos são advogados ou, em qualquer caso, juristas).

Na fase processual, aquela em que o réu comparece perante um juiz de instrução [no meu caso: Catarina Ribeiro de Almeida] e um magistrado do Ministério Público [no meu caso: António Prado e Castro] para se defender e evitar que a queixa-crime siga para julgamento, tudo aquilo que ele diz em sua defesa não conta nada e, pelo contrário, é utilizado para reforçar ainda mais a acusação.

Se a justiça é representada pelos pratos equilibrados de uma balança, essa balança não existe aqui. São dois os acusadores do réu, um público e outro privado, que normalmente se conhecem e actuam em concertação. Quanto a defensores, o réu tem apenas um.

Durante o julgamento o réu é submetido à mais violenta tortura psicológica [que, no meu caso, em parte, consegui conter através do blogue] por parte dos acusadores e das testemunhas de acusação e que inclui: mentiras, insinuações, suspeições, depreciações, falsos testemunhos e a devassa da sua vida privada.

Umas vezes pelos acusadores, outras pelas testemunhas, os bens patrimoniais do réu vão sendo referidos e documentados em tribunal de forma metódica e exaustiva, agora um e depois outro.

Esta devassa, para além de se destinar a descobrir que outros "crimes" tem o réu no cartório, tem em vista  fazer o arrolamento dos bens que constituem o património do réu, que é o passo prévio à sua confiscação.

No fim, o único aspecto que é diferente é que agora o acusador público - na instância, o magistrado X - não é o

a) juiz
b) réu
c) delator
d) acusador privado
e) testemunha.

Porque, se fosse, e como acontecia nos tais outros tempos, o réu teria os seus bens confiscados e iria apodrecer na prisão. Tudo pelo crime de não ter o devido respeito pela casta (cf. aqui), à qual pertencem todos os acusadores, incluindo o magistrado X.

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