24 janeiro 2021

cúmplice

 

A principal arma da Inquisição - hoje, Ministério Público - é o segredo (cf. aqui):

"Una vez encarcelado, el reo queda a disposición del tribunal hasta que los inquisidores decidan interrogarle. Mientras tanto, durante semanas e incluso meses, se le deja en un completo aislamiento material y moral sin que pueda comunicarse con nadie ni enterarse de las causas que han motivado su detención; no sabe ni quién le acusa ni de qué. Todo lo que está relacionado com el Santo Ofício debe permanecer en el segredo más absoluto" (Joseph Perez, op. cit., p.322)

O caso de José Sócrates é o mais conhecido e o mais significativo a este respeito. Foi preso a 21 de Novembro de 2014 à chegada ao aeroporto de Lisboa. Dias depois, a 25 de Novembro, foram tornadas públicas as medidas de coação - prisão preventiva. Por esta altura, o processo estava em segredo de justiça.

Somente em meados de Outubro de 2015 foi levantado o segredo de justiça por ordem do Tribunal da Relação de Lisboa (cf. aqui). Só nessa altura os advogados de José Sócrates tiveram acesso ao processo para saber quem é que o acusava e de que é que ele era acusado.

Quer dizer, José Sócrates esteve preso quase um ano sem saber porquê.

A função principal do segredo de justiça na Inquisição - hoje, Ministério Públio - é impedir que o arguido possa defender-se. Na realidade, como é que os advogados de José Sócrates durante todo aquele tempo poderiam defendê-lo se ninguém sabia -  excepto os acusadores -, do que é que ele estava acusado e quem é que o tinha acusado? Não podiam.

Mas existe outra razão para o segredo ser a arma mais importante da Inquisição, hoje Ministério Público. É que o segredo de justiça permite lançar a suspeita sobre o arguido de forma mais eficaz.

Como ninguém tem acesso à acusação,  excepto os próprios acusadores, o povo fica na dúvida  acerca do arguido. Ora, é da dúvida que se faz a suspeita, e o objectivo de destruir a reputação do arguido fica conseguido (v.g., "Não há fumo sem fogo...").

A Inquisição, como hoje o Ministério Público, nunca foi adepta da acareação e um inquisidor espanhol do final do século XVI explica porquê:

"Si hay careo, ya no hay secreto; y ya hemos dicho cuántas precauciones establece la ley para salvaguardar el secreto de la acusación" (op. cit., p. 323).

A acareação destrói o segredo de justiça. E outro inquisidor acrescentava, acerca dele:

"es cosa tan importante a la estimación y respeto que siempre se ha tenido a las cosas de la Santa Inquisición y a sus ministros, pues cuanto más secretas  son las materias que tratan tanto más que son tenidas por sagradas y estimadas de los que  no tienen noticia dellas" (op. cit., p. 323).

Quer dizer quanto mais segredo, maior é a curiosidade popular, e mais eficaz é a suspeita.

Que estas barbaridades se passassem na Espanha e no Portugal do século XVI, não há nada hoje que possamos fazer.

Mas que não haja hoje, em pleno século XXI, um Professor de Direito, ainda por cima Presidente da República, que levante a voz contra elas é que é de todo inadmissível. 

Pelo contrário, o Professor de Direito, e Presidente da República, é cúmplice de quem as pratica (cf. aqui).

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