É sobretudo quando se refere ao período do Estado Novo e de Salazar, especialmente o capítulo 6, que as pretensões académicas, se é que ele as tinha, do livro Os Portugueses, de Barry Hatton, caem por terra.
Em lugar de uma investigação séria e imparcial sobre o regime, o autor descreve o período do Estado Novo através de um número inusitado de pequenas histórias, provavelmente contadas à mesa do restaurante por amigos portugueses - como a da licença de isqueiro e a das Três Marias -, não se dando conta que, para além dos traços culturais que lhes identificou, os portugueses do povo possuem outros, como a tendência para falar por histórias, a incapacidade de pensamento abstracto, uma enorme falta de julgamento, e uma grande propensão para a fantasia.
O período do Estado Novo é apresentado como um período atrasado e pobre (cf. próximo post). Mas, na minha opinião, o tema mais saliente deste capítulo, é a situação em que ele coloca a mulher portuguesa durante o período do Estado Novo a tal ponto que, embalalado na leitura e até ser despertado para a realidade, por um momento eu cheguei a ter vergonha da minha própria mãe. Ainda antes de me recompôr, eu não recomendaria a mim próprio, nem ao autor, casar com uma mulher portuguesa nascida durante o período do Estado Novo, ou filha de uma mulher portuguesa nascida durante esse período, mas provavelmente o conselho já chegaria atrasado.
O parágrafo seguinte resume bem o pensamento do autor sobre o assunto, releva as suas fontes, e nem esquece a comparação com a Inglaterra de onde Portugal, para não variar, se sai obviamente mal. Diz ele:
"As revistas femininas da altura oferecem alguns coloridos exemplos do machismo prevalecente. A revista Querida, em 1955, pisava a tecla do governo: «O lugar da mulher é em casa; trabalhar fora torna as mulheres masculinas». Dois anos mais tarde, O Jornal das Moças listava algumas recomendações para as suas leitoras: «Não aborreçam os vossos maridos com ciúmes e dúvidas»; «Uma casa de banho suja convida os vossos maridos a ir tomar banho a outro sítio»; «Terem sempre bom aspecto para o vosso marido é essencial». E, em 1962 - o ano em que a Grã-Bretanha teve a sua primeira mulher juíza e a sua primeira mulher embaixadora - os conselhos de Cláudia eram os seguintes: «Se uma mulher suspeitar que o seu marido é infiel, deverá redobrar os seus esforços para ser terna e carinhosa» ..." (pp. 157-8)
Tomemos o caso do Jornal das Moças. Eu não sabia que tinha existido em Portugal um Jornal das Moças, sinal de que as moças afinal não estavam assim tão amordaçadas como o autor pretende fazer querer. Eu não sabia sequer que o Jornal das Moças tinha emitido essa opinião sobre casas de banho sujas em relação com os maridos. Aquilo que eu estou certo é que no Jornal das Moças, ou em qualquer outro jornal, nem que fosse clandestino, se se procurar convenientemente, ou se se tivesse a possibilidade de inquirir mulheres da época, alguma iria emitir sobre o mesmo assunto uma opinião radicalmente oposta. E que, procurando com persistência, no Jornal das Moças ou em outros jornais, ou, existindo a possibilidade, inquirindo mulheres da altura, se iriam encontrar ainda, sobre o mesmo assunto, todas as opiniões possíveis, nas suas diferentes gradações, entre essas duas opiniões extremas. Porque isso é que é Portugal, o país onde os consensos são impossíveis, o país onde, sobre qualquer assunto, existem todas as opiniões possíveis e imaginárias, de um extremo ao outro do espectro.
Tomar aquela opinião do Jornal das Moças como sendo representativa do que pensavam as mulheres portuguesas da altura sobre a relação entre casas de banho sujas e maridos é uma barbaridade que não tem relação com a realidade.
1 comentário:
jornal das moças parece que é brasileiro
http://tosko.forumeiros.com/t3834-jornal-das-mocas
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jornal_das_Mo%C3%A7as
assim como as outras , assim se criam mitos
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