11 junho 2011

Os Ingleses



Barry Hatton é um jornalista inglês que vive há vinte e cinco anos em Portugal. É casado com uma portuguesa e tem três filhos portugueses. É autor do livro The Portuguese - a Modern History, traduzido em português sob o título Os Portugueses (Clube do Autor, 2011). O livro dirige-se primeiramente aos leitores anglo-saxónicos e pretende ser um retrato do Portugal moderno e um filme, ainda que breve, da sua história.


O livro contém a mesma mensagem central de The First Global Village (A Primeira Aldeia Global), de Martin Page. Aquele país - Portugal -, que aos olhos de um cidadão inglês parece à primeira vista desorganizado, caótico, burocrático, senão mesmo sujo e feio, acaba por se revelar com o tempo, um país simpático, acolhedor, tranquilo e doce, donde não se quer saír.


O autor capta bem alguns dos traços distintivos dos portugueses, esses "anarquistas suaves", como ele lhes chama: a hospitalidade, a generosidade, o gosto pela comida, a tendência para complicar tudo o que é simples, a indisciplina, a pessoalidade, a incapacidade para formar consensos, e o livro acaba por ser, de uma maneira geral, um retrato simpático de Portugal e dos portugueses.


Porém, o livro tem pretensões académicas, como o seu subtítulo claramente indica e, neste aspecto ele merece alguns sérios reparos. Tratarei aqui de um deles, ficando outro para o próximo post. O primeiro refere-se a essa força oculta, que age em nós sem nos apercebermos, e que se chama cultura. Se perguntarmos a um português se ele acha que é indisciplinado, anárquico, burocrático, com tendência para complicar tudo, o mais provável é que ele responda, indignado, que não. Da mesma forma que se perguntarmos a um inglês se ele acha que é isento na análise de uma cultura diferente da sua, o mais provável é que ele responda, convicto, que sim.


Mas não é. De facto, não são apenas os portugueses que possuem traços culturais distintivos, e que os tornam um povo singular. Os ingleses também os têm. E ambos não dão por isso. E o mais marcante dos ingleses é a sua tendência para se considerarem acima de outros povos e culturas, e os criadores da cultura moderna que, na sua opinião, é a melhor de todas, e o padrão pela qual todas as outras têm de ser aferidas. Barry Hatton não consegue fugir a este preconceito, que é permanente em autores britânicos, claramente quando escrevem sobre Portugal. Aquela condescendência, aquele sentimento de superioridade da Inglaterra em relação a Portugal está patente no livro, e é um traço cultural tão irritante, pelo menos, quanto a tendência dos portugueses para complicarem tudo o que é simples.


Depois de ler o livro fica-se com a ideia de que Portugal foi ao longo da sua história uma espécie de protectorado britânico e que, se não fossem os ingleses, o país provavelmente já não existia. O papel de D. Filipa de Lencastre é sublinhado nos Descobrimentos e, provavelmente, se não fosse ela, os Descobrimentos nunca teriam acontecido. Fica-se também com a ideia de que, se não fossem os ingleses, os portugueses ainda hoje estariam sob o domínio das tropas de Napoleão. Porém, é nos detalhes que está o diabo, diz o autor, e é numa pequena passagem relativamente pouco importante do livro que este preconceito da superioridade ou condescendência britânica em relação aos portugueses atinje os auge, ao ponto do exagero.


Depois de comentar que, apesar de Portugal ter um passado colonial de miscigenação com outros povos, não existirem negros nas profissões de maior destaque social no país, nem ministros nem deputados negros, o autor salienta que o único negro apreciado em Portugal é o Eusébio. E escreve assim: "(Eusébio) tornou-se um herói nacional depois da derrota por 2-1 nas semi-finais do Campeonato do Mundo [1966] contra o país anfitrião, a Inglaterra, quando abandonou o campo em lágrimas, destroçado." (p. 85)


Até para tornar o Eusébio famoso os portugueses precisaram da Inglaterra, ainda por cima num jogo em que ele perdeu - o Eusébio, que nessa altura já tinha sido campeão da Europa e recebido A Bola de Ouro em 1965 (tendo ficado em segundo lugar em 1962).

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