Os portugueses não se podem queixar da má imagem que deles passa para o estrangeiro porque são eles próprios que a criam. Geralmente pouco dados ao estudo, com pouco respeito pela verdade e uma grande propensão para a fantasia, gostando de fazer parecer mal o seu país e os seus, frequentemente agarrados a ideologias que lhes são culturalmente estranhas, fazendo uma separação radical entre o mundo das ideias e o mundo da realidade, cada vez que um português abre a boca para emitir uma opinião sobre o seu país, não será caso para puxar da pistola, mas é certamente altura para franzir o sobrolho. Que fantasia é que vai saír dali?
Barry Hatton, talvez por viver há muitos anos em Portugal, está suficientemente aportuguesado para repetir os mitos e os clichés do povo, mesmo quando eles são formulados por intelectuais que tinham o dever de se guiar por outros padrões. E o maior cliché do seu livro Os Portugueses é o de que o período do Estado Novo foi um período de atraso e pobreza. É claro que ele não está sozinho. Ainda anteontem no Público, o Vasco Pulido Valente, que é historiador, repetia o mesmo cliché pela n-ésima vez, na realidade, ele repete-o quase todas as semanas, quer referindo-se ao Portugal actual quer ao período do Estado Novo. Não surpreende que um jornalista inglês o repita também.
Hatton apresenta o Portugal de Salazar como um país atrasado e pobre, ao mesmo tempo que escreve que o crescimento económico chegou a atingir 11% ao ano na década de 60 (na realidade, o crescimento de 11% foi em 1973, enquanto o crescimento da década de 60 foram uns admiráveis 6 a 7% ao ano). O Estado Novo, ao contrário do que se diz dele, foi uma extraordinária máquina de crescimento económico e de progresso social. O ponto de partida, herdado da I República, é que era muito baixo. A I República, que não o Estado Novo, é que foi um período de empobrecimento atroz. E para que, na comparação com a Inglaterra, Portugal alguma vez saia bem, no período do Estado Novo Portugal cresceu a uma taxa média anual que foi mais do dobro da inglesa.
Tomando uma analogia do ciclismo. Em 1926, Portugal estava muito atrás do pelotão de países da Europa Ocidental, mesmo junto ao carro-vassoura. Entre 1926 e 1974 pedalou vigorosamente para se aproximar do pelotão (foi o país que mais cresceu na Europa Ocidental entre 1926 e 1974), a tal ponto que em 1974, embora ainda na cauda da Europa Ocidental, já estava junto ao pelotão da frente. Tivesse o regime continuado, com o seu crescimento económico impressionante, e Portugal seria hoje muito provavelmente o camisola amarela, em lugar de estar outra vez a aproximar-se, mas do carro-vassoura.
Entre os cientistas sociais, o Indice de Desenvolvimento Humano (IHD), publicado anualmente pela ONU, é o indicador consensual para as comparações internacionais do desenvolvimento. Neste quadro, está a comparação do IDH para os diferentes países do mundo entre 1975 e 2005, ordenados pelo ranking de 2005, em que Portugal era 29º.
É possível, a partir do quadro, inferir a posição de Portugal no ranking de 1975, o primeiro ano para o qual o IDH foi calculado. Dispensando-me de apresentar os detalhes desta inferência, Portugal era então o 24º país mais desenvolvido do mundo. Para todos os países, o Índice é calculado com base nos indicadores económicos e sociais dos dois anos anteriores. No caso do Índice de 1975, ele foi calculado com base nos indicadores económicos e sociais de 1973 e 1974, coincidentes com o fim do Estado Novo. Deixar o país como o 24º país mais desenvolvido do mundo, num universo de perto de duzentos países, é deixar o país atrasado? Não, não é. Só é na mente do Vasco Pulido Valente e de outros políticos e intelectuais portugueses - e, como se estes não bastassem, também agora na mente de um jornalista e autor inglês -, os quais, provavelmente, utilizam indicadores de desenvolvimento que só eles conhecem e que não revelam a ninguém, permanecendo segredos muito bem guardados.
Em 1975 Portugal era o 24º país mais desenvolvido do mundo. Em 2005 tinha caído para 29º, regredindo, mas ainda assim continuando a ser um dos países mais desenvolvidos do mundo. E em 2010, a última vez que o IHD foi publicado? Continuava a ser um dos países mais desenvolvidos do mundo, porque o Índice não varia radicalmente de um ano para o outro. O problema é que já vai em 40º (cf. aqui). Portanto, a verdade é esta: o Estado Novo deixou Portugal como um dos países mais desenvolvidos do Mundo (24º). A democracia é que o tem atrasado e agora ele é apenas 40º. A este ritmo, qualquer dia será considerado com propriedade um país atrasado. Está em queda livre.
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