01 novembro 2020

Um juiz à solta (I)

"Vítima da corrupção não é apenas a pessoa que possa ter sido injustamente preterida num concurso ou numa decisão. É, sobretudo, o interesse público que foi sacrificado com essa decisão. Por isso, a corrupção tem, além do mais, sempre um custo económico que pode até ser quantificado. Pode ser quantificado, por exemplo, o custo económico acrescido de obras públicas que poderiam implicar menos despesas se tivessem sido seguidos critérios legais de imparcialidade" (cf. aqui, pp. 4-5, ênfase meu)



I. Imparcialidade e corrupção

Até os jogadores de futebol há muito estão sujeitos a Códigos de Conduta que lhes são impostos pelos seus respectivos clubes e que lhes vedam certos comportamentos que não são compatíveis com as exigências da sua profissão (v.g.,  não podem sair de casa depois das 23:00 horas, só podem falar em público com autorização do clube). 

A maior parte das empresas e das profissões possui um Código de Conduta que é imposto corporativamente aos seus membros, proibindo-lhes comportamentos que são incompatíveis com o exercício da sua actividade ou da sua profissão (v.g., aqui e aqui).

Pois os juízes, que são a profissão mais importante de uma sociedade democrática, e a quem incumbe dar o exemplo a todas as outras profissões, só agora é que vão ter um Código de Conduta, o qual se encontra presentemente em discussão pública (cf. aqui).

E é só agora porque também foi só agora que a ausência de um Código de Conduta produziu um escândalo de grandes dimensões, envolvendo juízes de um Tribunal superior, que está destinado a afectar a credibilidade da Justiça por muitos e longos anos. Havia juízes do Tribunal da Relação de Lisboa que, desde há anos, andavam literalmente em roda livre (cf. aqui). 

A juntar ao escândalo, um relatório recente do Conselho da Europa, de que Portugal faz parte, veio dizer que das seis medidas recomendadas em 2015 por este Conselho através do GRECO (Grupo de Estados Contra a Corrupção) para prevenir a corrupção entre os juízes, os juízes portugueses não tinham adoptado nem uma sequer (cf. aqui). 

"Falta de imparcialidade é corrupção". Esta é a tese de um interessante artigo de opinião (cf. aqui) do juiz-desembargador Pedro Vaz Patto, do Tribunal da Relação do Porto, que comentei desenvolvidamente noutro lugar (cf. aqui).

A adopção pelo Conselho Superior da Magistratura de um Código de Conduta dos Juízes e, em particular, o seu Artº 5º (cf. aqui) fornece o quadro que permite avaliar se um juiz viola ou não o princípio da imparcialidade e, portanto, se é ou não um juiz corrupto. 

Mais geralmente, o Código de Conduta indica os princípios cuja violação constitui corrupção da Justiça, sendo que a imparcialidade é, provavelmente, o mais importante, mas não é o único. Os outros são: a independência, a integridade, a urbanidade, o humanismo, a diligência e a reserva (cf. aqui, Artº 3º).

A título de case-study, o primeiro juiz que eu vou submeter ao teste do Código de Conduta dos juízes e, em particular, do seu Artº 5º, é o próprio juiz Vaz Patto, já que é ele próprio que identifica a falta de imparcialidade com corrupção.

Para o efeito, vou socorrer-me de um conjunto de perguntas que, noutro post, formulei acerca da postura pública de certos juízes, algumas das quais se referem directamente ao juiz Vaz Patto - a saber, as questões 3), 6), 10) e 12)  (cf. aqui)


(Continua)

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