23 novembro 2022

Um juiz do Supremo (118)

 (Continuação daqui)



118: Destino: Guimarães, como requereu.

Se o ano 2000 foi um ano de grandes decisões e também algum stress para o juiz Francisco Marcolino, o ano de 2003 seria ainda pior. 

Sérgio Casca estava agora há cinco anos na prisão e o povo, generoso como é, nunca deixara de lutar pela sua inocência. A filha, que ele deixara com um ano e meio de idade, já estava na escola e aprendia as primeiras letras. Todos os fins de semana, a menina e a mãe visitavam o pai na prisão de Santarém. Todos tinham pai lá na escola e a menina também, só que o pai dela estava na prisão. Provavelmente por essa altura, ela começaria a perguntar ao pai porque é que estava na prisão, e o pai não tinha uma resposta fácil para dar. 

Entretanto, desde 2000 que o juiz Marcolino era juiz desembargador no Tribunal da Relação do Porto. Em Bragança, ele continuava a acumular processos judiciais contra os seus conterrâneos, sempre acompanhados de pedidos de indemnização cível. Mesmo que as sentenças lhe fossem desfavoráveis em Bragança, ele trataria do assunto logo que elas chegassem, em recurso, ao tribunal de apelação do Porto.

À medida que o ano de 2003 se aproximava, porém, tudo parecia complicar-se na vida profissional do juiz Marcolino. Duarte Lagarelhos, seu ex-sócio e amigo, estava na iminência de ser preso e os outros membros da rede de tráfico de ecstasy para os EUA, de que ele era o principal financiador, começavam a dar com a língua nos dentes.  Perante o FBI e as autoridades nacionais, o juiz Marcolino era referido como protector da rede de tráfico de droga que, aparentemente, tinha origem em Espanha, e passava por Bragança, com destino aos EUA.

Quem diria, Bragança, que no ano anterior tinha sido alvo da gozação internacional por uma revista americana, tudo por causa do sexo (cf. aqui), era agora a cidade de província que metia a droga do amor no coração dos EUA, e na cidade mais cosmopolita do mundo, Nova Iorque. Se o sexo livre não tinha triunfado em Bragança, ele seria levado ao exagero em Nova Iorque, e por obra de brigantinos.

Quem se mete com o PS, perdão, com os transmontanos, leva!, era a lição a tirar.

Como se a incomodidade já não fosse grande, em 2002 é inaugurado o Tribunal da Relação de Guimarães. Aos quatro Tribunais da Relação já existentes no país - Lisboa, Porto, Coimbra e Évora - juntava-se agora mais um na cidade-berço.

O objectivo do novo Tribunal da Relação era retirar trabalho ao Tribunal da Relação do Porto que servia de tribunal de apelação a muitas comarcas judiciais do norte do país. O Tribunal da Relação de Guimarães passaria a ser o tribunal de recurso para as decisões de primeira instância proferidas nos tribunais de Braga, Bragança, Viana do Castelo e Vila Real (cf. aqui).

-Bragança!?

-Sim, Bragança.

Mas, sendo assim, estando o juiz Marcolino no Tribunal da Relação do Porto, como é que ele iria agora controlar, manipular, influenciar - numa palavra, traficar -, em segunda instância, as decisões produzidas no Tribunal de Bragança? 

Como é que ele iria poder converter os inocentes das suas acusações em Bragança, em condenados e devedores das indemnizações que ele lhes reclamava? 

E o Duarte Lagarelhos, se viesse a ser julgado [como acabou por acontecer, cf. aqui], mais os outros traficantes, que andavam a envolvê-lo no tráfico de droga - sabe-se lá o que é que eles diziam nos processos sobre o seu envolvimento no tráfico -, e ele, ali, no Tribunal da Relação do Porto, de braços atados, sem possibilidade de controlar os processos, de negar tudo o que pudessem dizer acerca de si, sem poder defender a sua reputação.

Como é que ele iria agora poder meter o processo do seu amigo Duarte Lagarelhos na gaveta, como faria, anos mais tarde, ao processo de um seu outro grande amigo de Lagarelhos, condenado também por tráfico, mas de influências - Armando Vara? 

Não podia.

Era preciso fazer alguma coisa, agir rápido, caso contrário nunca mais chegaria a juiz do Supremo, que era a sua suprema ambição, desse por onde desse, custasse o que custasse.

O problema não era fácil de resolver. Mas o juiz Marcolino resolveu-o com um verdadeiro golpe de génio.

Assim:

Por deliberação do plenário do Conselho Superior da Magistratura de 15 de Julho de 2003, foi efectuado o seguinte movimento judicial:

Tribunais da relação

Dr. José Gil de Jesus Roque, juiz desembargador do Tribunal da Relação de Coimbra - transferido, como requereu, para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Dr. Francisco Marcolino de Jesus, juiz desembargador do Tribunal da Relação do Porto - transferido, como requereu, para o Tribunal da Relação de Guimarães.

(...)

Fonte: cf. aqui.


(Continua acolá)

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