23 janeiro 2021

o segredo

 


"Presidente do Supremo valida uma escuta que apanhou Costa no caso do hidrogénio", escreve hoje o Público em título (cf. aqui) para, no corpo do artigo, acrescentar:

"O inquérito ao megaprojecto do hidrogénio verde é dirigido pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e, segundo informou a Procuradoria-Geral da República, "não tem arguidos constituídos  e está em segredo de justiça" (p. 20, ênfase meu).

Quer dizer, o primeiro-ministro está sob suspeita e anda a ser escutado. Mas, se amanhã, quiser ter acesso ao processo para saber que conversas lhe escutaram, por que é que está sob suspeita, e para se defender, o DCIAP - que é a sede da moderna Inquisição - vai negar-lhe esse direito sob o argumento de que o processo está em segredo de justiça.

Como referi num post em baixo (cf. aqui), alguns dos alvos principais da Inquisição, como nos regimes socialistas, sempre foram as pessoas que ocupavam cargos públicos e aquelas que, pela sua condição, podiam influenciar as ideias prevalecentes na sociedade, como os intelectuais (incluindo modernamente os jornalistas).

São numerosos os intelectuais portugueses que foram alvos da Inquisição como, por exemplo, o Padre António Vieira que foi julgado e esteve preso quatro anos (1663-67) às ordens da Inquisição. 

A Grande Enciclopédia Portuguesa Brasileira escreve assim a seu propósito:

"O maior clássico da nossa literatura, o maior orador sagrado da época, diplomata, teólogo, corifeu da Companhia de Jesus, foi vexado a ponto de o mandarem ajoelhar, dizer o Padre-Nosso e outras orações, e comentaram: "E tudo disse bem!". Acusavam-no de defender a veracidade das profecias do Bandarra e de interpretações falsas da Sagrada Escritura e condenaram-no a ser privado de vox activa e passiva, suspenso do ofício de pregar e recolhidas todas as cópias do seu escrito Esperança de Portugal. Vieira recorreu para o Conselho Geral, mas este, não só confirmou a sentença, mas ainda o mandou tratar como "pessoa de cuja qualidade de sangue não consta ao certo", e por isso ficar recluso na casa religiosa que o Santo Ofício determinasse".

E continua:

"Mas o Padre António Vieira não soçobrou e, cinco anos após a sua condenação, já ele capitaneava uma campanha contra o Santo Ofício a fim de lhe alterar os estilos, o que equivalia a aluír nos alicerces o grande edifício inquisitorial. Assim, a luta atingiu o ácume na regência de D. Pedro II e o mais que conseguiram os adversários da Inquisição foi suspender-lhe o seu exercício em 1674, chegando Roma a exigir o exame directo de alguns processos apesar de replicarem que esse exame implicaria o Santo Ofício perder a sua maior arma - o segredo" (ênfases meus).

Hoje, como há  400 anos, o segredo  continua a ser a maior arma dos inquisidores. Lançam a suspeita sobre quem muito bem entendem e, sob o argumento do segredo de justiça, negam-lhe o direito de se defender. Se fazem isto ao primeiro-ministro do país, fazem-no, naturalmente, a qualquer outra pessoa.

Se desejar que o sistema de justiça de Portugal continue assente nestas bases inquisitoriais, corruptas e miseráveis, não tem que se enganar. Amanhã vote no Professor Marcelo Rebelo de Sousa porque ele tem muito carinho pelo DCIAP (cf. aqui).  

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